Cada época tem o seu gênio maior. A galeria de pilotos predominantes que termina (por enquanto) em Schumacher e que passa por Senna, Clark e Fangio começa lá na década de 30, quando três craques da nascente modalidade duelavam acima dos outros: os alemães Bernd Rosemeyer e Rudolf Caracciola e o italiano Tazio Nuvolari. Na maior corrida daqueles turbulentos tempos entre guerras, Nuvolari conquistou a glória na última volta – e na casa dos adversários.
Pode parecer difícil, em pleno 2011, avaliar com exatidão o grau de coragem e loucura necessários para ser um piloto de corrida oitenta anos atrás. Os Alfas, Maseratis e Bugattis eram carros pequenos e abertos, sem cinto de segurança, com pneus finos e potência na casa dos 300 cavalos – e já nem eram os mais rápidos. Tazio Nuvolari, nascido em 1892 na Mantova, quebrou boa parte dos ossos ao longo de sua carreira sobre duas e quatro rodas.
Em 1935, a indústria alemã havia entrado para valer nas corridas de Grand Prix. Mercedes-Benz e Auto Union receberam quantidades similares de investimento por parte do governo nacional-socialista que logo tornaria-se mais conhecido como nazismo. Política e ideologia à parte, as Flechas de Prata entraram para a história como máquinas quase invencíveis. O quase foi culpa do trabalho conjunto de três legendas italianas: Alfa Romeo, Enzo Ferrari e Tazio Nuvolari.
A Scuderia Ferrari: Tazio Nuvolari (no centro, com a garrafa na boca) e Enzo Ferrari (ao seu lado, de casaco branco) |
Rudolf Caracciola venceu a primeira corrida da temporada em Spa-Francorchamps com a Mercedes, e uma grande festa foi organizada para o GP de Nürburgring. Quatro carros da Auto Union, cinco da Mercedes e um público estimado em 300 mil pessoas prometiam a vitória naquele que, sob qualquer aspecto, era o maior desafio para monopostos: 22,8 quilômetros de retas, curvas e relevo, e uma média de 11 minutos para cada volta em condições ideais. Uma corrida de duas horas rendia pouco mais de dez voltas. O GP de Nürburgring de 1935 teria vinte e dois giros: quatro horas de duração no mínimo. Para complicar, havia chuva e neblina no dia da prova.
Nada disso, claro, era suficiente para intimidar os culhões daqueles caras. O Mercedes de Caracciola pulou na frente na largada, seguido por uma completa divisão panzer alemã: os Auto Union Type B de Bernd Rosemeyer, Hans Stuck, Achille Varzi e Paul Pietsch, os Mercedes-Benz W25 de Manfred von Brauchitsch, Hanns Geier, Hermann Lang e Luigi Fagioli, e um único e solitário Alfa Romeo Tipo B/P3 no pelotão da frente, pilotado por Nuvolari.
Como sempre acontece no automobilismo, o piso molhado nivelou o desempenho dos carros. Mais do que isso, Nuvolari passava por uma fase sobrenatural. Enquanto Caracciola e Rosemeyer lutavam pela ponta, a partir da nona volta o italiano começou a voar. Foi o primeiro a cravar tempos abaixo dos 11 minutos, deixou a maioria dos boches para trás, passou os dois principais pilotos da Mercedes e da Auto Union e assumiu a liderança!
Rosemeyer, o mais agressivo de todos, já havia feito uma troca de pneus e recuperado todo o tempo perdido, numa performance de levantar o público. Na volta nº11, com quase duas horas de prova, Nuvolari era seguido por Rosemeyer, von Brauchitsch e Caracciola, e então os quatro entraram nos pits quase ao mesmo tempo.
Von Brauchitsch foi o mais rápido (47 segundos) e saiu na frente, seguido por Caracciola (67 segundos) e Rosemeyer (75 segundos). Pior para Tazio: a bomba de combustível da Scuderia Ferrari quebrou, e sua parada nos boxes durou nada menos que 2 minutos e 14 segundos.
Ter a vida complicada por erros da Ferrari nos boxes provaria-se uma constante, mas Nuvolari deve ter realmente ficado puto da vida, pois acelerou ainda mais o ritmo de sua pilotagem. Em apenas uma volta – ok, eram quase 23 quilômetros – ele pulou da sexta para a segunda posição. E então a pista começou a secar.
Na volta nº 14, a diferença do líder para Nuvolari era de 86 segundos. Com a pista seca, o desgaste dos pneus começou a se acentuar, e o italiano teve mais habilidade no cuidado com a borracha. Mesmo com os pneus em condição lamentável, von Brauchitsch decidiu continuar na pista até o fim, na fé e na coragem, e abriu a última das vinte e duas voltas com uma vantagem de 35 segundos.
Alfred Neubauer, o famoso chefe de competições da Mercedes, deveria ter ordenado um pit stop ao seu piloto quando a vantagem permitia trocar os pneus e voltar na liderança. Bem no Carrossel, o pneu traseiro esquerdo de von Brauchitsch se arrebentou. O alemão continuou a rodar em ritmo arrastado, e para desespero de todo o público acabou ultrapassado por Nuvolari e logo depois por Stuck, Caracciola e Rosemeyer.
A classificação final teve oito carros alemães nos nove primeiros lugares, mas a vitória ficou com a única Alfa que terminou a prova. Aos 42 anos, com um carro inferior, após quatro horas e oito minutos de corrida, e a anos-luz de personal trainers e nutricionistas, Tazio Nuvolari acabara de conquistar a maior vitória de sua carreira. Autoridades nazistas deram um jeito de sumir, e o público acabou aplaudindo a performance fantástica de todos os envolvidos.
Esta geração de pilotos teria a carreira interrompida pela Segunda Guerra Mundial, a partir de 1939. Nuvolari e Caracciola encerraram suas atividades nos anos 50, com idade já avançada. Bernd Rosemeyer, por sua vez, morreu numa célebre tentativa de recorde de velocidade em 1938. Todos possuem percentuais de vitória acima dos 20% nos GPs que disputaram, e todos foram campeões do Campeonato Europeu, o equivalente na época ao Mundial de F1, no que muitos chamam de a Era de Ouro do Automobilismo.
Ferdinand Porsche, que acompanhou tudo isso de perto, fez a descrição mais clássica de Nuvolari:
“O maior piloto do passado, do presente e do futuro“.
Fonte: jalopnik
Disponível no(a):http://www.jalopnik.com.br
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