19 de set. de 2011

segunda aventura do motoboy que desafiou o Rally dos Sertões: de São Paulo a Natal


Atendendo a pedidos, aqui está o relato (sempre divertido) da segunda aventura de Marcos Martines Neto, nosso Bill Caswell tupiniquim, dessa vez metido numa exaustiva corrida de 5 mil quilômetros entre São Paulo e Natal (RN).
E se você acabou de ser apresentado a esse personagem heroico do motociclismo nacional, aproveite e dê uma lida na história de sua primeira empreitada no Rally dos Sertões, aqui.
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Em 97, resolvi participar novamente do Rally dos Sertões , pois não saía da minha cabeça a idéia de que eu poderia ter ganhado um troféu no ano anterior se não fosse tão inexperiente. Era como que se eu quisesse provar para mim mesmo de que seria capaz de fazer o percurso novamente e obter uma melhor colocação mesmo com a pesada TÉNÉRÉ e com equipamentos básicos. Não me conformava de ter andado na frente de alguns pilotos sem pegar nem um troféuzinho…
Mas esse foi o preço de não ter navegado e prestado atenção nos tempos. Terminava a especial cronometrada e relaxava, achando que não tinha mais horário para chegar no final da etapa. O ser humano é estranho mesmo… já não bastava conseguir terminar e chegar vivo?
Lembro-me das palavras de André Azevedo em seu livro “Grãos de Areia”. Nos primeiros ralis de que participou, as imagens da prova vinham em sua mente até seis meses após o ocorrido! O mesmo aconteceu comigo: as imagens dos Sertões me perseguiram durante meses. Era como se estivesse passando um flash back dos momentos marcantes dessa competição, das especiais, das largadas, chegadas, sufocos, no que você errou, acertou, o que poderia ter melhorado, os perigos e as amizades.
Quando se está numa prova assim e a carga de adrenalina chega ao máximo, você não assimila muito as peculiaridades do trajeto. Mas quando ela termina, dá para sentir calafrios ao lembrar de certas situações por que passamos.
Essa minha segunda participação ficou marcada pela luta por PATROCÍNIO.

