Ayrton Senna no pódio de Suzuka, onde sagrou-se tri-campeão de Fórmula 1
Foto: Getty Images
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Faz exatos 20 anos que um piloto brasileiro não é campeão mundial de Fórmula 1. Na última vez, Ayrton Senna da Silva precisou de apenas dez voltas no circuito se Suzuka para coroar "a melhor temporada de sua carreira" - como ele mesmo definiu - em 20 de outubro de 1991. Quando o inglês Nigel Mansell abandonou aquela prova, em consequência do desgaste nos freios de sua Williams, o brasileiro já comemorava a bordo da McLaren número 1. Havia se tornado tricampeão da categoria, assim como o desafeto Nelson Piquet.
Apelidado de "Il Leone" (O Leão) pelos torcedores da italiana Ferrari, por causa de seu estilo agressivo de pilotagem, Nigel Mansell costumava rugir mais do que o francês Alain Prost, grande rival de Ayrton Senna nos anos anteriores. "Não sou tão benevolente como Prost, e Senna sabe disso", o britânico provocou, quando começou a subir na tabela do campeonato de 1991. Nem a vida particular do brasileiro era perdoada. "É verdade que tentaram sequestrar a namorada de uma hora só do Senna?", perguntou, referindo-se à apresentadora Xuxa Meneghel, antes de pedir para o seu adversário ter "mais senso de humor". Mas o Leão era manso. Em comum com Senna, ele tinha a antipatia por Nelson Piquet - chegou até a ouvir de seu ex-companheiro de Williams que "gostava de mulher feia". O então bicampeão Ayrton, ao contrário, mostrava-se capaz de despertar admiração em Nigel Mansell, a ponto de ser visto como "brilhante" pelo rival no início da disputa de 1991. Vitorioso no circuito de Silvesrtone, na Inglaterra, o britânico deu outra prova de seu comportamento amistoso ao oferecer uma carona ao brasileiro, que subiu em cima do carro do rival depois de ficar a pé, vítima de uma pane seca.
No começo do ano, Mansell havia se habituado a ficar atrás de Senna. Novamente sem a concorrência de Alain Prost (foi para a Ferrari após a polêmica decisão de 1989) na McLaren, que encontrara bons ajustes para seus carros, o brasileiro ganhou de forma arrasadora as quatro primeiras corridas de 1991, nos Estados Unidos, no Brasil, em San Marino e em Mônaco.
Até quando sua McLaren falhava, Senna vencia. Em Interlagos, onde o brasileiro jamais havia conquistado um triunfo na Fórmula 1, restou ao seu carro somente a primeira e a sexta marchas, na liderança, a sete voltas do final. Mansell já estava fora da pista, porém seu companheiro Riccardo Patrese diminuía rapidamente a diferença de 36 segundos em relação ao primeiro colocado. Ayrton resistiu no asfalto molhado, com dores, e cruzou a linha de chegada chorando, com o público em êxtase. Sem forças, precisou de ajuda para chegar ao pódio e levantar o troféu. "Se esse era o preço de ganhar no Brasil, foi barato", bradou.
Na prova seguinte, em San Marino, Ayrton Senna se consolidou como favorito ao título de 1991. Chamado de "rei da chuva" por diversos jornais em razão do desempenho naquele Grande Prêmio, disputado sob temporal, ele apresentou a estabilidade que faltou a Alain Prost (rodou de maneira vexatória, ainda na volta de apresentação), Nigel Mansell, Nelson Piquet e Jean Alesi, entre outros. A vantagem para Prost na tabela de classificação passou a ser de 29 pontos. Sua McLaren era invejada. "Eu gostaria de ter aquele carro", disse Mansell.A situação se inverteu não muito tempo depois. Com um motor Renault mais potente e um câmbio semiautomático, a Williams assumiu a condição de construtora mais eficiente até o final da temporada. No Canadá, Senna abandonou a corrida e só teve motivo para festejar porque Nigel Mansell, depois de grande exibição, enfrentou problemas em seu carro e entregou a vitória para Nelson Piquet. A má fase de Ayrton se refletia em sua vida particular. Em Angra dos Reis (RJ), ele sofreu um acidente de jet ski que o premiou com muitos pontos no corpo - quase tantos quanto um bom resultado no asfalto lhe renderia na tabela da Fórmula 1.
