Em entrevista ao Tazio, piloto revela aflições da "maior provação" de sua vida
Vanessa Ruiz, de São Paulo
Aconteceu no dia 3 de abril deste ano. Pedro Boesel tem certeza que escapou da morte: “Eu sei que tive um livramento”. Pode soar dramático para alguns, mas só é assim para os que não viram a cena da sequência de batidas que culminou na morte de Gustavo Sondermann durante a última etapa da Copa Montana em Interlagos, São Paulo.
Pedro Boesel escapou. Se não ileso, muito menos afetado do que poderia. A ponto de, um mês e 12 dias depois, ele ter entrado no carro para disputar a corrida seguinte da categoria. O piloto sofreu fraturas na clavícula, no cóccix e tornozelo, e ficou internado durante a semana seguinte à do acidente.
Quando conversou com a reportagem do Tazio poucos dias após o acontecido, Pedro Boesel disse que ainda avaliaria a possibilidade de voltar a correr. Disse que precisava entrar no carro para ver como se sentiria.
A decisão de tentar o retorno foi tomada na terça-feira que antecedeu a prova no Velopark, realizada no último final de semana: “Vinha fazendo um trabalho bem forte de fisioterapia, não tinha alternativa. Eram duas sessões por dia, duas horas de manhã e uma hora à noite”, conta Boesel, que perdeu a destreza no braço direito e 5kg de músculos. “Eu não tinha força nenhuma no braço”, relembra.
Segundo o piloto, não havia sido estabelecido um prazo para que ele se recuperasse: “Fui ao médico na segunda-feira da semana passada, tiramos radiografia e vimos que os ossos estavam 100% calcificados”. Liberado pelo ortopedista, faltava o aval da fisioterapeuta, que chegou no dia seguinte: “Simulamos virar o volante com peso, fizemos mais alguns testes e ela me liberou”.
Depois disso, Pedro e a família decidiram que valia a pena tentar por conta de uma disposição do regulamento da Montana. Na categoria, os pilotos descartam seus dois piores resultados do ano. Não participando da etapa do Velopark, Pedro teria uma opção a menos de descarte. “Decidimos ir para a corrida sem muita expectativa do que ia acontecer”, conta. No final, um resultado além do esperado: largou em 18º, terminou em 11º lugar e conquistou cinco pontos no campeonato.
Leia os principais trechos da entrevista concedida por Pedro Boesel ao Tazio , na qual o piloto conta em detalhes as aflições e as vitórias do final de semana.
Primeiro contato com o carro
Resolvi que, se fosse preciso, faria igual ao Xandinho Negrão quando ele estava com 20 dias de cirurgia. Ele largou em último, deu meia volta e foi isso aí. Fiz o primeiro treino, mas meu motor quebrou com três voltas. É lógico que passa aquele filme na cabeça, não tem jeito. Quanto às dores, eu só percebi o incômodo no cóccix a partir do segundo treino. Ainda mais no Velopark, circuito em que temos que pegar muita zebra. Doía demais. Esse osso ainda está quebrado, pode ser que leve até seis meses para calcificar. Tenho que conviver com a dor. Mas fomos na raça, eu colocava gelo antes e depois de entrar no carro e tomava os remédios indicados. Fora que o carro da batida foi para o lixo, foi perda total. Passei um tempo me adaptando ao carro novo.
Ansiedade
Foi horrível. Começou já na terça-feira, quando olhei a previsão do tempo pela primeira vez. Dizia que não ia chover. Com o passar dos dias, a previsão foi mudando até que, no sábado, já era praticamente certo que choveria durante a corrida. Isso gerou uma tensão absurda. O domingo amanheceu com pista molhada, mas às 10h abriu um solzão, céu azul. Eu pensei: “Graças a Deus, poxa, não vai chover, obrigado”.
Momentos antes da corrida
Antes da largada da V8 [categoria principal da Stock Car], vi o vento vindo, o céu escurecendo. Na largada deles, já estava tudo meio escuro. Foi horrível, exatamente igual a Interlagos. Só a V8 correndo no seco. Começou a chover momentos antes de a gente alinhar no grid. Foi uma correria porque ninguém esperava isso. Aquela correria para trocar pneu, ver o que dava para fazer para o vidro não embaçar. Você fica muito receoso.
No grid de largada
Meu pai e o Lu [Boesel, irmão de Pedro] ficaram ali comigo. Se ali na hora eu decidisse que não dava, o Lu entraria no meu lugar. Estava todo mundo com aquela cara... A cara do meu pai, não tinha como confundir! Falei com eles, disse “vamos lá” e que, se o vidro embaçasse muito, eu andaria devagarzinho até voltar para os boxes e pronto, pararia por ali. Porque o problema não é guiar na chuva, é não enxergar. Estava um pouco menos pior que Interlagos.
