14 de ago. de 2011

Paixão automotiva de pai pra filho

Mais do que os carros, filhos herdam dos pais o amor pelo automóvel

Bell Gama
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Guilherme Murad ao lado do pai, Alexandre Murad: "O melhor jeito de ficar próximo dele era através dos carros"
“Quando eu era grande, dirigia esse carro” – A frase com um tempo verbal inexplicável foi proferida por mim, aos seis anos, no colo do meu pai, enquanto segurava a direção de uma Parati 1986 branca. Eu amava aquele carro. Meu pai, nem tanto. Ele era mais de Opalas e Monzas.
Eu me apaixonei pela “Paratosca” quando fizemos uma viagem de Ribeirão Preto a Cabo Frio que, segundo o Google, estão a 813 km de distância num trajeto que dura quase 11h de carro. Meu pai comprou um rack, colocou as malas no teto e as filhas em uma cama improvisada no porta-malas, com os bancos rebatidos. Foi um trabalho de uma manhã inteira. Óbvio, fomos uma única vez ao litoral fluminense.
Essa minha história é similar a de tantas outras pessoas. Uma boa forma de mostrar que a paixão pelos carros muitas vezes começa assim: no colo do pai. Naquela época, pelo menos para nós, não era costume trocar de carro todos os anos. Comprar carro zero quilômetro era motivo de semanas de festa e meses andando com o plástico nos bancos. Então, os carros se tornavam mais um membro da família. Muitos carros passaram das mãos dos pais para os filhos. Hoje, muitos filhos guardam seus carros como uma lembrança viva dos bons tempos da infância.
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Guilherme mantém até hoje a Vespa que ganhou do pai aos 16 anos
Com o engenheiro Guilherme Atiê Murad, foi assim. Aos 9 anos ele aprendeu a dirigir em um Fordinho 1929 na coleção de seu pai, Alexandre Murad. “Meu pai conta que aos seis anos eu ajoelhei no chão e implorei para que ele comprasse um Chevrolet 1931. O carro nunca tinha sido restaurado e até 1991 pertencia a uma única família. Era uma raridade”, lembra. O pai de Guilherme cedeu ao pedido do filho e até hoje o veículo figura na garagem dos Murad e só sai para encontros familiares, em momentos muito especiais.
A primeira lembrança do Guilherme em um automóvel é aos 4 anos, quando ele e a família sofreram um acidente leve a bordo de um Karmann Ghia 1970, o primeiro carro antigo. “Minha infância foi toda assim. O melhor jeito de ficar próximo do meu pai era através dos carros”, conta Guilherme, que quer repetir a mesma história com seus filhos. Aos 16 anos, ele ganhou uma Vespa do pai e até hoje a conserva com muito carinho. “Quero muito um dia presentear meus filhos com a Vespa também”.
Garotos como Guilherme fortaleceram a paixão pelos carros através da convivência com eles. Na ansiedade de conquistar alguns minutos de liberdade ao volante, tornavam-se os lavadores oficiais do carro da família. Se passassem o sábado entre a bucha, o sabão, e a mangueira (na época a preocupação com a água não era tão grande como hoje), eles podiam dar uma volta no quarteirão. “É para secar melhor a lataria”, alguns justificavam. E assim apaixonavam-se pelo carro do pai. Começavam a dar pitacos, fazer mudanças e propor novidades. Aos poucos, o carro já era mais deles do que do paizão.
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Murilo Pandolphi ainda criança no De Soto 1929, e ao lado do pai na viagem de 600 km com o carro restaurado
Restauração familiar
O pai do emplacador Murilo Pandolphi Brólio é o sócio número 3 do Clube de Carro Antigo de Jundiaí. Como um dos fundadores, carregou o filho por todos os eventos de antigomobilismo. O primeiro carro da coleção da família pode ser considerado o Opala Deluxo 1973 amarelo. Entrou zero quilômetro na família e ficou com o avô até 1978. Nesse período, o veículo foi o companheiro fiel de momentos importantes. Quando Murilo nasceu, em 1986, foi o Opalão quem o levou da maternidade para casa.
