13 de fev. de 2013

“Tiozão da Hornet” famoso no YouTube atropela um pedestre – e só agora será investigado


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Aconteceu no fim de janeiro: um famoso motociclista que “pilotava” suas motos insanamente pelas ruas e avenidas de São Paulo acabou tornando-se vítima de sua imprudência e atropelou um homem sobre a faixa de pedestres.
Um acidente que inevitavelmente aconteceria, pois ninguém consegue dirigir o tempo todo no limite sem grandes consequências. Talvez você não saiba de quem estamos falando. Nesse caso, permita-me apresentá-lo.
Kleber Atalla é o dono de uma loja de escapamentos em São Paulo que ficou famoso no YouTube por usar uma GoPro e sua moto Honda Hornet (atualmente usa uma CB1000R) para expor seu “estilo de pilotagem”, como ele mesmo diz, e caiu nas graças do povo como um anti-herói das ruas.
O estilo de pilotagem em questão é nada menos do que andar costurando em alta velocidade pelo caótico trânsito paulistano. Em todos os vídeos de Kleber é possível contar dezenas de infrações de trânsito. Kleber comete infrações e crimes de trânsito e grava as provas, mas talvez por conhecer a “justiça” brasileira, continua impune e motivado.
Sua única intenção era ganhar audiência em seus vídeos no YouTube. Falem bem ou falem mal, falem de mim. E cliquem no play para eu ganhar fama (e talvez uma publicidade para minha loja). Não seríamos coniventes com isso, nem mesmo como denúncia jornalística — até por que seria usar Kleber como bode expiatório de algo que acontece rotineiramente em todo o país. É por isso que você nunca viu um vídeo do “Tiozão da Hornet Branca” por aqui.
Sempre achei Kleber Atalla apenas mais um exemplo daquela gente que alimenta as mórbidas estatísticas do trânsito brasileiro. Não se trata de um manifesto anti-motoqueiro, porque eu estaria sendo hipócrita e livrando a cara de gente graúda que faz besteira em seus SUVs enormes por aí em nome da importância de suas reuniões urgentes. Essa gente que acha que seu tempo é mais importante que o dos outros, que sua pressa é mais apressada e mais valiosa que a do resto do universo e em nome disso comete todas as infrações possíveis e imagináveis em seu percurso rotineiro no trânsito.
Mas Kleber conquistou uma multidão de fãs (há quem o considere um exemplo de vida), que provavelmente o admiram pela forma que lida com a correria do dia a dia —  e pela forma que conduz sua moto, usando suas necessidades como justificativa para conduzir sua moto loucamente pelas ruas paulistanas. Como se a pressa dos outros fosse menos importante, como se seu tempo e seu trabalho fosse mais importante, alimentando a infame luta de classes do trânsito brasileiro.
É aqui que sua fama começa a tornar-se perigosa. Ao ser eleito herói de algumas pessoas, ele passa a ser um exemplo para elas. E Kleber no trânsito é um mau exemplo.

Causa e consequência

Ele sempre teve nome, endereço, e provas contra si mesmo registradas em vídeo. Mas as autoridades que enchem o país de radares nunca fizeram nada contra esse cara.
Até o dia em que ele atropelou e matou um pedestre sobre a faixa de travessia. Foi no dia 28 de janeiro. Kleber não estava com sua famosa Hornet branca, e sim com uma picape Fiat Strada. Ironicamente, Kleber não estava correndo como um maníaco, como faz quando está com sua moto. Kleber fez uma mudança de faixa brusca e sem sinalizar a manobra. Na faixa atravessava Antônio Farias, de 53 anos.

Este vídeo está aqui para mostrar o acidente. Os comentários dos jornalistas não representam o nosso ponto de vista
Paralelo ao atropelamento, há uma discussão sobre a legalidade da manobra de mudança de faixa. Atalla fez uma mudança da direita para a esquerda – esta manobra seria proibida com a placa de código R8b (página 17 deste link). Mas no local, a placa presente era a R8a – proibido mudar de faixa da esquerda para a direita. Esta atualização foi feita após 1998: antes disso, a placa proibia mudanças de faixa de trânsito, seja de lá pra cá ou de cá pra lá. Confira como era antigamente neste link.
Independentemente disso, foi um carro contra um pedestre.
Kleber, sempre apressado, atropelou Antonio que  se apressou e atravessou no vermelho pois chovia e não queria ficar encharcado. Deixou esposa, três filhas e um filho.
Em seu canal do YouTube, Kleber tenta justificar sua atitude culposa, citando que “estava abaixo do limite exigido na via pois além do trânsito chovia demasiadamente” e ainda pergunta: “se o sr. Antonio não estivesse com ‘pressa’ isso teria acontecido?”
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Para ele um pedestre sob chuva demasiada não pode ter pressa para atravessar a rua. Kleber sobre suas motos, por um motivo qualquer, pode. Sempre pode.
Kleber agiu como se fosse mais importante que Antônio. Seus vídeos mostram que ele realmente age como se fosse mais importante que o resto do universo, pedindo a todos que abram espaço para sua moto por meio dos irritantes bipes motociclísticos que atormentam o trânsito paulistano. Talvez seja por isso que Kleber pense não precisar ceder a travessia a um pedestre desprotegido sob forte chuva. “Estou com pressa, o pedestre que espere sua vez”.
(Aqui nota-se um comportamento padrão de 99% dos condutores brasileiros: não observar os bordos da via em locais onde há faixa de pedestres. Olham para a frente e procuram apenas carros e motos, como se não fosse obrigação de um condutor habilitado observar esses elementos e fatores para evitar acidentes como o que Kleber causou.)
É claro que Kleber Atalla nunca quis matar alguém, mas achou que seu estilo de pilotagem (como diz em seus vídeos) era imune a acidentes. Agora, depois de gravar mais de 500 vídeos onde demonstra imprudência e conteudo suficiente para ter sua habilitação suspensa permanentemente, depois de matar um cidadão chefe de família, um delegado resolveu analisar o conteudo dos vídeos.
Só agora.
E só agora podemos colocar Kleber Atalla como bode expiatório. Porque Kleber está errado — e não é o único — e optou por mostrar o rosto e gravar o que muita gente faz anonimamente e impunemente. Estava sujeito a arcar com as consequências de suas escolhas.
Bem-vindo ao outro lado da fama, Kleber.
Há muitos defensores de Kleber Atalla, dizendo que ele é íntegro, honesto e trabalhador, e que até ajuda jovens a se livrarem das drogas, como se isso fosse abono por tudo de errado que faz no trânsito.
Só que Antonio, assim como Kleber, também era íntegro e honesto e trabalhador. Antônio tinha o direito de ter pressa sob a chuva, e de voltar para casa vivo e morrer quando a ordem natural das coisas o levasse, assim como Kleber voltou vivo em seus mais de 500 vídeos insanos, apesar de colocar em risco a si mesmo e outras pessoas.
Mas Antonio topou com o apressado Kleber, que mudou de faixa subitamente, sem sinalizar a manobra. Sem se preocupar se haveria — talvez — um outro apressado em seu caminho.
Ainda que o pedestre não deva atravessar com o sinal vermelho para ele, é obrigação do condutor aguardar a conclusão da travessia, mesmo que o semáforo esteja verde para os carros, conforme manda o Código de Trânsito Brasileiro: “os veículos de maior porte serão sempre responsáveis pela segurança dos menores, os motorizados pelos não motorizados e, juntos, pela incolumidade dos pedestres”.
Kleber em seu carro tinha a responsabilidade legal e moral de manter Antonio vivo.
Há milhões de Kleberes matando Antonios por aí com a conivência daqueles que acham que a regra se aplica apenas aos outros, e das autoridades que não fazem valer seus salários surreais e incondizentes com a realidade do brasileiro (brasileiros como os fãs do “tiozão”, que vivem na correria) e não levantam o traseiro de suas salas com ar-condicionado para fazer a justiça funcionar.
Até que alguém morra, como aconteceu em Santa Maria. Como aconteceu com Antonio Farias. Aí os delegados e fiscais e diretores e gerentes mostram-se sérios diante dos holofotes da mídia, batem um falso pulso firme na mesa e fazem discursos hipócritas. Então iniciam um surto de trabalho público sério — aquele que deveria ser feito, mas nunca foi — apenas para abrandar a comoção popular até que tudo seja esquecido.
Então voltarão a omissão e a ineficiência, que serão regra até que a próxima Kiss pegue fogo, até que o próximo Kleber atropele e mate o próximo Antonio.
Ou até que Kleber tenha seu dia de Antonio.

Fonte: Jalopnik
Disponível no(a): http://www.jalopnik.com.br
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