15 de nov. de 2013

Como dirigir um carro antigo sem se matar, morrer de medo ou fazer cagada

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 Por - Juliano "Kowalski" Barata -
Sabemos que a maioria de vocês sonha em ter ou ao menos dirigir alguns carros como Maverick GT, Opala SS, Jaguar E-Type, De Tomaso Pantera, Porsche 356, enfim. E o destino pode te botar de frente para um destes num belo dia.
O que temos neste post é um pequeno guia sobre como não azedar esta experiência – em miúdos, orientações pra você não fazer merda com o carro dos outros. Escrevo a pedido de alguns amigos, mas sei que quando o Dart sair do forno perpétuo, também me será útil.

Se você nunca sequer esteve de carona em um antigo, a história é a seguinte: carros atuais são teclados da Apple, clássicos são máquinas de escrever mecânicas da Olivetti. Porque exigem força. A ergonomia é estranha. Há metal gelado em todas as partes. Tudo o que você for fazer exige mais julgamento prévio. E a experiência sensorial está em outro nível: visão, cheiro, tato, é tudo muito único.
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Você é um cara que sabe digitar rápido o seu status no Facebook, mas na máquina de escrever, você é um zero à esquerda. Vai errar muito, vai xingar e se sentir incapaz – afinal, as teclas estão todas ali (como os pedais e a alavanca de câmbio), mas nada do que você está acostumado a fazer parece servir para alguma coisa. Relaxe e assuma que não sabe usar a Olivetti. E seja bem vindo ao mundo de antigamente, que tinha uma curva de aprendizado muito mais longa e exigia mais do seu corpo.

1) Valetas e lombadas são vales da morte!

Essa é a regra de platina. Em seu popular ou sedã de luxo, você passa por lombadas e valetas como se elas fossem feitas de margarina. O assoalho do seu carro é alto, não tem nada pendurado por baixo, o projeto de suspensão é moderno e emprega amortecedores com carga muito mais firme do que antigamente. Fluf-fluf – tudo é absorvido como se o mundo fosse feito de algodão-doce.
Aperte o reset. Ao comando de um antigo, passe por lombadas e valetas como se estivesse carregando uma granada. O assoalho deles é muito mais baixo, frequentemente os canos de escape ficam ainda mais baixos que o assoalho, os balanços dianteiro e traseiro costumam ser mais longos e a suspensão costuma ser substancialmente mais macia.
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Tome cuidado em especial com valetas, porque não tem essa de borrachão. Se raspar, o barulho vai te fazer certeza de que você raspou metal ou fibra de vidro – e o dono vai querer raspar o seu cérebro. Se a carga de suspensão é macia, você vai precisar passar devagar para não deixar metade do carro. Se a carga é dura, vai precisar passar devagar pra não arrebentar as bandejas ou os amortecedores, porque é tudo mais delicado na suspensão – ao contrário do que mostra a aparência.
A coisa é tão delicada que dá pra raspar o assoalho de uma Ferrari da década de 1970 ou um Camaro da década de 1980 se passar por ondulações na pista sem reduzir o ritmo. Tome cuidado.
O mesmo vale para lombadas. Mesmo que seja um Mustang, passe por estes obstáculos como se estivesse em uma McLaren Mp4-12C. Nunca esqueça desta primeira regra.