No GP do México, mais um susto. Senna capotou na primeira sessão de treinos, ao atravessar em reta a curva Peraltada. A Williams fez a dobradinha naquela corrida, com o italiano Riccardo Patrese em primeiro lugar e Nigel Mansell em segundo. Chefe da McLaren, Ron Dennis ficou assustado com a ascensão da outra escuderia inglesa. "Vamos precisar trabalhar muito e administrar a nossa vantagem no campeonato". Alain Prost confiava em seu antigo patrão. "Conheço bem a McLaren. Eles vão reagir".
Emerson Fittipaldi foi o primeiro piloto brasileiro a se tornar campeão de Fórmula 1 (ganhou nas temporadas de 1972 e 1974). Na semana em que são comemorados o 30º aniversário da conquista inicial de Nelson Piquet e o 20º da última de Ayrton Senna, o bicampeão demonstrou a sua ansiedade para ver a galeria de vencedores do principal torneio do automobilismo mundial com mais representantes do Brasil.
"É muita comemoração em uma mesma semana. São datas importantes, sem dúvida. Mas temos que trabalhar para surgir um novo campeão. O terceiro título do Senna foi o último do Brasil na Fórmula 1", comentou Emerson, incomodado com o jejum de duas décadas sem conquistas.
Para Fittipaldi, Felipe Massa tem condições de se recuperar e entrar na história com uma temporada vitoriosa na Fórmula 1. "Ele possui talento de campeão. Só precisa se ajustar às circunstâncias. Nas últimas cinco provas, esteve à frente do Fernando Alonso, que eu considero o mais completo da categoria atualmente. O Felipe está andando muito rápido, e a Ferrari melhorou bastante para desafiar a Red Bull no ano que vem. Uma hora, a hegemonia dessa equipe vai acabar. Não dá para se eternizar na frente", palpitou.
Hoje, outras esperanças do Brasil na Fórmula 1 são o experiente e contestado Rubens Barrichello e um novato, com sangue de campeão: Bruno Senna, sobrinho de Ayrton.
O francês tinha razão. Com a McLaren mais confiável, Senna se recuperou com vitórias nos GPs da Hungria e da Bélgica, embora tenha perdido a chance de ser campeão em Barcelona porque Mansell fora arrojado e recebeu a bandeirada em primeiro lugar. A nova oportunidade de confirmar o título veio em Suzuka, pista de testes da Honda, onde o brasileiro era venerado. O que não abalava o otimismo do rival: "Se conseguirmos deixar toda a pressão com a McLaren e a Honda no Japão, pois eles teoricamente precisam vencer lá, voltaremos à briga. Não podemos pensar só na última corrida, na Austrália. Nosso carro é melhor. Temos cavalos de sobra".
A McLaren concordava com Nigel Mansell. Para não decepcionar a torcida japonesa, preparou um carro com bico mais fino e longo, gasolina especial e a versão aperfeiçoada do motos Spec-3 da Honda. "Estamos mais próximos da Williams agora, com mais pressão aerodinâmica", elogiou Senna, respeitoso após um período de descanso no Brasil. "O Mansell tem o melhor carro e isso é, sem dúvida, uma grande arma. Não me considero favorito, mas vou me empenhar ao máximo para marcar os cinco pontos que me garantirão o tricampeonato."
Em desvantagem na tabela, o Leão não adotou o discurso político de Senna e foi ofensivo em suas declarações antes do GP do Japão - curiosamente, disputado no mesmo final de semana em que Rubens Barrichello quebrava o recorde da pista de Vallelunga, na Itália, ao debutar na Fórmula 3.000. "Ayrton está tendo problemas para aceitar o fato de que está comendo poeira. Isso não acontecia com ele há muito tempo", ironizou. Alain Prost se intrometeu na disputa: "Conheço bem o Mansell e sei que ele vai forçar o ritmo para ganhar a corrida, já que não tem nada a perder. O Senna precisa fazer o mesmo. Ele não sabe ser conservador, como foi na Espanha".
A resposta de Ayrton não tardou. Incomodado com as provocações e com as ultrapassagens perigosas de Mansell em Barcelona, o brasileiro deu a entender que poderia repetir a polêmica da temporada anterior. Em 1990, ele deu uma resposta ao que Alain Prost fez em 1989 (causou uma colisão com o companheiro de McLaren, que acabou punido, para ficar com o título) e chocou o seu carro com o do francês para ser bicampeão mundial em Suzuka.
