26 de fev. de 2011

O dia em que os revolucionários cubanos sequestraram o maior piloto do mundo



Há cinquenta e três anos os rebeldes cubanos liderados por Fidel Castro praticaram um dos maiores golpes políticos da era moderna – o sequestro de Juan Manuel Fangio. Joe Saward, do Grand Prix Blog, conta como isso aconteceu.
Fulgencio Batista tornou-se o homem forte da política cubana depois de um golpe de Estado em 1933. No começo ele ficou apenas nos bastidores, mas em 1940 tornou-se o presidente.



Seu regime negociava abertamente com mafiosos como Lucky Luciano, Vito Genovese e o homem que teria inventado a lavagem de dinheiro, Meyer Lansky, mas os EUA estavam felizes em apoiá-lo, uma vez que o governo de Cuba era estável e, principalmente, anti-comunista. Batista foi derrubado em uma eleição livre em 1945 mas voltou ao poder em 1952 depois de ter arquitetado outro golpe de Estado. A eleição de um só partido serviu apenas para aumentar a oposição, embora os cubanos não falassem muito sobre por medo de levar um tiro na rua – ou simplesmente desaparecer.

Protestos eram reprimidos com violência e alguns dos direitos básicos garantidos pela constituição foram suspensos. Os meios de comunicação sofreram censuras. Como as medidas de Batista ficavam cada vez mais brutas, a oposição aumentou. Um golpe militar foi planejado contra ele em 1956, mas a traição de um dos membros levou à prisão os oficiais envolvidos. Aos poucos, o movimento revolucionário 26 de julho, liderado por Fidel Castro, tornou-se o principal oponente de Batista. Durante algum tempo Fidel se refugiou no México, mas no final de 1956 ele e um grupo de 82 revolucionários navegaram até Cuba saindo do porto de Tuxpan a bordo de um iate chamado Granma.
O objetivo era iniciar a revolução.
Mas Batista não estava tão preocupado.
Havana era o lugar da moda, e com o dinheiro americano ele sentia-se confortável o bastante para apoiar a organização de uma corrida de rua no Malecon, uma pista à beira-mar na cidade. O governo listou alguns dos melhores pilotos da época para o evento – e pagou generosamente a eles. Juan Manuel Fangio, o então tricampeão mundial da nascente Fórmula 1, recebeu 7.000 dólares na época (cerca de 50.000 dólares hoje) mais as despesas pagas para ele e três mecânicos. O primeiro Grande Prêmio de Cuba aconteceu em fevereiro de 1957, e Fangio tinha como os concorrentes mais fortes Stirling Moss e Phil Hill. Além deles estavam também Alfonso de Portago e Harry Schell.

Entre os espectadores estavam o astro de Hollywood Gary Cooper, enquanto de Portago trouxe sua namorada, a atriz Linda Christian. Houve um grande interesse local no evento, parte por causa do sorteio que oferecia como primeiro prêmio um Cadillac e uma viagem para assistir o GP da Itália, em Monza.
“Correr ao lado da fonte em Malecon na vibrante cidade de Havana foi uma experiência sensacional”, disse Moss. “A atmosfera era incrível e a competição intensa e a hospitalidade além das palavras. Os fãs adoraram.”
A corrida principal tinha pilotos de 11 países diferentes e acabou sendo um duelo entre Fangio e de Portago. O primeiro Grande Prêmio fez tanto sucesso que logo se falou em repetir o evento em 1958.
A atmosfera, contudo, havia mudado dramaticamente. A revolução de Castro foi ganhando força e a repressão aumentou. O brilho de Havana era apenas um fino verniz. Quando Faustino Perez, que liderou as operações clandestinas de Castro, ouviu que Fangio estava voltando a Cuba, ele decidiu que uma boa ideia para chamar a atenção à rebelião seria sequestrar a principal atração do evento – e garantir que ele não participasse da corrida. Perez contactou Oscar Lucero Moya, que estava no comando das atividades em Havana, e eles começaram a planejar o sequestro de Fangio.

