31 de mar. de 2012

Uma volta no passado: Mercedes-Benz SL Gullwing 1954

Há 58 anos esse esportivo rompia a barreira dos 260 km/h para se tornar um dos carros mais importantes (e desejáveis) de todos os tempos

 
mercedes-benz sl gullwing

por Marcelo Cosentino


Marbella/ Espanha - De vez em quando um carro para em nossa garagem e arranca um "nossa!" do pessoal da redação. Ficamos surpresos com inovações em design, tecnologia, equipamentos e com os motores cada vez menores e mais potentes (viva o downsizing!). Mas são poucas as vezes que entramos em um carro e ficamos mudos. Absolutamente sem palavras. Foi assim, em silêncio, que começou a minha experiência com o Mercedes-Benz SL Gullwing, uma das maiores lendas automotivas de todos os tempos.
PASSADO GLORIOSO
mercedes sl gullwingA história do Mercedes asa-de-gaivota começou graças a um... americano. Foi Max Hoffman, na década de 50, quem convenceu a Daimler-Benz de que era viável criar uma versão de rua do primeiro SL 300 (W 194), até então destinado exclusivamente às pistas (onde obteve algumas vitórias). O fato é que, no período pós-Guerra, os americanos estavam com grana, muita grana. E queriam gastá-la em carros caros e exclusivos, mas que não necessariamente fossem banheirões ianques. Hoffman, que já havia levado o Porsche 356 e a BMW 507 para os EUA, apostou na importação do então criado SL Gullwing (W 198). Com isso, Hoffman levou 80% dos cerca de 1.400 construídos para a América. Vendeu todos. E, de quebra, ajudou a construir a (boa) imagem da marca nos EUA.

O que mais chama a atenção no MB asa-de-gaivota? O nome do carro já responde: as portas com uma abertura nem um pouco convencional. Elas surgiram a partir de uma ideia criativa dos alemães. Para honrar seu nome "SL", do alemão Sport Leicht (esportivo leve), o carro abriu mão do chassi tipo plataforma e adotou um então inédito esqueleto tubular formado por seções triangulares. Se os engenheiros cortassem o chassi onde normalmente ficariam as portas, havia uma perda de força da estrutura. A solução foi fazer os cortes no teto. E assim surgiu a emblemática asa-de-gaivota.

A bem da verdade, as portas no estilo asa-de-gaivota não são muito práticas, como comprovamos na prática. No mundo das competições entrar nesse MB ainda mais sofrível, já que as soleiras não eram baixas como a dos carros para as ruas. O que também não contribui é fato é de o repórter que vos fala medir generosos 1,88, altura suficiente para transformar um VW Gol em uma lata de sardinha. O que dirá entrar em uma SL Gullwing e suas dimensões reduzidas. Mas após algum malabarismo e me aproveitando da coluna de direção dobrável, eu estava dentro do mito.

AO VOLANTE
A primeira impressão no interior do SL Gullwing é de fragilidade. A manopla do câmbio é surpreendentemente fina e delicada, assim como o volante, de raio grande e boa empunhadura. A sensação é de que, a qualquer momento, algo irá se quebrar – mas nada quebrou, viu MB? Dentro do carro, em uma posição baixíssima, percebo dois vincos saltados no capô. Um deles é para os injetores de combustível e o outro... somente para manter a simetria.


mercedes sl gullwing
 
No painel de inúmeros botões há uma curiosa buzina para o passageiro, mostrando que o barulho era mais democrático – e comum – naquela época. Lado a lado, os botões atendem as diferentes necessidades: luz de estacionamento, farol, ignição, limpador, buzina, dois aquecedores e até um comando para resfriar o motor. Como um bom carro alemão, o acabamento é simples e elegante. A mistura bege com madeira devia fazer sucesso nos anos 50. As cinco saídas de ar lembram vagamente às do novo MB SL 2013. A aviação é a inspiração dos dois.