"Mansell tem de mudar se quiser que lutemos de modo apropriado. Caso contrário, o risco é acontecer um acidente. E não preciso nem dizer que, se isso ocorrer, o campeonato estará decidido para mim", ameaçou Senna. "Serei duro. Correndo por tudo ou nada nas últimas provas, o Mansell arriscou muito e teve sorte. Ele está mostrando que não tem nada a perder. Só que eu tenho menos ainda", acrescentou, antes de dizer que esperava "um bom espetáculo" para os japoneses após suas confusões com Alain Prost.
As intrigas com Mansell ficaram fora do circuito de Suzuka, com duas retas e dez curvas, poucos pontos de ultrapassagem e um asfalto conservado. Na corrida, o Leão percorreu esse trajeto por apenas dez voltas. Abandonou a prova por causa dos problemas nos freios de sua Williams e pareceu conformado com o vice-campeonato mundial. Acenou para eufóricos torcedores japoneses enquanto caminhava serenamente para os boxes e, sem deixar o autódromo, teve paciência para esperar a prova acabar para parabenizar o tricampeão Ayrton Senna."O Senna merece. Fiz tudo o que podia para detê-lo. Não perdi o campeonato no Japão. Perdi um pouco no Canadá, um pouco na Bélgica e um pouco em Portugal. É decepcionante, mas não triste", resignou-se Nigel Mansell. "Vamos deixar a pressão que carregamos de lado para trazer um pouco mais de alegria e companheirismo à Fórmula 1", incentivou Senna.
Antes de cumprimentar o piloto inglês, Ayrton fez jus ao seu comentário no GP de Suzuka. Já com o título assegurado, ele permitiu que o amigo Gerhard Berger, seu fiel escudeiro austríaco na McLaren, ganhasse pela primeira vez na carreira ao abrir passagem antes da linha de chegada.
"Doeu no coração deixar o Berger passar, mas era a minha vez de ajudá-lo. Esses quatro pontos eram importantes para ele no campeonato. Pude retribuir o esforço que o meu companheiro fez o ano inteiro em que trabalhamos juntos. A nossa relação é excelente", afirmou o brasileiro.
A vitória que importava já era de Senna, na classificação - ele ainda venceria em Adelaide e terminaria o ano com 96 pontos. A McLaren levou o troféu de construtores, mesmo sem o melhor carro. "Quando as Williams adquiriram resistência, a briga foi muito desigual", admitiu o tricampeão, definido em telegrama do então presidente da República Fernando Collor de Mello como alguém com "técnica, garra, determinação e, principalmente, nobreza de sentimentos".Mas Senna não foi tão político com os seus superiores na Fórmula 1. Após garantir o título, ele comemorou a troca do inimigo Jean-Marie Balestre por Max Mosley na presidência da extinta Federação Internacional de Automobilismo Esportivo (Fisa). Seu desabafo era motivado pela penalização e a suspensão temporária de sua superlicença pela confusão com Alain Prost em 1989. "Se você se f... cada vez que tenta fazer o seu trabalho limpo e correto, se o sistema te f..., se outras pessoas tentam se aproveitar disso, o que se deve fazer? Não é ficar atrás e consentir, agradecido por tudo. É lutar pelo que você tem direito", revoltou-se, sem economizar palavrões.
Boa parte da imprensa internacional ficou estarrecida porque Senna ainda sugeriu ter se vingado de Jean-Marie Balestre e de Prost ao provocar o acidente de 1990 - a atitude de deixar Berger vencer em Suzuka também foi criticada, dita como "gesto inútil e de mau gosto". A mídia italiana, no entanto, seguiu uma linha diferente e não se cansou de reverenciar o tricampeão. Para muitos especialistas, o brasileiro fatalmente superaria o recorde de cinco títulos (1951, 1954, 1955, 1956 e 1957) que Juan Manuel Fangio ainda detinha. "Ele corre por gosto. Não é uma questão de dinheiro. Senna tem alma nas corridas", apoiava o próprio argentino.