Fangio chegou em Havana na sexta-feira, 21 de fevereiro e passou o dia seguinte preparando-se para a corrida e atendendo pacientemente os compromissos com Batista. Na noite de sábado, 23 de fevereiro, Lucero e sua equipe de nove sequestradores (que incluía sua esposa) armaram a jogada. Eles descobriram por um jornalista que Fangio estava no Hotel Lincoln, na antiga Havana. Naquela noite o bar estava cheio de pilotos e visitantes estrangeiros. Pouco antes das nove horas Fangio saiu do elevador e juntou-se a seus amigos Alejandro de Tomaso (o piloto argentino que mais tarde fabricaria carros na Itália), Nello Ugolini, o mecânico Guarino Bertochi, o diretor Marcelo Giambertone e o publicitário Carlos Gonzalez.
“Estávamos conversando quando subitamente uma pessoa com uma jaqueta de couro se aproximou”, lembra Fangio. “Ele tinha uma pistola automática na mão e disse a todos nós – com uma voz firme e decidida – que não deveríamos nos mover ou ele nos mataria”.
O homem era Lucero, e vários de seus cúmplices também estavam no saguão. No começo Fangio achou que fosse uma brincadeira, mas quando De Tomaso fez um movimento para impedir o sequestrador, ele percebeu que era sério e perguntou ao homem para onde o levariam. Lucero assegurou que nada de mau aconteceria e então Fangio caminhou com o sequestrador até o Plymouth preto que esperava na esquina. Sua saída fora acobertada pelos comparsas de Lucero.
“Descobri depois que haviam três carros envolvidos”, disse Fangio.
“Eles dirigiram devagar para não chamar a atenção. As pessoas que estavam comigo no carro pediram desculpas pelo que estavam fazendo e disseram que só queriam atrair a atenção do mundo para a causa deles”.
Fangio foi levado a um esconderijo e mais tarde a outro. Ele escreveu um bilhete para provar que estava vivo. Ele recebeu comida e o mesmo conforto que teria no hotel.
Os sequestradores continuaram seu plano e rapidamente informaram às agencias de notícias que estavam com Fangio. As forças de segurança de Batista ficaram embaraçadas e montaram uma grande operação para encontrar o argentino e capturar os sequestradores. As testemunhas do crime passaram horas vendo os livros de suspeitos, tentando identificar os responsáveis e muitos simpatizantes da causa castrista foram interrogados. Os aeroportos foram monitorados para tentar assegurar que Fangio não deixaria Cuba.
O sequestro repercutiu no mundo todo, embora nem toda a publicidade fosse favorável. Na época escrevendo para o jornal Miami News, o jornalista Morris McLemore foi bastante crítico.

“É uma revolução pobre esta que precisa golpear a liberdade sequestrando um estrangeiro que não tem a menor noção do que está acontecendo”, ele escreveu. “Abordar um homem de bem, que jamais esperaria que alguém lhe fizesse mal em Cuba e enfiar uma arma em suas costelas é tão corajoso quanto golpear um bebê com uma chave inglesa”.
Os capangas de Batista não conseguiram encontrar qualquer rastro de Fangio. Na segunda-feira de manhã, foi decidido que a corrida começaria sem ele. Naquela mesma manhã Perez chegou a Havana e falou com Fangio sobre a revolução. Ele havia encontrado com Castro no Granma e era próximo do líder. Ele pediu desculpas por suas ações, mas explicou que Fangio seria libertado tão logo a corrida fosse completada. O campeão mundial passou o dia matando tempo. Ele recusou a oportunidade de ouvir o evento pelo rádio.
Na Malecon a segurança havia sido reforçada, mas isso não impediu que os fãs chegassem. Havia provavelmente o dobro de espectadores que no ano anterior e mal havia espaço para se mover. O horário da largada chegou enquanto os homens de Batista continuavam a procurar Fangio. Finalmente, depois de 90 minutos de atraso, Maurice Trintignant pegou o carro de Fangio e a corrida começou. Masten Gregory assumiu a ponta, mas logo depois Moss tomou a posição. Na sétima volta o piloto cubano Armando Garcia Cifuentes perdeu o controle de sua Ferrari na curva da embaixada americana e atingiu a multidão em um pequeno parque. O carro parou em um guindaste, mas mesmo assim sete pessoas morreram e cerca de 40 se feriram tentando fugir do acidente. A corrida foi interrompida e Moss foi declarado o vencedor.

