14 de ago. de 2011

Ferrari FF passa pelo teste de fogo (e de neve)

Primeiro esportivo de quatro lugares e tração 4x4 da italiana é tão inovador quanto tenta ser?

Frank Markus, Motor Trend/New York Syndicate
 The New York Times Syndicate
Ferrari FF chega para substituir 612 Scaglietti
Santo Deus! O time que mais vezes venceu a Fórmula 1, famoso por traduzir tecnologias de corrida para seus carros de passeio, extrapolou os limites e construiu uma perua de tração integral com uma suspensão que consegue subir e descer como a de um Range Rover. É pra valer? Os maias tinham razão – o mundo vai acabar em 2012!

Mensagens histéricas no Twitter como essas acompanharam a apresentação do substituto da Ferrari para a 612 Scaglietti, radicalmente redesenhada para atrair mais ricos golfistas e esquiadores. O resumo do projeto: fazer o carro acomodar quatro adultos de verdade mais duas bolsas de golfe ou quatro malas de mão para uma escapada de fim de semana sem exceder o tamanho da 612 ao mesmo tempo em que o permita A) chegar a estações de esqui em segurança no inverno e B) ter o desempenho de uma Ferrari no asfalto seco.
 The New York Times Syndicate
FF tem quatro lugares e tração integral, um marco para a italiana
Essa encomenda forçou o estúdio Pininfarina a usar uma linha do teto tipo shooting brake, uma perua de traseira achatada. Elevar o teto em 3,5 cm e esticar o entre-eixos em 4 cm abre espaço para quatro passageiros de 1,80 m e 450 litros de bagagem. As metas de desempenho fizeram os engenheiros se debruçarem sobre as pranchetas. Uma meta pedia tração integral e pneus de neve. A  outra meta pedia uma distribuição de peso mais à traseira. Juntas, elas inviabilizam qualquer sistema conhecido de tração integral desde o Jensen FF, incluindo a abordagem da Nissan de usar uma mistura de eixos cardã e eixo transversal.
A solução da Ferrari? Acionar as rodas dianteiras a partir da parte da frente do motor com um minúsculo eixo transversal com duas marchas à frente mais a ré e uma embreagem úmida de discos múltiplos para conectar cada roda dianteira conforme necessário. É claro que você está pensando, “Nem a pau!”. Como podem duas relações dianteiras trabalharem com um eixo transversal traseiro que agora é baseado no câmbio de sete velocidades da 458? É fácil. Primeiro, você percebe que a tração integral não é necessária acima dos 215 km/h e deixa a frente em ponto morto nas três marchas mais altas. Então você escalona as relações dianteiras 6% mais altas do que as segunda e quarta marchas na traseira e deixa as embreagens deslizarem para fazer todo mundo se dar bem. O bônus: vetoração de torque.
A diferença nas relações significa que a roda externa pode girar mais rápido para auxiliar na entrada de curvas, combatendo a saída de frente que infesta muitos carros de tração integral. A divisão de torque atinge o pico em 20/80 na frente e atrás, respectivamente, e o sistema de 40,5 kg pesa a metade de sistemas concorrentes. Uma transmissão mais leve com embreagem dupla e uma estrutura otimizada em alumínio compensam o peso da tração integral, então a FF se equipara aos 1.912 kg da 612, distribuídos em 47% na frente e 53% atrás.
 The New York Times Syndicate
Sistema integral 4RM promete tração precisa para cada roda em qualquer tipo de terreno
O sistema 4RM (ruote motrici – tração integral em italiano) da Ferrari continuamente monitora inúmeros sensores para prever a aderência em cada roda, aplicando torque no eixo dianteiro quando necessário antes que a traseira se desgarre. Os engenheiros da Ferrari juram sobre seu histórico na F1 que o 4RM funciona apenas em pistas escorregadias, em nada contribuindo para tempos de volta em uma pista seca e aderente como Fiorano. Mas espere tomarem alguns Proseccos e eles relutantemente admitirão que o sistema elimina um décimo ou outro do tempo de arrancadas. Essas objeções soam como uma cutucada na rival Lamborghini, que se baseia consideravelmente na tração integral para obter seu desempenho. Acredite, os pneus dianteiros tracionam o máximo que conseguem quando se está saindo do grampo na curva nove de Fiorano.
Um novo motor V12 baseado na arquitetura da 599/Enzo ganha injeção direta, um aumento na compressão para 12,3:1, um aumento de 2 mm no diâmetro interno dos cilindros (para 6.262 cm³), cabeçotes seis-em-um e incontáveis refinamentos como detectores de íons na saída dos cilindros. O resultado: a potência salta em 120 cv para 660 a 8.000 rpm com o torque subindo 9,7 kgfm para 69,7 a 6.000 rpm – são 10 cavalos a menos, mas 6,5 kgfm a mais, do que a poderosa 599 GTO produz.