"Certamente Senna não tinha o melhor carro da temporada. E mais: sofreu muito com uma Williams-Renault superior. Por isso, tem hoje grandes motivos para ser feliz", determinou o jornal Gazzetta dello Sport. "Senna ainda ganhará muitos campeonatos. O recorde de Fangio começou a cair desde que Senna ganhou o seu primeiro título", concordou o concorrente italiano Tuttosport. Três anos mais tarde, o acidente de Ayrton Senna da Silva na curva Tamburello, justamente na Itália, acabou com a profecia do periódico de forma trágica e precoce.
Apelidado de "Il Leone" (O Leão) pelos torcedores da italiana Ferrari, por causa de seu estilo agressivo de pilotagem, Nigel Mansell costumava rugir mais do que o francês Alain Prost, grande rival de Ayrton Senna nos anos anteriores. "Não sou tão benevolente como Prost, e Senna sabe disso", o britânico provocou, quando começou a subir na tabela do campeonato de 1991. Nem a vida particular do brasileiro era perdoada. "É verdade que tentaram sequestrar a namorada de uma hora só do Senna?", perguntou, referindo-se à apresentadora Xuxa Meneghel, antes de pedir para o seu adversário ter "mais senso de humor". Mas o Leão era manso. Em comum com Senna, ele tinha a antipatia por Nelson Piquet - chegou até a ouvir de seu ex-companheiro de Williams que "gostava de mulher feia". O então bicampeão Ayrton, ao contrário, mostrava-se capaz de despertar admiração em Nigel Mansell, a ponto de ser visto como "brilhante" pelo rival no início da disputa de 1991. Vitorioso no circuito de Silvesrtone, na Inglaterra, o britânico deu outra prova de seu comportamento amistoso ao oferecer uma carona ao brasileiro, que subiu em cima do carro do rival depois de ficar a pé, vítima de uma pane seca.
No começo do ano, Mansell havia se habituado a ficar atrás de Senna. Novamente sem a concorrência de Alain Prost (foi para a Ferrari após a polêmica decisão de 1989) na McLaren, que encontrara bons ajustes para seus carros, o brasileiro ganhou de forma arrasadora as quatro primeiras corridas de 1991, nos Estados Unidos, no Brasil, em San Marino e em Mônaco.
Até quando sua McLaren falhava, Senna vencia. Em Interlagos, onde o brasileiro jamais havia conquistado um triunfo na Fórmula 1, restou ao seu carro somente a primeira e a sexta marchas, na liderança, a sete voltas do final. Mansell já estava fora da pista, porém seu companheiro Riccardo Patrese diminuía rapidamente a diferença de 36 segundos em relação ao primeiro colocado. Ayrton resistiu no asfalto molhado, com dores, e cruzou a linha de chegada chorando, com o público em êxtase. Sem forças, precisou de ajuda para chegar ao pódio e levantar o troféu. "Se esse era o preço de ganhar no Brasil, foi barato", bradou.
Na prova seguinte, em San Marino, Ayrton Senna se consolidou como favorito ao título de 1991. Chamado de "rei da chuva" por diversos jornais em razão do desempenho naquele Grande Prêmio, disputado sob temporal, ele apresentou a estabilidade que faltou a Alain Prost (rodou de maneira vexatória, ainda na volta de apresentação), Nigel Mansell, Nelson Piquet e Jean Alesi, entre outros. A vantagem para Prost na tabela de classificação passou a ser de 29 pontos. Sua McLaren era invejada. "Eu gostaria de ter aquele carro", disse Mansell.A situação se inverteu não muito tempo depois. Com um motor Renault mais potente e um câmbio semiautomático, a Williams assumiu a condição de construtora mais eficiente até o final da temporada. No Canadá, Senna abandonou a corrida e só teve motivo para festejar porque Nigel Mansell, depois de grande exibição, enfrentou problemas em seu carro e entregou a vitória para Nelson Piquet. A má fase de Ayrton se refletia em sua vida particular. Em Angra dos Reis (RJ), ele sofreu um acidente de jet ski que o premiou com muitos pontos no corpo - quase tantos quanto um bom resultado no asfalto lhe renderia na tabela da Fórmula 1.
No GP do México, mais um susto. Senna capotou na primeira sessão de treinos, ao atravessar em reta a curva Peraltada. A Williams fez a dobradinha naquela corrida, com o italiano Riccardo Patrese em primeiro lugar e Nigel Mansell em segundo. Chefe da McLaren, Ron Dennis ficou assustado com a ascensão da outra escuderia inglesa. "Vamos precisar trabalhar muito e administrar a nossa vantagem no campeonato". Alain Prost confiava em seu antigo patrão. "Conheço bem a McLaren. Eles vão reagir".
