27 de jan. de 2011

Garagem dos sonhos: Tucker 48 "Torpedo"


Se você quiser saber mais sobre esta controversa história de um jeito bem mastigado, assista ao ótimo filme Tucker: um Homem e o seu Sonho. O resumo da longa jornada é que depois da Segunda Guerra, Preston Tucker decidiu construir o melhor carro do mundo (nota irônica: o protótipo militar de Tucker foi rejeitado pelas forças armadas por ser rápido demais – 180 km/h). Com bons contatos e vendedores sagazes ele conseguiu levantar milhões de dólares, comprou uma velha fábrica da Dodge e começou a trabalhar em seu sonho: o Torpedo.

O pessoal de Detroit não gostou de saber que o sr. Tucker realmente fazia algo pretensioso. Ou isso ou então o poderoso senador Ferguson de Michigan (cuja esposa tinha toneladas de ações da Chrysler) queria acabar com Preston. A Comissão de Valores Imobiliários e o Procurador-geral dos EUA perseguiram-no implacavelmente até que finalmente indiciaram os executivos da empresa por fraudes. Mais tarde todos os acusados foram declarados inocentes, mas o estrago estava feito. Apenas 51 Tucker 48 foram produzidos (50 carros de produção mais o protótipo “Tin Goose”). Fim. O fato é que, apesar de sua história dramática, o Tucker 48 – também conhecido como Tucker Torpedo – é um p*** carro.

Preston Tucker: um homem com sonhos


A ideia original de Tucker pedia um motor traseiro de 9,7 litros, Hemi, flat-6 que seria injetado e teria as válvulas no cabeçote operadas por pressão hidráulica. Quão à frente de seu tempo isso estava? Bem, a injeção de combustível só apareceu oito anos depois, em uma unidade mecânica da Bosch para o Mercedes 300 SL 1955. Embora eu não lembre de um caso em que a pressão do óleo era usada para mover as válvulas, a pressão do óleo é usada para variar o comando de válvulas. O motor era tão grande que precisava de um sistema elétrico de 24 Volts para a partida. Contudo, o monstruoso revelou-se um pouco inovador demais – eles não podiam fazê-lo funcionar.

O que você faz se seu nome é Preston Tucker e seu flat-6 de quase 10 litros não funciona? Isso mesmo, você tenta enfiar um motor aeronáutico Lycoming no cofre. Já falei que o Tucker 48 tinha motor traseiro? O único problema era que ali ele não cabia. Então você pega um motor de helicóptero que caiba lá. Depois que os engenheiros converteram a refrigeração o motor Franklin de 5,4 litros de ar para água, ele desenvolvia saudáveis 166 cv (Tucker havia prometido 150 cv do monstro de 9,7 litros) e um torque insano (para 1947) de 51,4 kgfm.
Quão insano era isso? Em aceleração máxima a primeira marcha quebrava os dentes da transmissão. Para garantir que ninguém acabasse estourando o motor, Tucker comprou a Franklin. Apesar de seu tamanho e potência, o 48 pesava 1920 quilos, praticamente o mesmo que os suntuosos Lincolns da época, por exemplo. Tanto o motor quanto a transmissão eram montados em um subchassi fixado por apenas seis parafusos. A ideia era colocar outro motor para que os clientes não ficassem sem carro enquanto seu propulsor original estivesse na oficina.

Seis canos, meu chapa


Um motor traseiro removível não era a única inovação. Como quase tudo nesse carro, a visão de Tucker ia muito além da realidade tecnológica e financeira da época. Ainda assim, você não pode culpar um homem por ter um sonho. O projeto original previa que para-lamas e faróis se movessem com a roda. O motorista ficaria sentado no meio, uma ideia trazida à vida 50 anos mais tarde por Gordon Murray e seu McLaren F1.
Ele também queria freios a disco nas quatro rodas – que seriam de liga leve de magnésio – e uma inovadora transmissão automática (chamada Tuckermatic) que tinha apenas 27 peças, 90 a menos que as caixas comuns. Só que ela não era capaz de controlar a montanha de torque do motor Franklin. Ironicamente a caixa Tuckermatic contribuiu tanto para afundar a empresa quanto qualquer outra coisa. Os engenheiros nunca tentaram colocar uma engrenagem reversa (sim, marcha à ré) no protótipo. Tucker sempre disse que era espionado, e quando as informações vazaram, a imprensa se divertiu com piadas sobre o carro que não andava para trás. No fim, Tucker foi obrigado a usar uma transmissão Cord convencional.

