Há 58 anos esse esportivo rompia a barreira dos 260 km/h para se tornar um dos carros mais importantes (e desejáveis) de todos os tempos
por Marcelo Cosentino
Marbella/ Espanha - De vez em quando um carro para em nossa garagem e arranca um "nossa!" do pessoal da redação. Ficamos surpresos com inovações em design, tecnologia, equipamentos e com os motores cada vez menores e mais potentes (viva o downsizing!). Mas são poucas as vezes que entramos em um carro e ficamos mudos. Absolutamente sem palavras. Foi assim, em silêncio, que começou a minha experiência com o Mercedes-Benz SL Gullwing, uma das maiores lendas automotivas de todos os tempos.
PASSADO GLORIOSO
A
história do Mercedes asa-de-gaivota começou graças a um... americano.
Foi Max Hoffman, na década de 50, quem convenceu a Daimler-Benz de que
era viável criar uma versão de rua do primeiro SL 300 (W 194), até então
destinado exclusivamente às pistas (onde obteve algumas vitórias). O
fato é que, no período pós-Guerra, os americanos estavam com grana,
muita grana. E queriam gastá-la em carros caros e exclusivos, mas que
não necessariamente fossem banheirões ianques. Hoffman, que já havia
levado o Porsche 356 e a BMW 507 para os EUA, apostou na importação do
então criado SL Gullwing (W 198). Com isso, Hoffman levou 80% dos cerca
de 1.400 construídos para a América. Vendeu todos. E, de quebra, ajudou a
construir a (boa) imagem da marca nos EUA.
O que mais
chama a atenção no MB asa-de-gaivota? O nome do carro já responde: as
portas com uma abertura nem um pouco convencional. Elas surgiram a
partir de uma ideia criativa dos alemães. Para honrar seu nome "SL", do
alemão Sport Leicht (esportivo leve), o carro abriu mão do chassi tipo
plataforma e adotou um então inédito esqueleto tubular formado por
seções triangulares. Se os engenheiros cortassem o chassi onde
normalmente ficariam as portas, havia uma perda de força da estrutura. A
solução foi fazer os cortes no teto. E assim surgiu a emblemática
asa-de-gaivota.
A bem da
verdade, as portas no estilo asa-de-gaivota não são muito práticas, como
comprovamos na prática. No mundo das competições entrar nesse MB ainda
mais sofrível, já que as soleiras não eram baixas como a dos carros para
as ruas. O que também não contribui é fato é de o repórter que vos fala
medir generosos 1,88, altura suficiente para transformar um VW Gol em
uma lata de sardinha. O que dirá entrar em uma SL Gullwing e suas
dimensões reduzidas. Mas após algum malabarismo e me aproveitando da
coluna de direção dobrável, eu estava dentro do mito.
AO VOLANTE
A primeira impressão no interior do SL Gullwing é de fragilidade. A manopla do câmbio é surpreendentemente fina e delicada, assim como o volante, de raio grande e boa empunhadura. A sensação é de que, a qualquer momento, algo irá se quebrar – mas nada quebrou, viu MB? Dentro do carro, em uma posição baixíssima, percebo dois vincos saltados no capô. Um deles é para os injetores de combustível e o outro... somente para manter a simetria.
No painel de
inúmeros botões há uma curiosa buzina para o passageiro, mostrando que o
barulho era mais democrático – e comum – naquela época. Lado a lado, os
botões atendem as diferentes necessidades: luz de estacionamento,
farol, ignição, limpador, buzina, dois aquecedores e até um comando para
resfriar o motor. Como um bom carro alemão, o acabamento é simples e
elegante. A mistura bege com madeira devia fazer sucesso nos anos 50. As
cinco saídas de ar lembram vagamente às do novo MB SL 2013. A aviação é
a inspiração dos dois.
Antes de dar
partida, algumas credenciais do SL Gullwing. O carro foi o primeiro de
produção no mundo a ter injeção de combustível (lembra do vinco no
capô?). A suspensão independente nas quatro rodas também era outro
destaque que o colocava a frente dos esportivos da época, com sistemas
arcaicos. Fora isso, é o carro mais rápido de sua época e pesa apenas
1.300 kg, o mesmo de um Kia Picanto.
E COMO ANDA?