Os bastidores

Eu, Luis e Ernesto estávamos inscritos novamente para a quinta edição do Rally dos Sertões. É como um vício. Eu e o Luis usamos o mesmo método de marketing para tentar conseguir apoio. Pensávamos que seria mais fácil, já que éramos um pouco mais conhecidos. O preço da inscrição subiu também, pois a Dunas Race estava se profissionalizando bastante.
Começamos a bater de porta em porta pedindo apoio em bancos, seguradoras, empresas privadas, mas não conseguimos resultados satisfatórios. Muitos achavam nossa participação muito interessante, mas na hora de ajudar tiravam o corpo fora. Perdi a conta de quantas vezes ouvi alguém dizer “fale com tal pessoa, bla bla bla….”, mas nunca conseguíamos falar com a pessoa certa, só encontramos papagaios pela frente.
Não me considero uma pessoa superinteligente, mas também acredito que não sou burro! Nunca pensei que poderia me confrontar com gerentes de marketing de empresas, e que os mesmos dariam as desculpas mais esfarrapadas do mundo para pular fora do apoio. Eu,sem formação em marketing , consegui sair na mídia visual, falada e escrita, além de três minutos de TV nacional apenas na simples visão do “motoboy aventureiro”. Tive a visão que os cabeças duras não tiveram, kkkkkk…
Mas o que realmente marcou foi o preconceito dessas pessoas com o referencial “motoboy” ou “entregador de pizza”. E isso foi antes de aparecer aquele maníaco do Parque – imaginem como seria agora então!
Eu e o Luis estávamos tão certos que conseguiríamos apoio aqui no Paraná que passamos cheques pré-datados para pagar as inscrições e comprar peças para as motos. Chegamos a fazer algumas matérias nos jornais e até uma chamada na televisão. Sair na tela aqui era a coisa mais fácil do mundo… teve até especulações sobre o programa do Jô Soares e uma matéria na ESPN, mas confesso que já estava de saco cheio disso, queria era correr e não ficar perdendo tempo. Me ligavam para fazer matérias, mas eu estava estressado com a falta de patrocínio e mandava todo mundo à merda, kkkkkkk!!!!!!
Muitos se comprometeram a ajudar, teve até concessionária de motos que prometeu a dar umas peças para a moto do Luis, mas na hora H se fingiram de mortos…
Vou contar uma historinha só para vocês terem uma ideia de como foi ridícula a nossa corrida para conseguir apoio. Por telefone, entrei em contato com um representante de um óleo sintético famoso aqui no Paraná. Contei a ele sobre nossa participação no maior rali da América Latina e se não daria para ele descolar alguns litros de óleo para nossas motos, assim divulgaríamos sua marca. Essa pessoa ficou muito entusiasmada em poder colocar adesivos em nossas jaquetas e motos e me convidou para uma reunião.
Quando já estávamos discutindo a quantidade de óleo e onde seriam colocados os adesivos nas roupas, o cidadão me perguntou em que eu trabalhava. Bem, quando disse que trabalhava como motoboy o cara mudou da água para o vinho. Começou a enrolar e falar para passar na semana que vem… só que o bacana já havia garantido seu apoio em óleo, aí começou uma masturbação mental: ele de um lado sempre desconversando e enrolando, e eu do outro apenas querendo ver até onde iria essa novela
Já sabia que era preconceito dele, mas fiz de conta que estava acreditando na conversa mole dessa pessoa. Faltando apenas dois dias para irmos a São Paulo, fui lá colocar fim na novela das oito. Tive a cara de pau de pedir apenas um litro de óleo sintético só para ver o que ele diria. E não é que o cara disse que teria que fazer uma reunião com não sei quem para ver se dava para liberar???? Mesmo assim, resolvi comprar esse óleo sintético para ver se era bom o suficiente para não precisar fazer a troca durante a prova.
Seguinte pessoal: nessa vida de moto acho que rodei (trabalhando) algo em torno de uns 850 mil quilômetros, então sei bem o que uma moto aguenta ou não. O que vou comentar aqui é coisa de deixar qualquer técnico, engenheiro e afins do ramo de lubrificantes de cabelos em pé – e nem venham me processar que eu tô duro! Mas com uma ML125 apenas completando o nível de óleo (mineral) no motor, sem ao menos trocar ou esgotar o que tinha lá, com ÓLEO QUEIMADO MESMO, rodei 150.000 quilômetros e a moto fumava bastante, MAS NUNCA QUEBROU, então achei uma tremenda viadagem mesmo a raiva que passei com esse representante de óleo sintético aqui na época. Como se eu não fosse sobreviver sem o tal óleo……
Às vezes a experiência, necessidade e a prática se sobrepõem à teoria de alguns digamos ENTENDIDOS….
Mas voltando ao assunto:
Eu e o Luis estávamos querendo desistir. Resolvemos ligar para a organização da prova para cancelar as inscrições. Explicamos a situação para o Dionízio e ele nos deu uma resposta que mudaria totalmente nossa vontade. Ele disse que a organização bancaria nossas inscrições em 50%! Foi um alívio… Ele disse que a mídia em Sampa achou interessante nossa participação no ano anterior, e que queriam ver os motoboys novamente na prova. Depois disso comecei a mandar à merda todo mundo daqui do Paraná, fiquei revoltado com o papo furado, kkkkkkkkk…
Já decidi que nessa, na próxima e na outra encarnação EU NUNCA MAIS QUERO SABER DE PAPO DE PATROCÍNIO SEJA LÁ PARA O QUE FOR!!!!
Foi aí que tive uma idéia que a princípio parecia absurda (eu e minha idéias, kkkkkkkk): confeccionar camisetas com uma foto minha na Ténéré durante o rali passado e embaixo colocar um texto nada convencional. No texto estava escrito: ” FUI OBRIGADO A COLABORAR COM OS MOTOBOYS PILOTOS LUIS E NETO”. Neto era como eu era conhecido aqui pelos colegas. Foi um tipo de apelação misturada com bom humor para que assim pudéssemos vender as camisetas.
E essa foi a ideia mais simples e genial que tivemos: vendemos todas! E ainda faltou!!! Um repórter aqui de um jornal deu uma força colocando uma matéria sobre a venda das camisetas para angariar fundos. Mas sempre era aquele negócio, ligavam e exigiam que um de nós fosse entregar pessoalmente, etc. Pessoas de outras cidades queriam também.
Mesmo assim, o dinheiro que conseguimos daria para somente um de nós participar da prova, mesmo com o abatimento das inscrições. Ficou decidido que eu iria. O Luis acabou desistindo. Estávamos muito perto da largada para fazer mais camisetas, mas acho que se vendesse elas pela internet eu conseguiria mais ajuda dos que acreditavam na aventura.
O ruim dessa história é o desgaste psicológico que você sofre correndo atrás de dinheiro até a largada. O ideal seria se preocupar com a competição e não com promessas mentirosas dos outros. Não que eu fosse vencer o rali, mas não dá para chegar lá já meio esgotado mentalmente.
Daqui do Paraná, fomos eu e o Ernesto. O Luis nos acompanhou até São Paulo para a largada.

