13 de mar. de 2013

O automobilismo está morrendo e a culpa também é dos motoristas


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Era um domingo ensolarado na bela zona sul do Rio de Janeiro. Um dia perfeito para assistir a uma Ferrari de F1 acelerando pela cidade depois de mais 20 anos. Felipe Massa levou sua Ferrari a quase 300 km/h para um público animado e entusiasmado que juntou-se no aterro do Flamengo para ver o ídolo da F1 e outras atrações, entre elas um desfile de modelos de rua da Ferrari. Parecia a receita de um evento automobilístico de apelo popular e bem sucedido.

Até que logo ao fim do evento, um motorista que participou do desfile perdeu o controle de sua 458 de modo bizarro e atropelou três pessoas, manchando aquela celebração à cultura automotiva.
O evento era importante também para reacender o debate sobre o futuro do automobilismo no Rio de Janeiro e no Brasil, afinal, Jacarepaguá já foi completamente destruído e nenhuma autoridade até agora deu sinais de que o tal autódromo de Deodoro vai mesmo sair do papel. Especialmente por que Felipe Massa deixou de lado a diplomacia corporativa típica desse tipo de evento e criticou diretamente a Confederação Brasileira de Automobilismo em uma entrevista coletiva durante a semana.
Era um evento para celebrar a cultura automotiva, para talvez seduzir um público que descobriria pela primeira vez a beleza e a emoção do automobilismo depois de ver e sentir um carro de Fórmula 1 passando a dez metros de seu nariz.
Toda a alegria do público e a beleza do F1 de Felipe acabaram ofuscados pelo atropelamento. A notícia deixou de ser “Felipe Massa acelerou e encantou o público carioca” para tornar-se “Ferrari atropela três em evento no Rio”, jogando fora todo o esforço feito pela organização do evento para atrair a simpatia do público.
Os carros já não são o meio de transporte mais querido pela sociedade por diversos motivos. Eles devoram uma quantia significativa do seu dinheiro mensal em forma de combustível, licenciamento, impostos, estacionamento, seguro e manutenção (e talvez financiamento com juros bem altos). Eles são uma ameaça a seus filhos, que ainda são indefesos pedestres. São uma ameaça constante à sua família durante a viagem de férias. São um tormento que entope as ruas e transformam o mais simples deslocamento urbano em uma via crucis. Eles emitem gases que contribuem com o efeito estufa, criando aquela sensação abafada e sufocante que você odeia. Eles arrancam o braço de ciclistas e jogam no rio. Matam velhinhas indefesas e pobres bichinhos.
Um acidente como este só corrobora o estereótipo de “carro vilão”, fomentando a antipatia pela cultura automotiva na qual está incluída também o automobilismo.
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Arquibancadas de Interlagos vazias durante as 6 Horas de São Paulo, prova do Mundial de Endurance. 
Agora pare por um instante, recapitule o acidente que manchou o bonito evento do fim de semana e responda: quem causou o acidente?
Usando a mesma resposta, vamos além, argumentando que foram os próprios motoristas que criaram esta realidade automotiva tão sombria. Foi quando os motoristas deixaram de lado a sensatez na utilização do carro e passaram a usá-lo indiscriminadamente, e deixaram de ser conscientes para tornar-se egoístas e irresponsáveis, transformando seus carros em armas de um conflito social. Vale para o emergente em seu SUV e para o motoboy que apavora no corredor.
Somos os culpados — nós motoristas e motociclistas, e não os carros e motos — a partir do momento em que agimos como babacas egoístas. Como esse cara da 458, ou aquele outro que bebeu umas e foi ziguezaguear pela ciclofaixa, o deputado que achou uma boa ideia chegar a 170 km/h em uma área residencial, ou ainda como aquele anti-herói da molecada que só pensa no seu tempo e nas suas necessidades.
Esse tipo de comportamento permite que as pessoas usem estes acidentes como provas de que carros matam, e dá margem para que o estereótipo do carro vilão seja transformado em causa social-ambiental, questão de segurança e até saúde pública. Com um discurso limpo, bonito, bondoso e humano a causa anti-automóvel atrai novos adeptos, prometendo um mundo melhor assim como as religiões prometem a salvação em troca de fidelidade.
Mas mesmo que você não acredite em discursos ideológicos, a realidade que fizemos dos carros é sombria. Não é preciso de discurso anti-automóvel para que as novas gerações o repudiem, basta que saiam nas ruas e que nunca tenham contato com o automobilismo, ou pior: que seu primeiro contato tenha sido no último domingo, no papel de um dos três espectadores atropelados.
[Fotos: Silvana Ramiro (Jacarepaguá), Flavio Gomes (Interlagos)]

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