9 de jul. de 2012

Top Gear conhece o DeltaWing


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Tradução: Lukinhas.killer
Sebring, Flórida. Debaixo de um amanhecer úmido, um dardo negro está riscando pelo seco e sujo circuito de corrida. Sobrenatural, bizarro – parte Batmóvel, parte brinquedo erótico da Ann Summers, parte Reliant Robin sem teto – o dado dispara até uma forte curva para a direita em um ritmo que minha mãe classificaria como “velocidade para garotos tolos”.

O que acontece a seguir é uma surpresa. O BatConsoloReliant não capota, nem lança-se como uma granada pelo gramado ou assassina seu piloto. Pelo contrário, ele traça um gracioso drift nas quatro rodas, a traseira formando um elegante arco antes de entrar na reta com uma troca de marcha. Ele faz a curva exatamente como um… carro de corrida.
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Essa notícia pode chocar os milhares de engenheiros de poltrona que, quando o Nissan Deltawing foi revelado em Londres mês passado, entraram na internet para explicar que ele não poderia e não iria funcionar. De acordo com as leis da física (subseção 1:0:1), eles disseram que o Deltawing poderia lidar com curvas como o Reliant Robin nas mãos do nosso Jeremy Clarkson. Eles disseram que ele iria tombar. Mas ele não tomba.
“Isto é totalmente contraditório,” sorri o desenhista do Deltawing, Ben Bowlby, marcando minha expressão perplexa enquanto o carro negocia outro complexo em Sebring em ritmo formidável. “Ele desafia seus conhecimentos sobre o que é um carro de corrida.” Um brilhante britânico e ex-designer da Lola e da IndyCar, Bowlby possui: a) brilhantes sobrancelhas, b) inegável gênio da engenharia e, c) implacável entusiasmo adquirido para trazer um projeto como esse de uns meros rabiscos para a realidade.
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Em 2008, cansado de ficar examinando o regulamento da Fórmula Indy para descobrir quais lacunas no regulamento poderiam render alguns milissegundos por volta, e preocupado que as corridas de carros estavam cada vez mais fora de sintonia, Bowlby começou a investigar a possibilidade de um bólido com o ritmo de um IndyCar, mas usando – ao invés de um V8 naturalmente aspirado de 600 cv – o então recente “motor mundial” da FIA, um 1.6 litro turbo de quatro cilindros e com 300 cv, agora empregado no WRC.
Bowlby rapidamente percebeu que, para desenhar um carro com metade da potência e com a mesma velocidade, ele teria que rasgar e colocar fogo no manual de Como Construir um Carro. Para equilibrar essa equação, seria preciso um carro com metade do peso de um de corrida convencional, gerando metade do arrasto. Pelo lado positivo, ele calculou que tal bólido queimaria metade do combustível e o desgaste dos pneus cairia pela metade.
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E então o Deltawing nasceu: um bólido radical que abandonou asas grandes e spoilers enormes em favor do baixo peso, baixo arrasto aerodinâmico e baixo consumo. Em 2010, Bowlby mostrou seu desenho para os chefões da Indy, que o rejeitaram, considerando-o como muito radical.
Sem desanimar, Bowlby seguiu para a ACO – os organizadores das 24 Horas de Le Mans – para convencê-los de que o Deltawing era exatamente o tipo de carro que eles deveriam permitir na maior corrida de resistência do mundo. A ACO concordou e garantiu ao Deltawing um espaço inaugural na “Garagem 56”: uma novidade em 2012 para protótipos experimentais. Tudo que faltava era achar um motor, e, no fim de 2011, a Nissan concordou em fornecer um motor 1.6  turbo de injeção direta com 300 cv derivado do Juke e do Qashqai.
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Bowlby está claramente satisfeito de ter o suporte de uma grande marca. “A Nissan foi corajosa o bastante para dizer, ‘Quer saber? Nós não vemos porque isso não iria funcionar. Nós temos um motor para você. Vamos desafiar as tradições. Vamos fazer isso…’”.
O que nos trás para Sebring, menos de três meses antes de Le Mans. O Top Gear ganhou acesso exclusivo para uma das sessões de treinamento do Deltawing e Marino Franchitti – irmão do Dario e de um dos pilotos da equipe para Le Mans – está ao volante. Bom, quase. Entre o sol escaldante da Flórida e o concreto fissurado de Sebring, muitas coisas vão estalando, quebrando ou vazando. Discos de embreagem despedaçando, vedações quebrando: é uma sessão de testes no sentido mais literal.
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“Nós estamos num estágio inicial de resolver as coisas,” diz Bowlby. “Se você pedisse para alguém desenhar um novo conceito e construí-lo a 80 dias da corrida de Le Mans, eles diriam que você está louco. Tudo está quebrando. É uma diversão brilhante.”
No metal – ou melhor, no carbono – o Deltawing parece totalmente bizarro. Por trás da cara de cobra fazendo beicinho, dois finos pneus quase se encostam de lado. Cada um tem apenas quatro centímetros de largura: os traseiros têm quase trinta centímetros. Alguém com o mínimo de conhecimento de engeharia diria que isso parece – qual é a palavra? – errado.
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Prepare-se, aí vem a ciência. Por que, eu perguntei a Bowlby, ele não tomba? “É tudo sobre o centro de gravidade,” ele explica. O Deltawing pesa apenas 475 kg, com uma distribuição de peso de 17.5% e 82.5%. “Consideramos a dianteira do carro como apenas uma roda, então todo o controle de rolagem ocorre entre os pneus traseiros, onde o peso está. Você precisa do centro de gravidade entre o maior espaço, ou você vai acabar com algo como o Reliant Robin, que é horrivelmente instável”.
A razão de o Robin tombar não é porque ele tem três rodas. É porque sua massa está mais sobre a única roda do que entre o maior espaço das traseiras. No Deltawing é ao contrário.
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Existe outro beneficio em manter todas as coisas importantes na traseira: estabilidade em linha reta. “O carro tem a estabilidade de um dado porque tem muito pouco arrasto na frente,” diz Bowlby. “O arrasto aéreo está atrás do centro de gravidade, então o veiculo é estável. Isso soa estranho, mas pense no que acontece quando você joga uma dardo ao contrário. Ele corrige a si mesmo”.
Estabilidade em linha reta é normalmente conseguida à custa de fazer curvas de maneira ágil, mas Bowlby acha que não, com o Deltawing. A razão? Esses finos pneus dianteiros. Os carros de corrida convencionais com motores centrais têm a maior parte de seu peso atrás do centro, mas seus pneus dianteiros geralmente são quase tão grandes como os traseiros. Isso significa que sob forte freadas ou em curvas com muita força G, há um excesso de aderência na frente, encorajando o carro a sair de traseira. Como as áreas de contato dos pneus do DeltaWing correspondem com a distribuição de peso, ele é equilibrado nas curvas.
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“Nós só pudemos fazer o que fizemos porque estreitamos a frente,” explica Bowlby. Os carros de corrida com tração traseira dependem da aderência de uma das suas rodas dianteiras nas curvas: o Deltawing pode usar as duas. Testes iniciais indicaram três vezes mais força G nas curvas.
Então esses pneus dianteiros anêmicos não fazem o Deltawing ter um pouco de subesterço? De modo algum. Bowlby descreve seu carro como um “veículo no limite do sobresterço”: um carro que permite belas derrapadas.
Mas distribuição de peso e pneus não explicam como o Delta, sem asas convencionais, consegue manter-se na pista. “O carro inteiro é uma asa”, explica Bowlby. “A downforce é criada debaixo do carro. Ele tem um assoalho incrivelmente eficiente que cria um duplo vortex. Ele não tem asas convencionais porque ele não precisa delas”.
Espera aí. Efeito-solo não requer uma conexão quase perfeita com a pista? Uma ondulação ou mancha inesperada de turbulência não seria como uma rampa de lançamento de caças? “Seria muito ruim, se o Deltawing tivesse qualquer tendência para virar um avião,” Bowlby diz sem expressão de eufemismo. “Mas os carros que você via decolando em Le Mans tinham assoalhos bem planos. Como o Deltawing tem uma área plana muito pequena na frente, a probabilidade do carro decolar é mínima.”
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Então, a ciência é avançada. Mas, por que, eu pergunto a Bowlby – se o Deltawing é uma solução tão elegante da engenharia – o resto do mundo persiste com o formato retangular nos carros de corridas? “É a inércia de idéias anteriores,” ele sugere. “A razão de nós fazermos coisas hoje em dia é muitas vezes baseadas em decisões que foram feitas centenas de anos atrás.”
Bowlby relata que, depois que o Deltawing foi rejeitado pela IndyCar e ridicularizado por sua aparência, ele foi convidado para uma palestra no Instituto Americano de Arquitetura. “Eles acharam interessante eu fazer um carro onde a forma seguia a função, e que todos o rejeitaram,” Bowlby relembra. “Eles disseram que é isso que acontece com todo prédio importante. Você faz um estudo de desenho, você chega com esse novo espaço e todos dizem, ‘Nós odiamos.’ Então eles descobrem que realmente funciona.”