Largada e primeiras voltas
Vem um filme na cabeça, não tem jeito. Como as circunstâncias eram iguais, você fica com medo, fica inseguro. Na primeira metade, eu vinha muito aquém do limite, não acelerava muito nem na reta com medo de encontrar alguém. Mais para o fim, fui ficando à vontade e até fiz umas ultrapassagens.
Dor, superação e alívio
Durante a corrida, nas entradas do safety car, o cóccix doía muito. Eu tentava levantar o tronco para dar uma aliviada. Mas quando o safety car saía, aí eu conseguia esquecer tudo novamente. Independentemente da coisa da dor, foi o momento de maior superação da minha vida. Depois de quase ter morrido, de ter visto um amigo vindo a falecer nesse acidente e, agora, eu estando no mesmo carro, nas mesmas condições... Mexeu demais comigo. Assim que cruzei a linha de chegada, tirei o mundo das minhas costas. Foi muito emocionante para mim, o pessoal da equipe veio comemorar no rádio. Antes disso, já tinha umas dez, doze pessoas da equipe penduradas no alambrado, acenando para mim. Saí do carro e, indo até os boxes, foi ainda mais emocionante. Botei para fora [Pedro chorou], todo mundo bateu palmas, me abraçou. A emoção era por tudo ter dado certo.
Origem da força e depoimento no briefing
O que mais me motivou nisso tudo foi querer dar sequência ao que eu mais amo fazer na vida. Disse para mim mesmo: “Vamos vencer esse medo porque é o que eu mais gosto de fazer e tenho que voltar a fazer com alegria, sem medo, sem remorso. Tenho que vencer essa barreira para voltar a fazer bem o que eu gosto de fazer”. Eu jamais deixei de amar o automobilismo, mas fiquei com medo. Puxei essa força lá de dentro. No briefing dos pilotos, fiz um testemunho para todos. Eles me escutaram, muitos se emocionaram. Falei sobre tudo isso que aconteceu em São Paulo, falei que corrida é uma competição e não uma guerra. Essa prova do Velopark teve muitas escapadas, rodadas como sempre tem, mas eu senti que os pilotos foram muito mais conscientes. Um dos motivos que permitem querer dar continuidade é a fé que eu tenho, estou muito fortalecido internamente, sei que tive um livramento e que estou protegido.
Pedro Boesel escapou. Se não ileso, muito menos afetado do que poderia. A ponto de, um mês e 12 dias depois, ele ter entrado no carro para disputar a corrida seguinte da categoria. O piloto sofreu fraturas na clavícula, no cóccix e tornozelo, e ficou internado durante a semana seguinte à do acidente.
Quando conversou com a reportagem do Tazio poucos dias após o acontecido, Pedro Boesel disse que ainda avaliaria a possibilidade de voltar a correr. Disse que precisava entrar no carro para ver como se sentiria.
A decisão de tentar o retorno foi tomada na terça-feira que antecedeu a prova no Velopark, realizada no último final de semana: “Vinha fazendo um trabalho bem forte de fisioterapia, não tinha alternativa. Eram duas sessões por dia, duas horas de manhã e uma hora à noite”, conta Boesel, que perdeu a destreza no braço direito e 5kg de músculos. “Eu não tinha força nenhuma no braço”, relembra.
Segundo o piloto, não havia sido estabelecido um prazo para que ele se recuperasse: “Fui ao médico na segunda-feira da semana passada, tiramos radiografia e vimos que os ossos estavam 100% calcificados”. Liberado pelo ortopedista, faltava o aval da fisioterapeuta, que chegou no dia seguinte: “Simulamos virar o volante com peso, fizemos mais alguns testes e ela me liberou”.
Depois disso, Pedro e a família decidiram que valia a pena tentar por conta de uma disposição do regulamento da Montana. Na categoria, os pilotos descartam seus dois piores resultados do ano. Não participando da etapa do Velopark, Pedro teria uma opção a menos de descarte. “Decidimos ir para a corrida sem muita expectativa do que ia acontecer”, conta. No final, um resultado além do esperado: largou em 18º, terminou em 11º lugar e conquistou cinco pontos no campeonato.
Leia os principais trechos da entrevista concedida por Pedro Boesel ao Tazio , na qual o piloto conta em detalhes as aflições e as vitórias do final de semana.
