Pronuncie o nome Boxster numa rodinha de fãs do 911 e você será visto com certo desdém.
Os puristas da Porsche consideram que o modelo de entrada da marca é “carro de menina” ou, ainda, de quem não tem grana para levar um 911.
Besteira pura. Após percorrer duas especiais do Rally de Monte Carlo com a terceira geração do roadster, saí tão empolgado com o esportivo que, no bate-papo do almoço, afirmei que preferia ele ao mítico 911. Nisso, um alemão entrou na conversa e concordou comigo. “Sem dúvidas. Se colocarmos um Boxster e um 911 com o mesmo motor num autódromo, o 911 não teria chance”. Detalhe: esse alemão, o engenheiro Michael Junginger, é funcionário da própria Porsche.
Essa história ocorreu em abril do ano passado, no lançamento internacional do novo Boxster na região da Cote D’Azur, sul da França. A discussão corria em torno do fato de o pequeno conversível de dois lugares ter o motor em posição central, o que favorece o equilíbrio do carro, enquanto no 911 o propulsor fica pendurado sobre o eixo traseiro. Sabendo desse apetite do roadster por curvas, a Porsche foi ousada na escolha do trajeto do test-drive. Uma pista estreitinha, beirando o precipício e ainda por cima de mão dupla – o trecho do citado Rally, com a diferença de que a estrada não estava fechada. Entre curtir a paisagem e o vento do Mar Mediterrâneo no rosto ou pilotar com a “faca nos dentes”, o Boxster S permite ficar com os dois.
Ao mesmo tempo em que colocava o cinto de segurança, já fui logo apertando o botão de baixar a capota. E até aqui o Boxster é rápido: com uma pequena cobertura de tecido (em vez do teto rígido como nos rivais BMW Z4 e Mercedes SLK), o Porsche leva apenas 9 segundos para recolher ou fechar o teto, além de a operação poder ser feita a até 50 km/h. Uma breve conferida no interior revela que o console central “deitado” foi inspirado no do Panamera, enquanto a ignição segue a tradição de ficar do lado esquerdo e ser feita pela chave (nada de botão de partida). O acabamento é digno da Porsche, mas eu estaria mentindo se dissesse que não encontrei plásticos rígidos entre os materiais da cabine. No geral, porém, é um refinado couro que domina o revestimento dos bancos, portas e painel.
Uma vez ao ar livre, a primeira coisa que arrepia é o ronco do motor 3.4 litros de seis cilindros opostos (boxer) e 315 cv de potência. No antigo Boxster, somente a tomada de ar esquerda (atrás da porta) era funcional. Agora, as duas trabalham juntas na tarefa de enviar ar para o propulsor, resultando num delicioso barulho de aspiração. Confesso que diversas vezes eu dava umas aceleradas só para ouvir aquele ronco ardido atrás da orelha, um ingrediente fundamental na euforia que o Boxster provoca em quem o dirige.
O ritmo fica mais intenso quando aciono o modo Sport Plus (há também o Sport normal e uma opção conforto). O acelerador ganha programação extremamente nervosa e os amortecedores assumem sua faceta mais rígida. E tome pé embaixo. O Boxster S responde com vigor, deslizando pela estrada sinuosa com a naturalidade de quem nasceu para isso. Em pouco tempo, parecemos amigos de longa data. O câmbio de seis marchas é provavelmente a melhor transmissão manual que já manejei, tamanha precisão e rapidez nos engates. Já os freios, com discos dianteiros do 911, têm mordida suficiente para conter com firmeza o ânimo do roadster antes de entrar numa curvinha tipo cotovelo.
Mas nada nesse Porsche encanta tanto quanto sua habilidade em lidar com trechos sinuosos. Não bastasse a distribuição de peso equilibrada – 46% na frente e 54% atrás – conseguida com o motor central (veja o raio-x do carro abaixo), a nova geração do Boxster teve as bitolas alargadas (4 cm na dianteira e 1,8 cm na traseira), o entre-eixos alongado em 6 cm e ganhou a opção de rodas aro 20, herdadas do 911. Isso sem falar da presença de alumínio e magnésio em partes da carroceria e da estrutura, o que resultou numa perda de peso de 25 a 35 kg, dependendo da versão. Em resumo, se o modelo antigo já era conhecido como exímio devorador de curvas, o novo tende a aumentar ainda mais essa fama. Prova disso é que o tempo de volta do Boxster S no aclamado circuito de Nürburgring (7m58s) baixou em nada menos que 12 segundos (!) na comparação com o anterior – lembrando que a diferença de potência é de apenas 5 cv de uma geração para outra.
