14 de jun. de 2011

Não estou sozinho no hospício!



Muscle cars não fazem curva, dizem por aí. Eu concordo, digo por aqui. Quando me perguntam se, no século que o meu projeto Dart Games ficar pronto, o carro terá o handling de um BMW, eu dou risada. Porque eventualmente, no skidpad ele pode até gerar força G similar – muito mais por causa dos pneus de competição – mas a dinâmica, as transições entre frenagem, entrada de curva, ponto de tangência, passo de curva e saída, continuarão toscas. Isso sem falar no comportamento em piso ruim. “Pode até virar uma carroça rápida, mas nunca vai deixar de ser uma carroça”, eu costumo dizer.

E logo um Dodge ainda? Afe maria, minha Nossa Senhora (é minha, nossa ou sua?), Jesus Cristo. O pior carro da história de toda a Via Láctea. Mas eu sou teimoso. E não estou sozinho.



Um clichê vale por mil bobagens, então é melhor começar logo com o francês Laurent Arnaud, e seu Dodge Dart 1974; que compete na categoria local de carros históricos, da FIA. No vídeo, filmado no épico circuito de Montlhéry, temos o carro dele brigando com alguns carros de competição e de rua modificados pouco interessantes… como Porsches 911, Alfa GTV, Plymouth Cuda (!), Shelby Cobra, Lotus Elite, Sprit e Seven e Chevy Corvette.

Mas o cenário nem sempre tão glorioso. Até pegar a mão e afinar o acerto do carro, Arnaud penou bastante nas mãos do Dodge, não raramente perdendo o controle dele – principalmente nas saídas de curva. Pudera: o motor emprega um bloco de 340, virabrequim de deslocamento reduzido, comando de válvulas de competição da Hughes (com .614 de levante), coletor de admissão Edelbrock Victor Jr e carburador Double Pumper de 830 cfm; além do acumulador de óleo (ahá!) que vocês viram outro dia por aqui. Potência estimada de 400cv, transmitida a um jogo de Yokohamas 255/35 ZR18, e freada por um sistema da Wilwood com pinças de quatro pistões, na frente e atrás…
Agora, o que pode ser mais irônico que um francês transformar um carro americano em um vitorioso?

Esse cara é o meu herói. Ron Grable, engenheiro, piloto e um cara muito corajoso, ao decidir continuar competindo com um Dodge Dart na categoria Baby Grand da Trans Am, mesmo quando a Chrysler abandonou o seu suporte para se dedicar integralmente às mais comercialmente bem-sucedidas NASCAR e arrancada da NHRA.
Com experiência no automobilismo (ele já havia competido com Porsches no início da década de 60), Grable fazia o acerto, pilotava e pagava as contas de sua aventura automobilística a bordo do seu Dart 1967 com grade do 68 – e deixou Camaros, Pontiacs e Mustangs com apoio da fábrica para trás em algumas corridas. Antes do final da temporada, decidiu se dedicar totalmente ao seu projeto de Fórmula A (categoria de monopostos norte-americana), fazendo de sua empreitada Mopariana um universo de possibilidades nunca realizadas. Quem sabe o que teria acontecido se a Chrysler não tivesse abandonado a categoria?

Taí o meninão! Não é uma réplica, é literalmente o carro de Ron Grable; atualmente nas mãos de Gary Underwood – piloto amador, muito bem intencionado, mas sem um décimo das qualificações de Grable como engenheiro ou piloto. Ao contrário do que acontecia lá por 1968, hoje o Dart pangareia no meio do pelotão, no campeonato da chamada Vintage Trans Am. Mas pelo menos está por aí, vivo e forte.

E quem disse que não tínhamos um representante brasileiro? É claro que havia. Um carro que incinerou o filme dos Dodges nos circuitos brasileiros, um Belo Antônio que prometia muito e não fazia um cazzo no campeonato setentista da chamada Divisão 3; destinada a carros de modificação pesada. Seu dono, Leopoldo Abi Eçab, apesar de muito bem intencionado; acabou com a dinâmica já desfavorecida do Dodge ao alargar a bitola traseira desta forma. Para quem não sabe, o Dodge (e quase todos os carros de motor dianteiro e tração traseira) possui a bitola traseira mais estreita, característica que reduz as escapadas de frente ao aumentar a transferência de peso lateral na traseira.

E lá foi Eçab, alargar a traseira como um Fórmula 1 (que só é daquele jeito porque o motor fica atrás) – erro igualmente cometido pelo lendário preparador Orestes Berta ao projetar o Maverick Hollywood, que foi um dos carros mais rápidos da época – mais por causa de seus pneus e do motor, um verdadeiro míssil com cabeçotes e carburadores de Ford GT40. A meu favor, tenho a confirmação de Luiz Pereira Bueno (que Deus o tenha), que o pilotou em 1974: o Berta saía de frente mais que um Maverick de competição comum. Bem, mas não vamos sair do assunto.

Estão certos os céticos, na verdade. Assumir um projeto que envolva a linha Dodge Dart e autódromo na mesma sentença, exige loucura e paciência. Nada ajuda: o peso (por volta de 1500 kg), a distribuição de peso (por volta de 60% sobre o eixo dianteiro), o balanço traseiro (aquele monte de massa morta pendurada para trás do eixo traseiro, como vocês podem ver na foto acima), o sistema de lubrificação deficiente (que matou os Dodges nas categorias de turismo brasileiras),  a proporção entre bitolas e entre-eixos (ele é estreito para o seu comprimento), a falta de rigidez à torção (esta pode ser sanada, vale até um post sobre isso), a dificuldade épica de se calibrar a suspensão dianteira em carga e geometria, o preço das peças…
Mas e daí? O mundo anda tão competitivo que fica difícil para muitos entenderem que nem tudo precisa fazer sentido. Ao meu lado, tem mais estes loucos abaixo, espalhados pelo mundo – surpreendendo os mais incautos de vez em quando…




Fonte: jalopnik.com.br
Disponível no(a):http://www.jalopnik.com.br

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