Finalmente a largada

Em 1997 o Rally dos Sertões havia crescido muito devido ao sucesso do ano anterior. O número de pilotos aumentou. Eram 80 pilotos de moto e 60 carros divididos em categorias. Pior para mim, pois para conseguir me classificar entre os 10 primeiros na minha categoria (Marathon) não seria fácil. Pensava em ganhar um troféu e estava me esquecendo do principal, que era completar o rali!
Estava ficando ambicioso e não percebia , já contava como certo chegar no final e agora queria um troféu.Alguns pilotos tinham me falado: cara, venha com uma moto especial mais leve ano que no ano que vem você arrepia! Mas como eu não era e nem queria ser ou bancar o profissional e sim apenas curtir minha Ténéré, voltei com ela.
Meu objetivo era de fazer uma pilotagem tranquila, não andando tão forte como no ano passado (que nem vaca louca sem saber nem para onde estava indo), e sim dando prioridade para a navegação, sem precisar seguir os outros, pois não basta você ser rápido, precisa saber navegar. Uma pitada de sorte também ajuda muito, misturada com o azar de outros que vão quebrando pelo caminho…
É, eu também computava as quebras dos concorrentes para calcular meu ganho de posições… o que tem de errado nisso? Kkkkkkkk… Não vou negar que teve um cara lá que joguei o maior zóio gordo do mundo para pegar a posição dele na prova: o cara tirou sarro de mim antes!!! Não podia deixar barato não! Mas ele não quebrava, não acontecia nada para ele se atrasar, aí passei ele no braço mesmo, na raiva, mas passei – e foi uma das melhores sensações que senti nos dois ralis de que participei, que delicia que foi olhar pra cara do cidadão no final da etapa…. Era briga de pernilongos, mas parecia duelo de titãs, kkkkkkkkkkk!
A moto era a mesma Téneré 600 com o mesmo motor e o mesmo CDI original de fábrica. Ainda estava com a fita isolante que o Bolinha havia colocado no CDI do rali passado, só mudei a posição do CDI para não ficar na reta do curso final da balança.
Fiz a mesma preparação e agora tinha um equipamento de navegação. Era mais pesado que a frente da moto…
Quando estávamos chegando perto do Estádio do Pacaembú já em São Paulo para a largada, alguns motoboys acho que reconheceram a Ténéré na carretinha com a moto do Ernesto (uma DR650) e vieram nos escoltar até a largada! Legal mesmo, veio um e já me pediu uma assinatura na revista de moto que ele tinha na mochila.

Esse ano tinha uma BMW lá. Branca , motor horizontal, e quem pilotava era um senhor com certa idade. Também tinha uma dupla de alemães (Klauss e Herbert) com um tipo de triciclo com aquela cadeirinha lateral para o passageiro, igual aos usados pelos alemães na Segunda Guerra Mundial. Não sei o nome daquilo, acho que é side car, sei lá. Só sei que aqueles caras participaram do Rally dos Faraós e pilotavam muito aquilo. Agora imagine você correr os Sertões com um cara na garupa, ou melhor, pendurado do seu lado?

Também estavam lá alguns outros pilotos estrangeiros como Jordi Arcarons, piloto do Dakar, e acreditem como esse mundo é pequeno, Klever Kolberg e André Azevedo pilotando carro também estavam lá, hehehehe… Eita vida engraçada. Bem, não vou negar que na hora que vi aquelas equipes, fiquei meio abobado. Eu, correndo no meio daqueles feras… será que eles estão pensando que sou um impostor aqui? Acho que não, veio muita gente falar comigo na largada, tipo “então é você o tal do motoboy???”
Partimos do Pacaembu às 20:00 horas em um deslocamento até Mairiporã (SP), onde os cronômetros seriam realmente disparados. Tivemos que dormir em um motel pois não havia mais lugar na caravana do rali. No dia seguinte, a etapa terminaria em Varginha (MG) onde teríamos nosso primeiro acampamento.

Lembro-me que terminei em 61º lugar na geral (eram 80 motos). Sabia que faltava muito para o final, e que muitos pilotos estavam andando muito forte para uma prova de 12 dias.No começo, sempre tem os caras que querem e acham que o rali vai acabar no mesmo dia, o que é um erro: numa competição assim, é preciso administrar, pois são vários dias e não um só.
A próxima etapa, até Belo Horizonte, passaria pela bela Serra do Cipó, com uma visão espetacular e muitas pedras soltas pelo caminho. Foi nessa etapa que levei o maior susto.

A dor das quedas

Vinha andando bem e até havia recuperado algumas posições depois de levar um tombo em um riacho lá atrás, quando o helicóptero da organização começou a sobrevoar bem perto de mim e mais dois pilotos. Geralmente quando o helicóptero chega muito perto é porque está fazendo filmagens dos pegas. Alguns pilotos começam a andar mais rápido só para se exibir para as câmeras… e eu fui um desses otários!!!
Comecei a andar mais do que podia com a Ténéré no meio daquelas pedras soltas e erosões, inclusive levantando a frente da moto e empinando. Tava lá, em pé nas pedaleiras, me achando, kkkkkkk… Achei que fosse o PETERHANSEL sendo filmado pelo helicóptero. Nessa hora, na minha cabeça, senti o gostinho de quando via as cenas do Dakar filmadas de cima. O helicóptero nem estava mais por perto mas mesmo assim continuava com o espírito dakariano baixado em mim, e andando muito forte para um duble de piloto (desculpa galera, estou rindo de novo).
Continuei andando forte e, como não poderia deixar de ser, entrei com moto e tudo em uma erosão. O tombo foi espetacular, voei uns 6 metros longe da moto, feio mesmo. Comigo não aconteceu nada, mas com a moto… Lembro bem dos segundos enquanto eu estava no ar voando. Deu tempo de pensar: onde a moto vai cair? Onde a moto vai cair??? Onde será que está a moto nesse momento??????? Será que ela vai cair em cima de mim??????????
Depois da queda, só me preocupava em ter certeza de que não tinha sido filmado. Imaginem só o vexame, kkkkkkkk… A moto entortou o guidon e afundou o lado esquerdo do tanque de combustível, e o pedal de câmbio entortou. Foi muito difícil terminar aquela etapa pilotando daquele jeito, com o guidon torto, parecia mais um caranguejo andando de lado.
Percebi então que terminar a prova era o mais importante e resolvi ser mais cauteloso. Estava ali para tentar ganhar um troféu, mas precisa terminar a prova antes. Aquele segundo tombo e o do começo da prova haviam me deixado meio abalado. No Rally passado, comecei a cair depois da metade da prova e foram 10 tombos contadinhos. Nesse, a coisa estava indo mal pela projeção…
Algumas baixas já haviam ocorrido tanto nas motos como no carros. Eu continuava com a minha tocada, navegando sempre. Estava contente só pelo fato de não precisar andar colado em algum piloto para não me perder. Também teve um momento em que estava tão concentrado na navegação que você percebe que outros pilotos começam a te seguir nos deslocamentos. Dei uma errada em uma etapa e levei uns 3 pilotos junto no caminho errado, hehehehe…