“Os arquitetos previram que essas pessoas que foram veementes contra ficariam intrigadas, então eles verificariam, então eles se tornariam fãs. Isso é o que nós descobrimos com o Deltawing. Normalmente em arquitetura, 100 anos depois de ser construído é que esse conhecimento se torna uma referência. As coisas se movem rápido na era da internet.”
O time Deltawing terá que se mover muito rapidamente para ter o carro preparado para Le Mans. Bowlby acha que terminar a corrida será “o melhor cenário”, mas admite que a chance disso acontecer é “muito, muito pequena”. O time prevê uma volta em Le Mans em 3 minutos e 45 segundos: isso é 10% mais lento que a volta mais rápida do Audi R8, o vencedor do ano passado, e mais rápido que os protótipos LMP2 com seus V8 5.0.
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“Não estamos limitados pelo regulamento. Nós poderíamos aumentar a pressão do turbo se quiséssemos, e andar mais rápido,” Bowlby admite. “Mas isso não provaria nada. Para mostrar o quão pouco combustível e pneu nós precisaremos para fazer uma volta em 3 minutos e 45 segundos, isso realmente mostraria que é uma inovação em corridas.”
E depois de Le Mans? “Existem oportunidades extraordinárias,” diz Bowlby. “Eu espero o Deltawing mude o livro de regras. Se as corridas começarem a inovar de novo e eficiência se tornar o fator principal, nós seremos relevantes de novo,” diz Bowlby, animado. “Neste carro, nós temos um aparelho que mede o fluxo de combustível. Ao invés de controlar a quantidade de ar que o motor aspira por sua capacidade ou pela pressão da turbina ou pelo tamanho do carburador, por que não tornar o fator limitante o quanto de combustível nós queimamos por segundo? Então você limita a potência de maneira que torne a eficiência o fator-chave.”
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E o Deltawing é extraordinariamente eficiente. Ele consome menos da metade de combustível de um LMP2 ou um IndyCar, e se aproxima dos híbridos mais eficientes à venda em termos de potência por litro de combustível queimado. Útil para corridas de resistência. Útil para qualquer corrida.
“Nós estamos mostrando que as regras das corridas podem mudar de ‘restringir, restringir, faça isso ineficiente, diminua’, para ‘faça o que tem que fazer’”, diz Bowlby. “Não tente dizer que um carro de corrida tem que ser desse comprimento, dessa altura, dessa largura, você pode não pode ter nada nessa caixa ou nessa caixa. Ninguém sabe o que essas malditas regras são. Você tem que ser um advogado para elas fazerem sentido. Restrição de combustível é uma tecnologia que você poderia utilizar em um campeonato inteiro.”
Idéia legal: um campeonato onde a única regra é o máximo de combustível que você pode usar por segundo. Além disso – e algumas preocupações básicas com a segurança – valeria tudo: híbridos, turbos, KERS, até carros de seis rodas? “Exatamente!”, concorda Bowlby “Se todos começarem a ir muito rápido, dê-lhes menos combustível por segundo. Não é perfeito? Um limite no desempenho que motiva eficiência.”
“Imagine a inovação…”
Nissan DeltaWing Shows Great Pace in Le Mans Qualifying
Pena que o sonho durou pouco. O DeltaWing até que classificou-se bem.
Em 29º lugar.
18.825 segundos atrás do pole-position.
Ainda assim, para um carro que era mais promessa que fato, era algo para se comemorar e para imaginar uma corrida, no mínimo, decente. E o Delta conseguia manter-se na pista muito bem, cravando tempos que rivalizavam com alguns protótipos LMP2. Infelizmente, no caminho tinha uma Toyota TS030 Hybrid, guiado por Kazuki Nakajima. E uma parede de concreto.
Obviamente, foi o que hoje é chamado de “acidente de corrida”, mas não dava para evitar sentir um aperto no coração e uma vontade quase patológica de empurrar Nakajima de cima de um prédio bem alto.
No entanto, apesar do Bowlby e o time DeltaWing não puderem ver seu revolucionário DeltaWing terminar a corrida, o carro pôde mostrar, nas 75 voltas que conseguiu completar, que seu conceito não era apenas revolucionário – para não dizer insano – mas viável. E isso, no fim das contas, é o que mais importa.

Fonte: Top Gear BR
Disponível no(a): http://topgearbr.wordpress.com/
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