A adrenalina é tanta que não me contenho e provoco o roadster com uma “chamada” para dentro de uma curva à direita, ao que ele responde com uma bela “escorregada” de traseira – rapidamente corrigida pela direção de relação bem direta. O Boxster é tão facilmente controlável que a Porsche programou o ESP para só atuar quando a coisa realmente ficar perigosa. Isso significa que, mesmo com o controle de estabilidade ativo, você pode se divertir com umas leves escapadas proporcionadas pela tração traseira.
A sensação ao volante é sempre de um carro leve, com disposição de sobra, e que aponta muito fácil nas curvas. A direção gerou certo burburinho entre alguns jornalistas por adotar um sistema elétrico, mas eu não tenho nenhuma reclamação a fazer. O sistema é rápido e oferece boa sensibilidade, com peso adequado tanto nas manobras de estacionamento quanto em altas velocidades na auto-estrada.
Chegamos então ao local do almoço, onde ocorreu a conversa do início do texto. Nada como saborear uma frota de Boxsters enfileirados à espera dos jornalistas para o caminho de volta ao hotel. É hora também de trocar a versão manual pela automatizada PDK de dupla embreagem e sete marchas. Nosso novo carro tem as mesmas rodas aro 20 e os amortecedores ajustáveis, mas conta ainda com o pacote Sport Chrono, que inclui o controle de largada. Com esse dispositivo, a eletrônica ajusta o motor, o câmbio e as embreagens para conseguir a melhor arrancada possível. Basta frear com o pé esquerdo, acelerar até o giro travar em cerca de 6.500 rpm e então soltar o freio. Um barulho mecânico “PLAC!” é seguido da impressão de levar um coice, tamanha a patada que o Boxster S dá nas suas costas.
Sinceramente, ainda não sei qual Bosxter S eu escolheria: o manual é mais interativo no contato homem-máquina, mas o PDK é “o” carro se você quer ser mais rápido. E não estou falando somente das acelerações, onde o manual leva 5,1 s de 0 a 100 km/h e o PDK crava 4,8 s. A maior diferença reside nas trocas quase instantâneas do câmbio automatizado (0,2 s), o que permite que você deixe para frear mais tarde e faça a redução de marcha em cima da curva, pela borboleta atrás do volante. Numa pista, tirando tempo, o manual vai ficar para trás. Tanto que o modelo lá de Nürburgring era um PDK.
Já convencido pelo comportamento do roadster numa tocada forte, resolvo ver como ele atua em ritmo de passeio. Para algo tão emocional, até que o Boxster é bastante prático. Há entrega maciça de torque em baixas rotações (apesar de os 36,7 kgfm só estarem disponíveis a 4.500 rpm), a ponto de o carro responder bem mesmo em sétima marcha com o giro lá embaixo. A suspensão também surpreende pela forma como amortece as imperfeições, usando o modo mais macio dos amortecedores – eu poderia ir ao trabalho com ele todos os dias mesmo na esburacada São Paulo. Por fim, esse Porsche ainda conta com dois porta-malas: um de 150 litros na frente e um de 130 litros atrás, o que totaliza 280 litros – mesma capacidade de um hatch compacto.
O test-drive chegava ao fim, mas ainda dava tempo de admirar as linhas do novo Boxster. A dianteira ganhou faróis menos ovalados, inspirados claramente no conceito 918 Spyder, enquanto a traseira matou a pau com o desenho das lanternas se integrando a uma espécie de flap central. Para completar, as portas agora são exclusivas (antes eram as mesmas do 911), dando mais personalidade ao modelo. Nem precisava ser tão atraente. Se um dia eu tiver grana para comprar um Porsche – essa versão S custa R$ 379 mil aqui no Brasil -, meu carro será um Boxster. E os donos de 911 poderão me provocar à vontade que não estarei nem aí…
Por Daniel Messeder, de Saint-Tropez
Fotos Porsche e autor
Ficha técnica – Porsche Boxster S PDK
Motor: central, seis cilindros opostos, 24 válvulas, 3.436 cm3, injeção direta, gasolina; Potência: 315 cv a 6.700 rpm; Torque: 36,7 kgfm de 4.500 a 5.800 rpm; Transmissão: câmbio automatizado de sete marchas, dupla embreagem, tração traseira; Direção: elétrica; Suspensão: independente McPherson na dianteira e multibraços na traseira; Freios: discos ventilados nas quatro rodas, com ABS; Rodas: aro 19 com pneus 235/40 na frente e 265/40 atrás; Peso: 1.350 kg; Capacidades: porta-malas 150 + 130 litros, tanque 64 litros; Dimensões: comprimento 4,374 mm, largura 1,801 mm, altura 1,281 mm, entreeixos 2,475 mm; Desempenho: aceleração 0 a 100 km/h: 4,8 s, velocidade máxima 277 km/h
Disponível no(a): http://carplace.virgula.uol.com.br/
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