Emerson Fittipaldi foi o primeiro piloto brasileiro a se tornar campeão de Fórmula 1 (ganhou nas temporadas de 1972 e 1974). Na semana em que são comemorados o 30º aniversário da conquista inicial de Nelson Piquet e o 20º da última de Ayrton Senna, o bicampeão demonstrou a sua ansiedade para ver a galeria de vencedores do principal torneio do automobilismo mundial com mais representantes do Brasil.
"É muita comemoração em uma mesma semana. São datas importantes, sem dúvida. Mas temos que trabalhar para surgir um novo campeão. O terceiro título do Senna foi o último do Brasil na Fórmula 1", comentou Emerson, incomodado com o jejum de duas décadas sem conquistas.
Para Fittipaldi, Felipe Massa tem condições de se recuperar e entrar na história com uma temporada vitoriosa na Fórmula 1. "Ele possui talento de campeão. Só precisa se ajustar às circunstâncias. Nas últimas cinco provas, esteve à frente do Fernando Alonso, que eu considero o mais completo da categoria atualmente. O Felipe está andando muito rápido, e a Ferrari melhorou bastante para desafiar a Red Bull no ano que vem. Uma hora, a hegemonia dessa equipe vai acabar. Não dá para se eternizar na frente", palpitou.
Hoje, outras esperanças do Brasil na Fórmula 1 são o experiente e contestado Rubens Barrichello e um novato, com sangue de campeão: Bruno Senna, sobrinho de Ayrton.
O francês tinha razão. Com a McLaren mais confiável, Senna se recuperou com vitórias nos GPs da Hungria e da Bélgica, embora tenha perdido a chance de ser campeão em Barcelona porque Mansell fora arrojado e recebeu a bandeirada em primeiro lugar. A nova oportunidade de confirmar o título veio em Suzuka, pista de testes da Honda, onde o brasileiro era venerado. O que não abalava o otimismo do rival: "Se conseguirmos deixar toda a pressão com a McLaren e a Honda no Japão, pois eles teoricamente precisam vencer lá, voltaremos à briga. Não podemos pensar só na última corrida, na Austrália. Nosso carro é melhor. Temos cavalos de sobra".
A McLaren concordava com Nigel Mansell. Para não decepcionar a torcida japonesa, preparou um carro com bico mais fino e longo, gasolina especial e a versão aperfeiçoada do motos Spec-3 da Honda. "Estamos mais próximos da Williams agora, com mais pressão aerodinâmica", elogiou Senna, respeitoso após um período de descanso no Brasil. "O Mansell tem o melhor carro e isso é, sem dúvida, uma grande arma. Não me considero favorito, mas vou me empenhar ao máximo para marcar os cinco pontos que me garantirão o tricampeonato."
Em desvantagem na tabela, o Leão não adotou o discurso político de Senna e foi ofensivo em suas declarações antes do GP do Japão - curiosamente, disputado no mesmo final de semana em que Rubens Barrichello quebrava o recorde da pista de Vallelunga, na Itália, ao debutar na Fórmula 3.000. "Ayrton está tendo problemas para aceitar o fato de que está comendo poeira. Isso não acontecia com ele há muito tempo", ironizou. Alain Prost se intrometeu na disputa: "Conheço bem o Mansell e sei que ele vai forçar o ritmo para ganhar a corrida, já que não tem nada a perder. O Senna precisa fazer o mesmo. Ele não sabe ser conservador, como foi na Espanha".
A resposta de Ayrton não tardou. Incomodado com as provocações e com as ultrapassagens perigosas de Mansell em Barcelona, o brasileiro deu a entender que poderia repetir a polêmica da temporada anterior. Em 1990, ele deu uma resposta ao que Alain Prost fez em 1989 (causou uma colisão com o companheiro de McLaren, que acabou punido, para ficar com o título) e chocou o seu carro com o do francês para ser bicampeão mundial em Suzuka.
"Mansell tem de mudar se quiser que lutemos de modo apropriado. Caso contrário, o risco é acontecer um acidente. E não preciso nem dizer que, se isso ocorrer, o campeonato estará decidido para mim", ameaçou Senna. "Serei duro. Correndo por tudo ou nada nas últimas provas, o Mansell arriscou muito e teve sorte. Ele está mostrando que não tem nada a perder. Só que eu tenho menos ainda", acrescentou, antes de dizer que esperava "um bom espetáculo" para os japoneses após suas confusões com Alain Prost.