No esconderijo, os rebeldes estavam preocupados com outras coisas. Eles temiam ser enganados se negociassem diretamente com os homens de Batista, preocupados com a possibilidade de acabarem todos mortos e os revoltosos culpados pela morte de Fangio.
No fim, Fangio sugeriu que contactassem a embaixada argentina. Depois de negociarem com o embaixador Raul Lynch, chegaram a um acordo. Fangio seria deixado próximo à casa do embaixador e isso deveria ser seguro para seus sequestradores cubanos. Isso também deu aos sequestradores a chance de fugir sem serem seguidos. Perto da meia-noite o campeão foi libertado, a dois quarteirões da casa de Lynch. Arnold Rodriguez, que estava encarregado da operação disse a ele que quando a revolução acontecesse, ele seria convidado para voltar a Cuba pelo novo governo – como convidado de honra.
“Eles me deixaram com uma carta ao governo da Argentina pedindo desculpas por me usarem para fins políticos”, disse Fangio.
Mais tarde ele diria aos meios de comunicação que havia sido tratado com grandes cuidados e civilidade e também disse que não tinha mágoas em relação aos rebeldes. Estes disseram que Fangio foi um homem encantador e muito digno.
“Foi mais uma aventura”, disse Fangio. “Se o que os rebeldes fizeram foi por uma boa causa, então eu, como argentino, aceito”. Vale lembrar que o outro grande líder da revolução cubana junto com Fidel era Ernesto Che Guevara, também nascido na Argentina.

A repercussão da cobertura do sequestro de Fangio foi tamanha que logo ele estava em Nova Iorque, onde recebeu mil dólares (cerca de 7.100 dólares hoje) para aparecer no programa de Ed Sullivan. Ele ressaltou que foi irônico ter precisado de um sequestro para conseguir a aparição, algo que cinco títulos mundiais não fizeram.


Houve, contudo, um lado obscuro na história. Dois meses depois do sequestro, Lucero foi denunciado por um traidor e acabou preso pela polícia secreta de Batista. Seria torturado por várias semanas para entregar a rede de contatos e depois executado, apenas sete meses antes de Batista deixar o país e os rebeldes assumirem o poder. Nas celas do Escritório de Atividades Anti-Comunistas, uma mensagem foi encontrada gravada na parede, dizendo, “19 de maio. Ainda vivo. Oscar.”
Hoje Oscar Lucero é um herói da revolução cubana, com uma universidade batizada em sua homenagem.
O automobilismo voltou a Cuba em 1960, para um evento conhecido como Grande Prêmio da Liberdade, mas foi realizado em uma base militar fora de Havana e não atraiu muitos espectadores. Depois disso, houve a intervenção da Guerra Fria e Cuba acabou isolada do mundo livre. O automobilismo parou. Hoje, em frente do Hotel Lincoln, há uma placa de bronze descrevendo os acontecimentos de 1958 e uma nota dizendo que foram “um importante estímulo para as forças revolucionárias”.
Castro convidou Fangio para voltar, mas foi somente em 1981 que ele voltou a Havana para assinar um contrato de fornecimento de caminhões Mercedes-Benz ao governo de Castro. Ná época Perez era um dos ministros e o recebeu calorosamente. Até mesmo Castro interrompeu uma importante reunião para receber o homem que foi sequestrado por sua ordem.
No aniversário de 80 anos de Fangio, houve mensagens de todo mundo para o grande homem, inclusive uma de “Seus amigos, os sequestradores”.

Fonte: .jalopnik
Disponível no(a):http://www.jalopnik.com.br/

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