Primeiro contato com o carro
Resolvi que, se fosse preciso, faria igual ao Xandinho Negrão quando ele estava com 20 dias de cirurgia. Ele largou em último, deu meia volta e foi isso aí. Fiz o primeiro treino, mas meu motor quebrou com três voltas. É lógico que passa aquele filme na cabeça, não tem jeito. Quanto às dores, eu só percebi o incômodo no cóccix a partir do segundo treino. Ainda mais no Velopark, circuito em que temos que pegar muita zebra. Doía demais. Esse osso ainda está quebrado, pode ser que leve até seis meses para calcificar. Tenho que conviver com a dor. Mas fomos na raça, eu colocava gelo antes e depois de entrar no carro e tomava os remédios indicados. Fora que o carro da batida foi para o lixo, foi perda total. Passei um tempo me adaptando ao carro novo.
Ansiedade
Foi horrível. Começou já na terça-feira, quando olhei a previsão do tempo pela primeira vez. Dizia que não ia chover. Com o passar dos dias, a previsão foi mudando até que, no sábado, já era praticamente certo que choveria durante a corrida. Isso gerou uma tensão absurda. O domingo amanheceu com pista molhada, mas às 10h abriu um solzão, céu azul. Eu pensei: “Graças a Deus, poxa, não vai chover, obrigado”.
Momentos antes da corrida
Antes da largada da V8 [categoria principal da Stock Car], vi o vento vindo, o céu escurecendo. Na largada deles, já estava tudo meio escuro. Foi horrível, exatamente igual a Interlagos. Só a V8 correndo no seco. Começou a chover momentos antes de a gente alinhar no grid. Foi uma correria porque ninguém esperava isso. Aquela correria para trocar pneu, ver o que dava para fazer para o vidro não embaçar. Você fica muito receoso.
No grid de largada
Meu pai e o Lu [Boesel, irmão de Pedro] ficaram ali comigo. Se ali na hora eu decidisse que não dava, o Lu entraria no meu lugar. Estava todo mundo com aquela cara... A cara do meu pai, não tinha como confundir! Falei com eles, disse “vamos lá” e que, se o vidro embaçasse muito, eu andaria devagarzinho até voltar para os boxes e pronto, pararia por ali. Porque o problema não é guiar na chuva, é não enxergar. Estava um pouco menos pior que Interlagos.
Largada e primeiras voltas
Vem um filme na cabeça, não tem jeito. Como as circunstâncias eram iguais, você fica com medo, fica inseguro. Na primeira metade, eu vinha muito aquém do limite, não acelerava muito nem na reta com medo de encontrar alguém. Mais para o fim, fui ficando à vontade e até fiz umas ultrapassagens.
Dor, superação e alívio
Durante a corrida, nas entradas do safety car, o cóccix doía muito. Eu tentava levantar o tronco para dar uma aliviada. Mas quando o safety car saía, aí eu conseguia esquecer tudo novamente. Independentemente da coisa da dor, foi o momento de maior superação da minha vida. Depois de quase ter morrido, de ter visto um amigo vindo a falecer nesse acidente e, agora, eu estando no mesmo carro, nas mesmas condições... Mexeu demais comigo. Assim que cruzei a linha de chegada, tirei o mundo das minhas costas. Foi muito emocionante para mim, o pessoal da equipe veio comemorar no rádio. Antes disso, já tinha umas dez, doze pessoas da equipe penduradas no alambrado, acenando para mim. Saí do carro e, indo até os boxes, foi ainda mais emocionante. Botei para fora [Pedro chorou], todo mundo bateu palmas, me abraçou. A emoção era por tudo ter dado certo.
Origem da força e depoimento no briefing
O que mais me motivou nisso tudo foi querer dar sequência ao que eu mais amo fazer na vida. Disse para mim mesmo: “Vamos vencer esse medo porque é o que eu mais gosto de fazer e tenho que voltar a fazer com alegria, sem medo, sem remorso. Tenho que vencer essa barreira para voltar a fazer bem o que eu gosto de fazer”. Eu jamais deixei de amar o automobilismo, mas fiquei com medo. Puxei essa força lá de dentro. No briefing dos pilotos, fiz um testemunho para todos. Eles me escutaram, muitos se emocionaram. Falei sobre tudo isso que aconteceu em São Paulo, falei que corrida é uma competição e não uma guerra. Essa prova do Velopark teve muitas escapadas, rodadas como sempre tem, mas eu senti que os pilotos foram muito mais conscientes. Um dos motivos que permitem querer dar continuidade é a fé que eu tenho, estou muito fortalecido internamente, sei que tive um livramento e que estou protegido.
Fonte: blog-vanessa
Disponível no(a):http://tazio.uol.com.br/
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