2) Ergonomia

Muito antes daquela coisa de botar a mãozinha com o pulso alinhado por cima do volante pra mostrar que você sabe arrumar a posição de pilotagem, pergunte se precisa de força pra bater a porta. Por onde puxa. Sério – já vi cara tirando fora acabamento por puxar a porta por onde não devia. Não tenha vergonha, pergunte tudo.
E tudo é tudo: você sabe onde fica o freio de mão de um Dodge Charger? Se procurar entre os bancos, vai topar com um console para botar objetos. Mais um detalhe: o do americano você aciona no pé, do brasileiro, na mão. Já tentou tirar a chave do contato de um Maverick? Cuidado pra não arrebentar o miolo ou os seus dedos – ele tem uma trava que você precisa desarmar.
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Depois de descobrir onde estão os comandos básicos – faça isso antes de botar o carro em movimento, acredite em mim -, aí sim ajuste a sua posição de direção. Não se preocupe, quase sempre ela é horrível: sem apoio para o pé esquerdo, o volante grande te obriga a frear com pé de Chaplin, normalmente o aro dos volantes tem a espessura de um dedo mindinho e exigem o esforço de Conan e todos os pedais são duros, especialmente o de freio e o de embreagem. Por isso, esteja bem posicionado – se estiver mal instalado, você não vai conseguir dirigir o carro.
Mas há mais uma etapa que deve ser cumprida antes de tirá-lo do lugar.

3) Câmbio, embreagem e acelerador

Com o carro ligado, pise fundo na embreagem e comece a simular algumas trocas de marcha. Bobagem? Meu amigo, o trambulador de carros antigos é algo mais do que impreciso e vago do que assessor do governo federal. E cada carro tem a sua artimanha, quase como um ser vivo – nenhum câmbio de Maverick ou de Dodge (os antigos que mais tenho contato) que tenha experimentado é igual ao outro. Isso sem falar naqueles veículos com câmbio na coluna. Não tenha vergonha: pergunte com vontade.
Mesmo para os antigos com transmissão de quatro ou cinco marchas no assoalho, treine os engates – eles nunca são naturais. Você é que vai precisar aprender o jogo de pulso exigido. E olhe com carinho para a bolinha de câmbio: se você estiver dentro de um automóvel com sequência de engates do tipo dog leg (a primeira marcha fica no lugar da segunda e assim por diante – algo que era útil nos carros de corrida de cinco marchas e que algumas marcas trouxeram para as ruas) e não souber disso, você pode fazer uma cagada monumental.
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Jogue o câmbio em neutro e dê umas cutucadas no acelerador. Agora você já tem uma noção de como é a subida de giro do motor. Engate a primeira e comece a soltar o pedal de embreagem para descobrir o ponto onde ela pega. Sim, é normal ela ser dura desse jeito. Vibrações também não são incomuns. Beleza.
Nos primeiros cinco ou seis quilômetros, troque de marchas muito lentamente e não estique o giro do motor: está tudo frio. Se essa recomendação vale até para carros atuais, nos antigos, uma troca de marcha apressada com câmbio frio resulta em uma pequena arranhada – os anéis sincronizadores não tinham a mesma eficácia dos de hoje.

4) Freios

Tão ou mais importante que a dica das lombadas e valetas é você se acostumar com os freios. O pedal será muito, mas muito mais duro do que qualquer automóvel atual, fazendo de congestionamentos uma pequena academia em miniatura.
Fora a dureza do pedal, prepare-se: poucos são os carros antigos que freiam reto de verdade. Quase sempre há uma diferença de pressão, com múltiplas causas possíveis: alinhamento, pistões das pinças engripados, flexíveis de freio envelhecidos.
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Outro detalhe importante: muitos antigos possuem distribuição de freio um tanto quanto precária. Se você frear forte demais com um Puma GTB ou Maverick fase I 100% original, as rodas de trás tenderão a travar antes das dianteiras, o que faz a traseira dançar. Vários clássicos são assim de fábrica, sei lá por qual razão – é um perigo.
Dica final: se for testar os freios, avise antes o dono do carro. Muitos antigos só possuem cintos de dois pontos e, bem, imagino que você não queira que o dono quebre o nariz no painel.