 
Antes de dar partida, algumas credenciais do SL Gullwing. O carro foi o primeiro de produção no mundo a ter injeção de combustível (lembra do vinco no capô?). A suspensão independente nas quatro rodas também era outro destaque que o colocava a frente dos esportivos da época, com sistemas arcaicos. Fora isso, é o carro mais rápido de sua época e pesa apenas 1.300 kg, o mesmo de um Kia Picanto.

mercedes sl gullwing 1954
E COMO ANDA?
O sinal verde é dado pelos engenheiros alemães através de um "positivo" com a mão. Ele acompanha o SL clássico como um filho a caminho do acampamento de férias e rodeado por garotos mais velhos. Na terceira tentativa consigo dar partida no motor três litros instalado em 50º para caber sob o capô. O ronco metálico logo contagia a pacata redondeza – e atrai mais olhares. Ainda com a porta aberta, pergunto ao alemão de olhar apreensivo onde fica o cinto de segurança do modelo. A resposta é curta e fria: não há. De fato, este foi um dos últimos carros da Mercedes sem cinto de segurança, que só fez sua estreia no W 198 II, a variante conversível do próprio SL, lançada em 1957. 

Fecho a asa-de-gaivota e a sensação é como se estivesse levando o motor no colo. Não pelo barulho, mas pelo cheiro da queima do combustível invadindo o habitáculo sem cerimônia. Seria uma boa ideia abrir a janela. Mas que janela? O SL Gullwing só conta com um quebra-vento.

 mercedes gullwing

Nada disso, porém, é capaz de diminuir a glória do modelo. Tiro o carro da inércia e o rodar suave me impressiona. Não diria que estou a bordo de um carro quase sessentão. As investidas no acelerador são respondidas com delicadeza. O motor seis cilindros em linha de 170 cv não tem, nem de longe, a agressividade dos Mercedes mais modernos. Ou seja, não espere um coice no peito de um AMG. Mas surpreendentemente a potência é oferecida em baixas rotações. A 50 km/h, mesmo em quarta, o carro responde com energia e não pede reduções.

Com um pouco de paciência o SL pode chegar aos 257 km/h, número que o credenciava como o carro de produção mais rápido de sua época. Hoje, curiosamente, a maioria dos MB são limitados a 250 km/h por motivos de segurança (mesmo contando com ABS, airbag, controles eletrônicos e cinto de segurança).

mb sl gullwingNo trânsito, dirigir um SL Gullwing é assustador. Em parte por ter um carro de 1 milhão de euros nas mãos – a MB seguia nossos passos através de um GPS, como um Big Brother –, mas também pela visibilidade quase nula. Há apenas um espelho externo, na lateral do carro e próximo a caixa de rodas. E por mais que você gaste 30 minutos fazendo ajustes, parece não existir uma posição ideal para ele. O retrovisor fica em cima do painel e também não é muito prático. Mesmo assim esta é a opção mais útil, atrás apenas da famosa "olhadinha sobre os ombros". O câmbio de quatro marchas é surpreendentemente bem escalonado, mas os engates não são dos mais precisos – talvez um dos poucos sintomas das décadas de idade. O freio é pesado e pouco eficiente. 

Com o tempo, as adversidades do asa-de-gaivota são esquecidas. Dirigir o modelo é um prazer em qualquer situação. Há pouca oscilação da carroceria, e o carro anda sempre grudado ao chão. O comportamento deve-se em partes a suspensão independente nas quatro, leve, rápida e muito superior em relação as que equipavam a maioria dos carros na época, como dissemos. Nada de aparelhagem eletrônica. Esse carro é uma representação da simplicidade que é dirigir. Sem frescuras. É a união mais feliz do homem e da máquina, sem o incremento tecnológico para anestesiar essa relação. 

mb sl gullwing

A (TRISTE) HORA DO ADEUS
mb sl gullwing Pena a "aventura" com o Mercedes-Benz SL Gullwing não durar mais que algumas dezenas de km. Se fôssemos espertos – e os caras da MB nem tanto –, podíamos sugerir devolver o carro após rodar com "apenas" um tanque de combustível. A malandragem é que o asa-de-gaivota bebe 131 litros de gasolina e tem autonomia total de 1.179 km. Tá bom ou quer mais?

Quase de volta ao hotel onde o SL Gullwing seria devolvido, uma Ferrari 599 GTB cruza pelo "nosso" asa-de-gaivota. A cena é simbólica: dois mitos de diferentes séculos em direções opostas. Mas o que chamou mesmo a atenção foi a reação de surpresa, tesão e curiosidade do dono da Ferrari ao ver o Mercedes-Benz clássico. Pensando bem, se fôssemos espertos de verdade, poderíamos sugerir que ele desse uma volta no "nosso" SL e nós na Ferrari dele, só pra saber como é. Quem não ia gostar nem um pouco dessa história seria o pessoal da Mercedes.
Fonte: caranddriver
Disponível no(a): http://caranddriverbrasil.uol.com.br
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