Todo final de etapa, quando os pilotos se reuniam para o briefing, você ouvia que tal piloto quebrou a clavícula, perna, braço, etc, e por alguns segundos pensa que o mais importante mesmo é chegar ao final, e de preferência vivo.
Na etapa de Montes Claros(MG), o Ernesto teve a corrente da moto quebrada. Fui vê-lo só dois dias depois. Achei um pedaço de barra de cano em um posto de gasolina e desmontei o guidon da Ténéré para poder desentortar. Não ficou 100%, mas a pilotagem melhorou muito. E encontrei mais um fã nessa cidade com a revista Playboy na mão onde aparecia uma foto minha para eu autografar. O cara estava me esperando no final da etapa!!!
A etapa de Alto Paraíso (GO) era uma etapa muito longa e com a maior especial (300km), e foi marcada por capotamentos nos carros e ossos quebrados nas motos. Mesmo assim, sobrevivi! Nessa etapa cheguei à noite e tive dificuldades em descer da moto de tanto tempo nela. Quando desci , fiquei meio tonto. O pessoal da chegada percebeu e me segurou pelo braço para não deixar a moto cair no chão quando desci dela
Alto Paraíso foi a cidade mais estranha que eu já vi na vida. Não é crítica, mas o pessoal é bem diferente, o negócio lá é disco voador ficar olhando para o céu procurando disco voador, coisas assim.
De Alto Paraíso(GO) a Barreiras (BA), novamente alguns capotamentos e um acidente grave nas motos. Um piloto se perdeu em uma curva de cascalho e foi com moto e tudo em um paredão de pedras, causando uma compressão na espinha. Ele estava na minha frente. Essa estrada de cascalho tinha curvas perigosíssimas que te jogavam para fora da estrada por serem inclinada para o precipício, sem um ângulo oposto de inclinação.
Vi o piloto no chão, de bruços, imóvel. Havia um médico em pé olhando o cara desfalecido….e por esse médico não estar abaixado ao lado, e sim em pé, pensei: o cara tá morto!!! Mas não… depois fiquei sabendo que quando ele bateu nas pedras a moto veio e acertou sua espinha. Parece que ele ficou com traumatismo na 4° vértebra, coisa bem feia.
A organização resolveu diminuir as especiais por medida de segurança, pois os pilotos estavam endiabrados, parecia que todos queriam vencer a prova. Nessa etapa, mais uma vez fui o ator principal de uma cena cômica.Vinha em uma estrada de cascalho e me perdi em uma curva indo de encontro a um barranco. A moto ficou no barranco e eu voei em direção a uma cerca de arame farpado!
O engraçado foi que fiquei preso como uma mosca em uma teia de aranha nessa cerca, e ainda pendurado de cabeça para baixo! Perdi uns minutos ali até conseguir me livrar daquela cerca… foi uma cena bem ridícula, hehehehe…
Quando você fica sabendo nos bastidores da prova que teve piloto de carro que gastou mais de R$150.000,00 para correr e piloto de moto que gastou algo em torno de R$10.000,00 a R$20.000,00 entre moto, peças, inscrição e apoio mecânico, você fica simplesmente se achando ridículo! Cheguei a me humilhar para conseguir arrecadar R$2.700,00 incluindo a venda das camisetas para simplesmente poder largar, sem apoio, sem mecânico, sem nada, apenas eu  minha moto, um pouco de braço e fé em Deus!!!
Teve um deslocamento nessa etapa que realmente era para destruir os pilotos mesmo. Era para ser uma etapa especial que acabou cancelada, mas mesmo como deslocamento foi de matar. Passei por um PC (posto de controle) e o cara da organização falou assim para mim: “cara , como você conseguiu chegar até aqui com essa moto? Você realmente merecia ganhar um troféu de “macho” porque eu com essa aqui (uma RMX 250 leve) já me ferrei, imagine você o que não passou lá atrás…” Essas observações te deixavam de moral alto, aí que você encontrava forças para continuar.
Petrolina (720 km) foi uma etapa de muito areão e muito calor. Teve piloto que ficou com moto e tudo em um rio um pouco fundo demais. Consegui chegar ao final da etapa com apenas 1 minuto de atraso!
Nessa etapa, se não me engano, havia um tremendo retão com saltos. Dava para meter o pau na Ténéré sem dó porque não havia curvas, somente areão e rampas. Não sei o que deu em mim, mas andei tudo o que podia nessa especial de velocidade. Estava endiabrado, banquei o imprudente mesmo, acelerei sem dó.