Além do Opala, eles ainda guardam cuidadosamente na garagem um outro modelo Deluxo 1978, que também fez parte da rotina familiar. Mas é pelo terceiro carro, o único que foi restaurado (já que os outros dois permanecem em perfeito estado) que Murilo tem mais carinho. Trata-se de um De Soto 1929, Model Six Sedan del Lujo.
Em 1991, o pai de Murilo comprou o De Soto em péssimo estado com o objetivo de restaurar. Diante de várias dificuldades, abandonou o projeto. Quase vinte anos depois, o filho decidiu que não era justo deixar o carro apodrecer na garagem e teve uma ideia maluca: convidou o pai para irem juntos ao tradicional encontro de Santa Fé do Sul (a 600 km da cidade onde moram, Jundiaí) a bordo do De Soto. A ideia era tão descabida que o pai aceitou. Então, Murilo colocou a mão na massa. Convocou os amigos e transformou sua garagem em um parque de diversões. Enquanto trabalhava com o objetivo de restaurar o carro para o evento, enfrentaram outras tantas adversidades, entre as quais um câncer que acometeu o pai.
“Lembro quando dei a partida e vi que o motor estava funcionando. Mas precisava trocar pneu, não tinha freio, não tinha nada de tapeçaria. Arrumei o carro como pude e lembro que, quando saímos para a viagem, na primeira curva acabou o freio e tivemos de voltar. Quando arrumamos o defeito, começou a chover e havia uma goteira no carro. Não tinha marcador de combustível e nos últimos 100 quilômetros fizemos em marcha lenta, porque o câmbio quebrou. Foi uma aventura”, revive Murilo.
Quando chegaram em Santa Fé do Sul, os demais colecionadores não acreditavam que pai e filho tinham rodado tanto a bordo daquele calhambeque. A emoção foi tamanha que eles foram chamados ao palco e ovacionados pelos amigos. E foi neste lugar que Murilo ganhou o maior presente da sua vida: “Meu pai falou dos nossos problemas e disse que se ele estava vivo e com saúde era por conta de mim. Ele disse que eu dei forças para ele superar a doença com a história da restauração do carro e por isso, disse que o De Soto era meu.”
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Os Hertz tem até banco personalizado com nomes no Honda Civic 94 EXS de 280 cv
Unidos pelo tuning
E quem disse que o pai também não pode entrar na onda do filho? Nos bancos do Honda Civic 94 EXS com 280 cv de potencia figuram dois nomes idênticos nos bancos customizados: Hertz e Hertz. Nada mais justo do que o dentista de 22 anos Hertz Tostes Costa deixar o lugar de co-piloto para seu pai Hertz Antonio Costa Junior, de 50 anos.
Depois de assistir mais de 30 vezes o filme “Velozes e Furiosos” e implorar para ter um carro parecido, coube ao pai ir em busca do sonho do garoto. “Achei o Honda 94 em São Paulo e levei o meu filho de surpresa para a garagem. Quando fui comprar, o dono disse que estava me vendendo porque sabia que por ser mais velho eu não modificaria o carro”, mas ele nem precisa se preocupar com isso, já que o antigo proprietário nunca reconheceria o modelo de tão extreme que está.
Comprar o carro para o filho foi só o início de um período em que o companheirismo entre os dois cresceu ainda mais. “A minha relação com meu pai sempre foi muito aberta, mas durante o processo de customização do carro ficamos mais tempo juntos. Afinal, eram horas intermináveis no funileiro”, afirma o filho. Diferente do que muita gente pensa, Hertz não teve dúvidas ao presentear o filho com um tuning e compartilhar seu sonho. “Meu filho é meu companheiro, é meu amigo. Nossa relação vai além de pai e filho. Além disso, ele entrou com 17 anos na faculdade. Tenho um orgulho imenso dele,” diz o pai coruja que já tem uma nova encomenda: Natália Tostes Costa, de apenas 13 anos, gostou da ideia do irmão e já pediu o seu tuning, que deverá ser totalmente rosa. “Vamos começar quando ela tiver 15 anos. Ao completar 18 anos, o carro estará pronto. E serei mais um “paitrocinador”, afirma Hertz, provando que o amor de pai não acaba nunca e como diz aquela antiga propaganda, não basta ser pai, tem que participar.

Fonte: revistaautoesporte
Disponível no(a):http://revistaautoesporte.globo.com/

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