O sinal
verde é dado pelos engenheiros alemães através de um "positivo" com a
mão. Ele acompanha o SL clássico como um filho a caminho do acampamento
de férias e rodeado por garotos mais velhos. Na terceira tentativa
consigo dar partida no motor três litros instalado em 50º para caber sob
o capô. O ronco metálico logo contagia a pacata redondeza – e atrai
mais olhares. Ainda com a porta aberta, pergunto ao alemão de olhar
apreensivo onde fica o cinto de segurança do modelo. A resposta é curta e
fria: não há. De fato, este foi um dos últimos carros da Mercedes sem
cinto de segurança, que só fez sua estreia no W 198 II, a variante
conversível do próprio SL, lançada em 1957.
Fecho a
asa-de-gaivota e a sensação é como se estivesse levando o motor no colo.
Não pelo barulho, mas pelo cheiro da queima do combustível invadindo o
habitáculo sem cerimônia. Seria uma boa ideia abrir a janela. Mas que
janela? O SL Gullwing só conta com um quebra-vento.
Nada disso,
porém, é capaz de diminuir a glória do modelo. Tiro o carro da inércia e
o rodar suave me impressiona. Não diria que estou a bordo de um carro
quase sessentão. As investidas no acelerador são respondidas com
delicadeza. O motor seis cilindros em linha de 170 cv não tem, nem de
longe, a agressividade dos Mercedes mais modernos. Ou seja, não espere
um coice no peito de um AMG. Mas surpreendentemente a potência é
oferecida em baixas rotações. A 50 km/h, mesmo em quarta, o carro
responde com energia e não pede reduções.
Com um pouco
de paciência o SL pode chegar aos 257 km/h, número que o credenciava
como o carro de produção mais rápido de sua época. Hoje, curiosamente, a
maioria dos MB são limitados a 250 km/h por motivos de segurança (mesmo
contando com ABS, airbag, controles eletrônicos e cinto de segurança).
No
trânsito, dirigir um SL Gullwing é assustador. Em parte por ter um
carro de 1 milhão de euros nas mãos – a MB seguia nossos passos através
de um GPS, como um Big Brother –, mas também pela visibilidade quase
nula. Há apenas um espelho externo, na lateral do carro e próximo a
caixa de rodas. E por mais que você gaste 30 minutos fazendo ajustes,
parece não existir uma posição ideal para ele. O retrovisor fica em cima
do painel e também não é muito prático. Mesmo assim esta é a opção mais
útil, atrás apenas da famosa "olhadinha sobre os ombros". O câmbio de
quatro marchas é surpreendentemente bem escalonado, mas os engates não
são dos mais precisos – talvez um dos poucos sintomas das décadas de
idade. O freio é pesado e pouco eficiente.
Com o tempo,
as adversidades do asa-de-gaivota são esquecidas. Dirigir o modelo é um
prazer em qualquer situação. Há pouca oscilação da carroceria, e o
carro anda sempre grudado ao chão. O comportamento deve-se em partes a
suspensão independente nas quatro, leve, rápida e muito superior em
relação as que equipavam a maioria dos carros na época, como dissemos.
Nada de aparelhagem eletrônica. Esse carro é uma representação da
simplicidade que é dirigir. Sem frescuras. É a união mais feliz do homem
e da máquina, sem o incremento tecnológico para anestesiar essa
relação.
A (TRISTE) HORA DO ADEUS
Pena
a "aventura" com o Mercedes-Benz SL Gullwing não durar mais que algumas
dezenas de km. Se fôssemos espertos – e os caras da MB nem tanto –,
podíamos sugerir devolver o carro após rodar com "apenas" um tanque de
combustível. A malandragem é que o asa-de-gaivota bebe 131 litros de
gasolina e tem autonomia total de 1.179 km. Tá bom ou quer mais?
Quase de
volta ao hotel onde o SL Gullwing seria devolvido, uma Ferrari 599 GTB
cruza pelo "nosso" asa-de-gaivota. A cena é simbólica: dois mitos de
diferentes séculos em direções opostas. Mas o que chamou mesmo a atenção
foi a reação de surpresa, tesão e curiosidade do dono da Ferrari ao ver
o Mercedes-Benz clássico. Pensando bem, se fôssemos espertos de
verdade, poderíamos sugerir que ele desse uma volta no "nosso" SL e nós
na Ferrari dele, só pra saber como é. Quem não ia gostar nem um pouco
dessa história seria o pessoal da Mercedes.
Fonte: caranddriverDisponível no(a): http://caranddriverbrasil.uol.com.br
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