O perigo nessa etapa eram alguns troncos no caminho que podiam te ferrar. Estava andando muito bem e vi a poeira de um piloto na minha frente. Comecei a acelerar forte para poder chegar perto e ao menos emparelhar para me livrar da poeira que te deixa completamente cego. É um momento muito perigoso quando você alcança outro piloto em uma estrada de pó. São segundos em que você fica cego e na dúvida se acelera e tenta passar ou diminui para poder voltar a enxergar
Só sei que o cara levou um susto quando viu o trator passando por ele… e aí perceber que o cidadão era o JORDI ARCARONS! O espanhol que cansou de subir no pódio do Dakar!!! Se que ele deve ter tido algum problema ou se perdeu, mas o bom de ser um aventureiro é isso: você não tem obrigação nenhuma com nada, e com um pouco de sorte ainda tira uma casquinha dos campeões, kkkkkkkkkkkk…
Acho que essa foi a minha melhor especial de velocidade nesses dois Sertões, em termos de pilotagem. Eu realmente iria ganhar posições na classificação geral se não fosse o último quilômetro dela. No último quilômetro… eu me perdi! Imagine você chegar no final da especial e ver a bandeira de chegada, mas só que do lado errado! É …do lado contrário mesmo!!!. Hahahahaa…
Eu e mais uns oito pilotos erramos, pelo que eu contei , inclusive o hómi também errou! Foi aquela zoeira… só moto fazendo o retorno e vendo as outras na contramão. Perigosíssimo! E teve trombada feia nessa especial Fiquei perdido dentro dela por 31 minutos! Vou tentar explicar:
Imagine que eu fiz a especial em 58 minutos. Seria o tempo normal, só que como me perdi e até encontrar a passagem correta para chegar na bandeira demorei 31 minutos, então ssoma 58 minutos + 31 minutos em que eu estava com o cronômetro disparado contando o tempo dentro da especial. Temos aí então 1h29min de tempo e não apenas os 58 minutos
Depois teve um deslocamento em que fiz os 300 km mais rápidos da minha vida para tentar chegar no meu horário ideal. A navegação e minha estratégia de se manter constante na prova estava dando resultado. Muitos pilotos estouraram o tempo para chegar ao acampamento e foram penalizados. O grande perigo dessa etapa foi que quase atropelei uma vaca a 130 km por hora!
Em Petrolina, encontrei com o Ernesto novamente, e fiquei muito contente em ver que ele não havia desistido. Ernesto teve problemas com a corrente de sua Suzuki DR650, e até esperar o carro vassoura perdeu muito tempo para conseguir consertar a moto. A roda da moto do Ernesto estava quadrada.
Teve um lugar nessa etapa em que sentei ao lado de uma parede – era uma casa de barro no meio do nada – aguardando o meu horário e comecei a comer uma paçoca de amendoim. Então o Jordi Arcarons (de novo ele!) veio e em espanhol me pediu um pedaço, kkkkkkkkkkk… lembro que ainda falei a ele que dividiria se ele me desse um autógrafo no final do Rally. Ele me perguntou se eu tinha vontade de participar do Dakar devido a estar correndo com um Ténéré, hahahahaha…
O problema de você não ter um certo apoio mecânico em um Rally é que você termina uma etapa (geralmente a noite) e tem que se virar na manutenção da moto, procurar sua caixa de ferramentas que está perdida em algum lugar no caminhão da organização. Se sobrar tempo, come alguma coisa, estuda a planilha do próximo dia e confere sua classificação do dia. Quando percebe, são 2 horas da manhã e você precisa acordar entre 4 e 5 horas para largar.
Esse é um dos fatores em que você tem uma leve noção do que seria um Dakar. É meio complicado esse negócio de você ser piloto, mecânico e chefe de equipe ao mesmo tempo, e se não tiver um mínimo de peças de reposição, a coisa fica ainda mais complicada . Isso acaba influenciando na própria pilotagem, psicologicamente falando. Você vai ter que POUPAR o equipamento a qualquer preço, não vai poder andar 100% de sua capacidade para não destruir muita coisa.
Em cada tombo que levava, ficava pensando “pô, vou ter que arrumar isso aqui quando chegar em casa” (chegar em casa? Sim, só quando chegar em casa e o Rally tiver terminado). Quem tinha apoio mecânico, tinha sua moto reconstruída para o dia seguinte. Tinha piloto que via seu “motor ser feito” todas as noites, inclusive com pneus novos todo os dias de largada. Eu levei um pneu dianteiro e dois traseiros, e só…
Em Petrolina, de noite, teve uma exibição dos pilotos em circuito fechado para o público assistir.Quando chegou a minha vez de dar a volta no circuito, o pessoal da organização anunciou no microfone: “agora vocês verão a volta do motoboy!” Bastou isso para um monte de gente vir pedir autógrafos (risos). Muita gente já tinha ouvido falar de mim. Uns minutinhos de fama não fazem mal a ninguém…
Antes, durante o dia, fui na pista de lama onde teria a apresentação noturna dos pilotos. Fui lá fazer um reconhecimento da pista. Tinha um pessoal do Rally, de repente percebo o ANDRÉ AZEVEDO olhando a minha Ténéré! Quando eu cheguei perto, ele veio falar comigo. “É sua essa Ténéré?” Respondi que sim, então ele me disse que foi com aquela moto que fez seus primeiros Paris Dakar. Respondi que já sabia da história porque li o seu livro e era fã dele, e que ele foi uma inspiração para eu estar ali, kkkkkkkkkkkk…
O André era uma cara super simples, não era estrela não, me tratou super bem!!!