 The New York Times Syndicate
Segundo Ferrari, FF vai de 0 a 100 km/h em apenas 3,7 segundos
Para ajudar a deixar claro que esse é o ultramegahipercarro para um fim de semana esquiando, a Ferrari levou de helicóptero um par de FFs calçadas com pneus de neve Pirelli Sottozero até o alto do pico Kronplatz nas montanhas Dolomitas no norte da Itália para nós dirigirmos em um percurso de neve sinuoso, apertado e íngreme. Sem surpresa, o carro facilmente abriu caminho pelo trajeto coberto de gelo. Cada um dos cinco modos de dinâmica dos chassis no manettino – gelo, molhado, conforto, esporte e controle de estabilidade desligado – permitiam mais driftings selvagens, e o carro arrancava facilmente a partir do repouso absoluto em uma rampa particularmente escorregadia. Primeira missão: cumprida.
No dia seguinte, nós provamos uma FF diferente com pneus de verão Michelin Pilot Super Sport, aterrorizando as espetaculares curvas fechadas e curvas em S que conectam as muitas pequenas estações de esqui da região do Tirol do Sul a fim de avaliar o progresso da Ferrari na segunda meta. Primeiras impressões: A aceleração é tão brutal quanto na 599 (a fábrica afirma que de 0 a 100 km/h são 3,7 segundos a caminho de uma velocidade máxima de 334 km/h); a caixa de marchas da F1 com embreagem dupla é impecável quando se dirige com raiva, fazendo trocas instantâneas pelas borboletas e demonstrando uma intuição impressionante na seleção de marchas quando se dirige nos modos esportivo ou automático. Ela resiste a reduzir em velocidades de cruzeiro para a marcha que produzirá a maior aceleração para ultrapassagens no modo automático, mas há tempo para consertar isso antes do início da produção em outubro.
 The New York Times Syndicate
 
Um mostrador digital que indica o torque na frente e atrás confirmou como o 4RM trabalha forte no piso seco. É duvidoso se a 458 Italia ou a 599 GTO conseguiriam disparar na saída das curvas mais fechadas tão rápido quanto a FF – especialmente se as curvas estivessem salpicadas com um pouco de areia ou pedriscos. Amortecedores magnetorreológicos de terceira geração com respostas mais rápidas praticamente eliminam a torção da carroceria ao mesmo tempo em que absorvem valetas e saliências como um Bentley. Freios CCM de terceira geração enormes como em um desenho animado (398 x 38 mm na frente, 360 x 33 mm atrás) são acionados mais suavemente, parecem mais imunes à fadiga e deveriam durar por toda a vida do carro se nunca usados em corridas, diz a Ferrari. Em um ponto de frenagem forte em um longo declive, porém, o pedal retornou próximo ao fim da reta, o que os engenheiros supuseram ser devido à intervenção do sistema de Diferencial de Freio Eletrônico (o ABS ainda não estava ativo). Foi estranho, mas não desconcertante.
 The New York Times Syndicate
Objetivo principal da Ferrari foi criar espaço para quatro ocupantes adultos, sem perder esportividade
Após consumir rapidamente a maior parte dos 91 litros da cara gasolina Premium europeia, estou convencido que a FF é a perua de tração integral para quatro passageiros com o desempenho mais extremo da história. Eu venderia minha casa e meus órgãos internos não-essenciais para possuir uma? Não. Eu talvez torrasse um rim ou pulmão extra em uma 458 Italia ou 599 GTO, mas esse carro pode ter sido demasiadamente domesticado. Ele parece um pouco uma Ferrari para iniciantes em alguns aspectos – excessivamente automatizada e à prova de idiotas para se adequar aos novos donos de Ferraris insanamente ricos nos crescentes mercados asiáticos. O ronco de seu motor V12 toca a alma acima de 6000 rpm, mas soa um pouco utilitarista em rotações mais baixas, como uma van dos Correios ou um Viper. A direção parece leve demais e não comunica metade dos detalhes da superfície da estrada em comparação a uma 458 ou um Porsche 911.
E o nome FF (de Ferrari Four, ou Ferrari quatro) fracassa retumbantemente ao tentar invocar a bravura italiana que outros nomes recentes da Ferrari conseguem (diga “seicento dodici Scaglietti” e “efe-efe” e veja qual inspira o sotaque e gesticulação de Raul Julia). Em vez disso, ele traz à mente um frágil e falho pioneiro britânico da tração integral que naufragou no mercado. E o desenho de dois volumes da Pininfarina não faz meus joelhos tremerem com sua beleza.
 The New York Times Syndicate
Volante traz controles do tipo de terreno e modos de condução, na tradição dos carros de F1
Ainda assim, na minha humilde opinião, a Ferrari operou um milagre de engenharia e eu sinceramente espero que esse sistema patenteado encontre muito mais aplicações esportivas.
Fonte: /revistaautoesporte
Disponível no(a):http://revistaautoesporte.globo.com

Nenhum comentário: