7 de set. de 2011
A misteriosa história do Emme Lotus 422T
Tinha 14 ou 15 anos na época. Estava a bordo de um Santana na via Dutra entre Taubaté e São José dos Campos. O motorista do Santana estava a uns 100 km/h e eu estava entediado quando um vulto amarelo de formas estranhas entrou em meu campo de visão e foi embora tão rápido quanto apareceu. Quando vi o emblema amarelo e verde na traseira ao lado da inscrição 422T, percebi que estava diante do misterioso “Lotus Brasileiro”.
A história do Emme 422T é totalmente nebulosa, e a única prova de que ela foi verdadeira são as poucas unidades produzidas entre 1997 e 1999, antes de a empresa fechar as portas e desaparecer para sempre. Tudo começa em 1996, quando surgiram os boatos de que a Lotus teria uma linha de montagem no Brasil, no município paulista de Pindamonhangaba. O modelo vinha sendo projetado na Suíça desde 1987: um sedã de alto desempenho, construído segundo a filosofia dos esportivos da Lotus para ser o mais veloz do mundo em sua categoria.
Naquele mesmo ano, instalou-se na cidade a Megastar Veículos, braço brasileiro de um grupo sediado em Liechtenstein chamado New Concept S/A. O investimento total foi de 156 milhões de dólares para produzir carros e motonetas que seriam exportados para todo o mundo.
Até então, tudo o que se sabia sobre a empresa eram as informações que “vazavam” da prefeitura de Pindamonhangaba e de poucas pessoas ligadas ao projeto. Nada de comunicados à imprensa, nenhuma publicidade. Nem mesmo uma apresentação dos carros, um teaser ou um conceito. O primeiro flagra do “Lotus Brasileiro” foi feito por Fabrício Samahá, atualmente editor do Best Cars Website, e publicado na revista Autoesporte de dezembro de 1996. As fotos revelavam o nome do misterioso sedã: Emme Lotus 422T.
Mesmo sem apresentações à imprensa, a fabricante conseguiu um bom espaço na mídia, entusiasmada com a possibilidade de haver um carro de luxo nacional capaz de competir com modelos tradicionais e já estabelecidos. É importante lembrar que estávamos em 1997, pouco antes da inauguração da fábrica da Honda, quando a produção nacional de automóveis ainda resumia-se a Ford, GM, Volkswagen e Fiat.
O Emme foi lançado oficialmente em outubro de 1997, quando a Megastar os apresentou ao público do Brasil Motor Show – um evento realizado nos anos em que não havia Salão do Automóvel. No evento, as versões do modelo foram exibidas ao lado das scooters Mirage 50, também montadas na fábrica de Pindamonhangaba. Segundo o material informativo distribuído na ocasião, o modelo teria 87% de nacionalização, contando com motores nacionais inclusive.
Haveria três versões, duas equipadas por um motor 2.0 16 válvulas alegadamente desenvolvido pela própria Megastar, e a versão topo-de-linha 422T, equipada com o motor Lotus 910, um 2.2 turbo de 264 cv que equipou o esportivo Esprit na década de 80. A velocidade máxima do Emme 422T seria de 273 km/h, com aceleração de zero a 100 km/h em cinco segundos.
O carro voltaria a ser exibido no ano seguinte para o 20º Salão do Automóvel, desta vez já a venda ao público interessado. Em seguida a Megastar abriu uma concessionária na capital paulista, mas a loja logo acabou descredenciada. Sem concessionárias, a fábrica passou a procurar parceiros de representação pelo país, mas não obteve sucesso. Com a desvalorização do real em 1999, as vendas do Emme e das scooters foram suspensas e no ano 2000 foi declarada a falência da Megastar Veículos.
Se a história acabasse por aqui, ela seria um tanto mal contada, não? Afinal, como uma empresa multinacional com investimento local estimado em 200 milhões de dólares que associou-se à marca Lotus e tinha pretensões de construir o sedã mais veloz do mundo pode simplesmente receber um terreno da prefeitura, construir uma fábrica e desaparecer cinco anos depois deixando pouco mais que dez carros construídos e um parque industrial abandonado?
Um dos compradores do Emme também fez esta pergunta e resolveu procurar as respostas por conta própria. Ronaldo Franchini, um engenheiro de Belo Horizonte, foi pessoalmente ao gabinete do Secretário de Planejamento de Pindamonhangaba atrás de esclarecimentos a respeito do fabricante de seu carro. Surpreendentemente ninguém na prefeitura soube dizer a Franchini quem eram os responsáveis pela Megastar Veículos.
Sabe-se que a empresa tinha um escritório em São Paulo, em uma sala comercial no bairro Itaim, mas a sala não tinha nenhum tipo de identificação. A informação vem do jornalista Luiz Alberto Pandini, que ao prospectar a empresa apresentou um planejamento de assessoria de imprensa onde sugeria que a Megastar convidasse os jornalistas especializados para conhecer a fábrica. Foi o bastante para que o funcionário da fabricante ficasse visivelmente apreensivo e encerrasse a reunião.
Além do secretário, Franchini também conseguiu muitas informações com um ex-técnico da empresa. Foi assim que descobriu que o vínculo com a Lotus jamais existiu. A Megastar apenas comprou os motores que não seriam mais utilizados no Esprit, uma vez que a Lotus passou a equipar seu esportivo com um novo motor V8 em 1996. Somente dois em cada dez motores importados eram aproveitados. Como eram refugo da fábrica inglesa, a maior parte das unidades tinha vários tipos de problemas e alguns carros foram montados com essas unidades defeituosas.
A moldagem e injeção da carroceria de VeXtrim – um tipo de polímero plástico de alta resistência desenvolvido e patenteado pela própria Megastar – eram realmente realizadas em Pindamonhangaba. Com o uso do polímero, seria possível utilizar máquinas capazes de injetar 160 moldes sendo operadas por apenas duas pessoas, o que seria suficiente para fazer uma carroceria completa em 12 minutos.
A previsão otimista demais resultou no pior dos defeitos do Emme: as peças não tinham tolerância dimensional, ou seja, as peças sobressalentes não se encaixariam no lugar original. Ao substituir um capô, tampa do porta-malas, porta ou qualquer outra parte da carroceria, seria preciso fazer um trabalho de ajuste da peça para que elas se encaixassem corretamente. A imprecisão afetou também o acabamento interno, que têm rebarbas, folgas e vãos desiguais. A ergonomia também fica longe de ser exemplar: o painel tem mais de 30 botões divididos entre comandos de ventilação e ar condicionado, acionamento dos faróis e acessórios elétricos. Outra característica da montagem do Emme era a utilização de peças de outros carros, como o conjunto de farois de neblina e piscas dianteiros do Ford Escort XR3, que havia sido descontinuado em 1995.
Com a intenção de exportar carros para a Europa e EUA, a Megastar levou um Emme 422 T que usou para rodar por Monte Carlo (veja vídeo abaixo), porém os carros não tinham airbags nem ABS, itens obrigatórios para a homologação de automóveis de passeio na União Europeia.
Além dos motores Lotus, a Megastar teria supostamente desenvolvido um propulsor próprio, um 2.0 com cabeçote de 16 válvulas que equiparia os modelos 420 (aspiração natural) e 420T (turbocompressor). Este motor tinha algumas semelhanças com o EA827 da Volkswagen, como o diâmetro e curso dos pistões de 82,5 mm e 92,8 mm respectivamente. E se essa coincidência não inspira muita credibilidade e gera desconfiança sobre a empreitada, ainda há a semelhança entre o Emme e o conceito Volvo EEC de 1992, que mais tarde se tornaria o Volvo S80.
Sendo engenheiro, Franchini estima que, pelo que viu em Pindamonhangaba, o investimento da Megastar não passou de 15 milhões – menos de 10% do total informado pela empresa à prefeitura, que concedeu terreno e benefícios para a instalação da fábrica na cidade. Tal investimento seria absolutamente insuficiente para construir uma planta capaz de desenvolver e fabricar automóveis e motores.
Franchini chegou a criar um site para disseminar informações e encontrar os proprietários do Emme. No começo da década passada, contudo, ele decidiu vender seu 422T a um colecionador paulista e o site foi desativado em 2002.
Até hoje não se sabe publicamente quem foram os responsáveis pela Megastar, nem como a prefeitura de Pindamonhangaba aprovou benefícios e concessões a uma sociedade completamente desconhecida. De onde veio a Megastar? O que aconteceu com a New Concept S/A? Por que a Lotus nunca se pronunciou a respeito tendo sua marca vinculada? E porque aparentemente nenhuma mídia da época foi conferir com a Lotus se a parceria industrial era tudo isso mesmo que se dizia?
Pode ter sido uma aventura de empresários endinheirados, embalados pelo bom momento do mercado automotivo nacional, ou algum esquema de fraude. Só lembro que por um breve momento acreditamos que teríamos um Lotus nacional (veja o tom das reportagens na galeria) e que finalmente nossa tecnologia automotiva seria comparável às dos países de Primeiro Mundo.
Não deu certo.
Fonte: jalopnik
Disponível no(a)http://www.jalopnik.com.br
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