O Rally seguia, e um dos grandes problemas era se livrar das mulheres que queriam um piloto para elas. Ô problemão, kkkkkkkkkkkkkkkkkkkkk…
De Petrolina, seguimos para Garanhuns, uma etapa relativamente tranquila. A essa altura, o grande perigo é você pegar algum deslocamento no asfalto, pois o sono começa a bater pra valer. Quando se está num deslocamento de terra, sua atenção é maior e você não relaxa na pilotagem. Em 96 e 97 fiquei sabendo de pilotos que dormiram em cima da moto!
Eu já estava administrando minha classificação na categoria Motos Maratona, mais ou menos pelo 9º lugar. Se terminasse assim, pegaria um troféu. Mas não satisfeito com a posição, comecei a ver qual era o piloto que estava na minha frente na classificação para olhar bem p/ ele e saber se conseguiria ultrapassá-lo, somava quantos minutos estava atrás dele para saber o quanto teria que ser mais rápido, jogava zóio gordo nele para quebrar, hehehehe…
O episódio curioso foi que tinha uma equipe que estava recebendo apoio da tal marca de óleo sintético, a mesma que eu estava usando. Precisava de menos de meio litro desse óleo para completar o nível da minha moto. Fui até essa equipe e pedi para “comprar” um pouco desse óleo e por mais incrível que pareça, o chefe dessa equipe me negou dando uma desculpa esfarrapada.
Não acreditei, antes do Rall tive o desgosto com o representante desse óleo no Paraná, e agora aqui??? Me deu uma vontade muito grande de mandar o cara à merda!!!! O mais engraçado era que esse óleo sintético estava fazendo os discos de embreagem da Téneré patinarem. Após o conselho de um mecânico de outra equipe, resolvi colocar o velho e bom óleo mineral mesmo. E após a troca, notei que os discos de embreagem da moto voltaram ao normal…
Aí pessoal da tal marca de óleo, aquele abraço!
Onze anos depois, as coisas mudam, o pensamento também, a maneira de ver… MAS CONTINUO QUERENDO QUE VOCE AÍ QUE ME NEGOU ÓLEO VÁ PRA P………………………………..RIU!!!!!!!!

Final dramático até Natal

Foi uma etapa de apenas 380 km, mas que valeu pelo dobro devido à chuva e a um percurso muito estressante. Nunca pensei que essa etapa pudesse acabar com meus nervos, sou um cara calmo, mas ela acabou comigo. Trajeto cheio de costelas, muitas mesmo, você não conseguia relaxar 100 metros, e ainda havia chovido: lama o tempo inteiro.
Para piorar, eu não estava EMBUTIDO NA TÉNÉRÉ, não sei o que aconteceu comigo. Percorria a etapa e xingava a mãe do cara que escolheu aquele caminho. Quando desci da moto, parecia que ainda estava tremendo em cima dela! Realmente cheguei a me perguntar umas três vezes O QUE EU ESTAVA FAZENDO ALI???
Os 400km restantes para o final da prova foram um pouco dramáticos para mim, pois comecei a ter problemas mecânicos. Meu freio dianteiro estava travando, meu aparelho de navegação parou de funcionar (me deixando às cegas) e para piorar meu pedal de câmbio estava espanado, mal conseguia engatar a segunda marcha.
Ainda tinha a última especial de velocidade pela frente e não queria perder minha posição na categoria Maratona. Estava na cola do tal cara que tirou sarro da minha Ténéré. Estava atrás dele coisa de 1 minuto e 20 segundos. A questão era : teria que levar sorte na especial, não me perder e não deixar o piloto que estava atrás de mim me alcançar, e tinha que caçar o piloto da frente e ultrapassá-lo a qualquer custo ou não me chamava… Alfredo? Kkkkkkkkkkkk…
Como meu freio dianteiro estava travando, resolvi anulá-lo de vez. Agora estava sem freio, sem navegação e com a moto manca (problemas no câmbio). Larguei na especial andando de ponta cabeça no melhor estilo cachorro louco, tipo motoboy com a pizza esfriando, seguindo os rastros dos pilotos de ponta para não me perder.
Era uma especial muito boa para andar rápido e com alguns saltos, muito gostosa de se fazer. Lembro do veneninho que falei antes da largada, dando indireta para o piloto na minha frente: “AGORA EU VOU CAÇAR A LEBRE!!!”. O cara não gostou muito não… Ele sabia que a cada etapa o meu tempo em relação a ele estava diminuindo.
Teve outra que falei para o Juca Bala, um dos líderes: “É Juca, acabou a brincadeira, agora eu vou ter que te alcançar”, kkkkkkk… Os pilotos largavam de 1 em 1 minuto. Então, em um determinado momento já dentro da especial de velocidade, comecei a ver poeira (sinal de que estava alcançando outro piloto).
Foi realmente o melhor do meu Rally o momento em que colei no cidadão e só dei uma olhada pra ele. Lembro até hoje o que eu disse: “OPA…BOA TARDE!!!”, e sumi! Graças a Deus deu certo! Terminei a especial na frente de meu adversário e ainda consegui ganhar mais duas posições. De 9° estava em 7° na minha categoria!!!
Na chegada em Natal , ainda tivemos que que atravessar um braço de Mar onde as ondas chegavam perto do motor. Até choque elétrico eu levei em cima da moto. Teve uma subida nas dunas em que eu cheguei junto com um piloto português. Ele olhou para mim com a Ténéré e apenas sinalizou com a cabeça para eu nem tentar subir por ali.