As intrigas com Mansell ficaram fora do circuito de Suzuka, com duas retas e dez curvas, poucos pontos de ultrapassagem e um asfalto conservado. Na corrida, o Leão percorreu esse trajeto por apenas dez voltas. Abandonou a prova por causa dos problemas nos freios de sua Williams e pareceu conformado com o vice-campeonato mundial. Acenou para eufóricos torcedores japoneses enquanto caminhava serenamente para os boxes e, sem deixar o autódromo, teve paciência para esperar a prova acabar para parabenizar o tricampeão Ayrton Senna."O Senna merece. Fiz tudo o que podia para detê-lo. Não perdi o campeonato no Japão. Perdi um pouco no Canadá, um pouco na Bélgica e um pouco em Portugal. É decepcionante, mas não triste", resignou-se Nigel Mansell. "Vamos deixar a pressão que carregamos de lado para trazer um pouco mais de alegria e companheirismo à Fórmula 1", incentivou Senna.
Antes de cumprimentar o piloto inglês, Ayrton fez jus ao seu comentário no GP de Suzuka. Já com o título assegurado, ele permitiu que o amigo Gerhard Berger, seu fiel escudeiro austríaco na McLaren, ganhasse pela primeira vez na carreira ao abrir passagem antes da linha de chegada.
"Doeu no coração deixar o Berger passar, mas era a minha vez de ajudá-lo. Esses quatro pontos eram importantes para ele no campeonato. Pude retribuir o esforço que o meu companheiro fez o ano inteiro em que trabalhamos juntos. A nossa relação é excelente", afirmou o brasileiro.
A vitória que importava já era de Senna, na classificação - ele ainda venceria em Adelaide e terminaria o ano com 96 pontos. A McLaren levou o troféu de construtores, mesmo sem o melhor carro. "Quando as Williams adquiriram resistência, a briga foi muito desigual", admitiu o tricampeão, definido em telegrama do então presidente da República Fernando Collor de Mello como alguém com "técnica, garra, determinação e, principalmente, nobreza de sentimentos".Mas Senna não foi tão político com os seus superiores na Fórmula 1. Após garantir o título, ele comemorou a troca do inimigo Jean-Marie Balestre por Max Mosley na presidência da extinta Federação Internacional de Automobilismo Esportivo (Fisa). Seu desabafo era motivado pela penalização e a suspensão temporária de sua superlicença pela confusão com Alain Prost em 1989. "Se você se f... cada vez que tenta fazer o seu trabalho limpo e correto, se o sistema te f..., se outras pessoas tentam se aproveitar disso, o que se deve fazer? Não é ficar atrás e consentir, agradecido por tudo. É lutar pelo que você tem direito", revoltou-se, sem economizar palavrões.
Boa parte da imprensa internacional ficou estarrecida porque Senna ainda sugeriu ter se vingado de Jean-Marie Balestre e de Prost ao provocar o acidente de 1990 - a atitude de deixar Berger vencer em Suzuka também foi criticada, dita como "gesto inútil e de mau gosto". A mídia italiana, no entanto, seguiu uma linha diferente e não se cansou de reverenciar o tricampeão. Para muitos especialistas, o brasileiro fatalmente superaria o recorde de cinco títulos (1951, 1954, 1955, 1956 e 1957) que Juan Manuel Fangio ainda detinha. "Ele corre por gosto. Não é uma questão de dinheiro. Senna tem alma nas corridas", apoiava o próprio argentino.
"Certamente Senna não tinha o melhor carro da temporada. E mais: sofreu muito com uma Williams-Renault superior. Por isso, tem hoje grandes motivos para ser feliz", determinou o jornal Gazzetta dello Sport. "Senna ainda ganhará muitos campeonatos. O recorde de Fangio começou a cair desde que Senna ganhou o seu primeiro título", concordou o concorrente italiano Tuttosport. Três anos mais tarde, o acidente de Ayrton Senna da Silva na curva Tamburello, justamente na Itália, acabou com a profecia do periódico de forma trágica e precoce.
Fonte: terra.com.br
Disponível no(a):http://esportes.terra.com.br
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