Mas as verdadeiras inovações tinham a ver com seguranças. Preston Tucker estava obcecado em construir um carro seguro. Para isso ele construiu o painel acolchoado, décadas antes de o resto da indústria ter sido obrigada a fazer, depois da publicação do livro Unsafe at Any Speed (Inseguro a qualquer velocidade, não editado no Brasil). Embora os faróis e para-lamas móveis nunca tenham se movido, foi adicionado um terceiro farol – apelidado de “Ciclope” – que se movia com o volante para iluminar as curvas. Hoje, 60 anos depois, os faróis direcionais estão se tornando regra. Todos os controles, inclusive o rádio, foram agrupados ao redor do volante, assegurando que no caso de acidente, as pontas não ferissem os passageiros.

O carro também tinha um chassi perimetral ao redor do compartimento de passageiros. Como o motor ficava na traseira, havia um compartimento acarpetado diante dos bancos para que os passageiros pudessem se proteger em caso de acidente iminente – ok, essa última é um pouco besta. Tucker também queria instalar cintos de segurança no 48, mas foi convencido pela equipe que isso daria a impressão de que o carro seria inseguro. O carro de Tucker era tudo, menos inseguro. Quando um piloto de testes bateu e capotou um a 160 km/h durante uma demonstração e saiu andando com uns poucos arranhões, o público foi convencido. E depois ficaram irritados com a imprensa e com o governo por difamarem o 48.

Talvez o mais importante de tudo, é que o Tucker 48 era bonito. Tucker contratou o lendário Alexander Sarantos Tremulis, famoso pelos Auburn-Cord-Duesenberg. Tremuli teve que fazer o projeto em apenas seis dias (devido às promessas feitas aos investidores, para cumprir os prazos, tudo na Tucker foi feito seguindo uma agenda frenética). O resultado estético fala por si, mas era bem aerodinâmico, também.
Na verdade o 48 tinha um coeficiente aerodinâmico de somente 0,27 (que era arredondado para 0,30 no material de divulgação) o que fez dele o carro mais aerodinâmico do mundo na época. O desenho de Tremulis foi feito a mão e os carros foram moldados com martelos. Como comparação, o Toyota Prius foi projetado em computadores a longo prazo para gerar a menor resistência possível, e tem um coeficiente de 0,26.

Chamar de tragédia a história de uma máquina natimorta pode parecer um pouco de insensatez ou exagero. Contudo, no caso do Tucker Torpedo, acho que é justificável. Avançado, potente, seguro e estonteante, os americanos e os fãs de carros de todo o mundo foram assaltados por trapaças corporativas, incompetência do governo e excesso de zelo da imprensa. Pense no que teriam sido os futuros carros da Tucker, como o esportivo Talisman, no qual Preston trabalhava.
O tema central do filme Fitzcarraldo, de Werner Herzog, é sobre como puxar um barco de 300 toneladas sobre uma montanha no Peru sem nenhum maquinário. Herzog queria que a audiência “acreditasse em seus olhos”, então ele realmente puxou um barco de 300 toneladas montanha acima usando cordas e homens. Levou anos, e no meio do trabalho ele foi chamado de volta à civilização para enfrentar seus patrocinadores.
Eles pediram que Herzog desistisse dessa bobeira e construísse um modelo do barco em estúdio. O diretor se recusou, dizendo “Mas aí eu seria um homem sem sonhos”. Ainda que o plano de Preston Tucker para o “carro do amanhã” tenha sido destruído, seus sonhos não foram. Ele se mudou para o Brasil e começou a trabalhar em um esportivo leve chamado “Carioca”. E este será o assunto do nosso próximo post.


Fonte:jalopnik.
Disponível em:http://www.jalopnik.com

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