Entendi aquilo como um conselho e fui pelas pedras mesmo. Levava cada choque devido a água que batia na moto… A moto do famoso Tuca Porreta travou ali, no final. Ele ficou com tanta raiva que me ofereceu a KLX dele para negócio, kkkkkk… Ele queria vender a moto ali mesmo, nas dunas!
O outro piloto que tirou uma da minha cara no inicio veio até mim e disse “parabéns cara, você toca pra caramba mesmo essa Ténéré”, e apertou minha mão!!! Problema resolvido… Mas a do óleo, nuncaaaaaaaaaa!!!
A chegada foi dentro do horário, e consegui alcançar a final mais uma vez. Juliano Sacioto venceu nas motos – e eu estava vivo!!!

Conclusão

Consegui a façanha de terminar pela segunda vez o Rally dos Sertões, sem nenhum apoio mecânico, com a mesma moto e o mesmo motor desde que a comprei. Levei exatos seus tombos apenas. Conheci o André Azevedo, vi o Jordi Arcarons do Dakar (ele me deve uma paçoquinha). Das 80 motos que largaram , consegui me classificar em 31º lugar na geral e 7º lugar na categoria Maratona. Quando você quer, consegue realizar seus sonhos…
Meus agradecimentos à Prefeitura da Cidade de Colombo, ITA Lustres, Trial Clube de Curitiba, todas as pessoas que compraram as camisetas e principalmente à minha companheira de aventura .
Na época eu sabia que merecia credibilidade por ter feito minhas aventuras e comprovado que era capaz. Tinha também um projeto para o Atacama e outro para participar novamente do Sertões, com a possibilidade de arrecadar dinheiro para essas aventuras com a venda camisetas pela net (não queria lucro, nunca pensei nisso, apenas queria levantar o capital para os projetos, seria capaz de devolver o excesso…), mas nessa época fui obrigado a ter a minha visão direcionada para outras prioridades.
Entre os emails que recebia, teve alguns que me chamaram atenção. Lembro de dois deles. Um foi de uma pessoa que disse que foi até Goiânia só para me conhecer, mas que ficou decepcionado quando perguntou para a organização sobre o motoboy e disseram que ele não estava participando.
O outro foi de um executivo que estava trabalhando na China e que me disse que eu sem grana consegui fazer o que ele com dinheiro nunca teve coragem de fazer. Ele queria o numero da minha conta para comprar 30 camisetas e me ajudar a continuar com as aventuras de moto. Eu teria que doar 10 camisetas para uma instituição de caridade e mandar o restante para sua família, lá em Natal.
Fiquei entre a cruz e a espada. Queria muito continuar com o meu off-road, mas a vida me obrigou a tomar outros rumos.
Não liguem para os erros… apenas espero ter matado a curiosidade de muitos que sonham com uma grande aventura de moto.
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Este relato foi originalmente publicado no fórum do Clube XT600 em outubro de 2008, e republicado aqui  com uma leve edição de texto.

Fonte: jalop
Disponível no(a)http://www.jalopnik.com.br/

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