5) Direção

Temos vários cenários possíveis – e a maioria deles não é bom. Antigos com direção hidráulica são um perigo porque sua carga não aumenta com a velocidade – fica tudo muito mole e incomunicativo. Antigos sem direção hidráulica exigirão dos músculos dos seus braços e ombros como nunca, exercício particularmente desagradável em volantes de aro fino. A exceção são veículos muito leves ou com motor traseiro ou central-traseiro.
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Fora esta questão, os sistemas de ontem apresentam folgas que apelidamos de “férias” e eram particularmente desmultiplicados. No papel, você sabe tudo. Mas no nervosismo, já tive dois amigos que quase bateram a roda do meu Dart no lado de dentro da calçada após contornar a esquina. A razão? Esqueceram de “desvirar” uma volta e meia. Nem todos são lerdos assim – os 911 antigos e a Alfa Romeo GTV que o digam -, mas esteja preparado para o pior.

6) Temperatura

Esta é outra dica de ouro, principalmente se calhar de você estar sozinho no carro antigo de um amigo. O instrumento que você mais vai ficar de olho no painel não é o medidor de combustível, não é o conta-giros, não é o velocímetro: é o termômetro. Não estamos falando da espera para poder esticar mais as rotações: a preocupação é justamente o contrário, quando você fica imóvel em um congestionamento inesperado – especialmente depois de exigir mais do motor.
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Esta, infelizmente, é uma causa que você só vai tender a abraçar depois que ferver o motor pela primeira vez. Pergunte ao dono onde é o ponto ideal e até onde é seguro ele esquentar, acompanhe tudo bem de perto e não se preocupe com as variações: controle total e absoluto da temperatura é algo que os carros só conseguiram atingir nos últimos dez ou quinze anos.

7) Mantra do paraquedista

Sempre tenha um pequeno medo escondido lá dentro. Ele é importante para que você não subestime a prática e os riscos de dirigir um carro antigo e seja sempre um cara antenado e cuidadoso. Caso contrário, quando você estiver fazendo tudo direitinho, vai destruir o queixo do automóvel naquela valeta que você sempre atropelou com o seu Corolla. Vai deixar ele ferver. Vai correr o risco de cutucar o carro da frente porque, ah, você agora está tão íntimo do antigo que pode até quase dirigi-lo como um veículo atual. Não caia nessa e tenha um pouco de cagão dentro de você. No sentido figurado.
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8) Preparado: mais cuidado ainda!

Aqui sim temos um problema mais difícil de contornar. Quando você entra num carro, liga o motor e topa com essa orquestra mecânica…


…fica difícil não ser tentado pelo coisa-ruim. Só que um carro antigo mexido pega todas as sete partes aí em cima e multiplica por dois: você vai chegar mais rápido nas valetas e lombadas, os freios nunca vão conseguir acompanhar o ganho de potência na mesma proporção, uma troca de marcha errada pode estourar o motor, o volante de transmissão aliviado faz com que o motor morra facilmente, o veneno do comando de válvulas bravo e carburador gigante faz o carro ficar todo quadrado e engasopando em giros baixos – exigindo muito mais uso da embreagem, que se for redimensionada, ficará ainda mais pesada -, e claro, automóveis fuçados apresentam amplitude de temperaturas muito maiores do que originais.
Aliás, falando nisso, outra dica de ouro: jamais abuse de um carro preparado com motor frio. Fora o desgaste maior e risco de quebra de componentes pela falta de dilatação térmica, o óleo grosso (que afina com a temperatura) pode explodir o filtro em uma acelerada se a bomba for de alto volume.
Último detalhe: quase todos os antigos são tração traseira e alguns possuem bloqueio no diferencial. Nenhum deles tem ESP e controle de tração. Cuidado pra não fazer bobagem – você pode se machucar com gravidade.
Sei que parece muita coisa para assimilar, mas tudo se encaixa em um raciocínio: carros antigos exigem mais respeito à sua mecânica e responsabilidade ao volante. Comece dirigindo bem mais devagar do que você faria em um veículo normal. É só seguir esse parágrafo e ter paciência com a curva de aprendizado – até hoje não me sinto 100% à vontade com o meu Dodge Dart. É normal.

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