6 de mai. de 2011

QQ - análise ponto a ponto do novo Chery

Fotos: Jorge Rodrigues Jorge/CZ
QQ - análise ponto a ponto do novo Chery

Pulo do gato - Impulsionada pelo pequeno QQ, Chery quer saltar dos 7.880 carros vendidos no Brasil no ano passado para 25 mil em 2011

por Luiz Humberto Monteiro Pereira

    Os fabricantes de automóveis chineses aparentemente cansaram de mordiscar pelas beiradas o mercado brasileiro. Depois de ensaiar seu desembarque no país no segmento de utilitários – com marcas como Effa Hafei, Chana e CN Auto –, agora atacam o coração das vendas nacionais de automóveis: os hatches compactos. A Chery desembarcou no ano passado o Face – média de 380 unidades mensais – e a JAC Motors trouxe em março desse ano o J3 – 1.316 unidades em abril, o primeiro mês completo de vendas. Agora a Chery resolveu ir mais fundo e traz para o Brasil o QQ. Que já desembarca exibindo seu “cartão de visitas”: é o automóvel de preço mais baixo comercializado no país. Custa R$ 22.900, oferecido apenas em uma versão, bem equipada e sem opcionais. E as metas da Chery são ambiciosas: espera obter uma média mensal de 1.500 QQ vendidos, entre maio e dezembro.


    A marca chinesa prevê que o QQ seja responsável por quase metade dos 25 mil automóveis que a empresa planeja desembarcar por aqui em 2011 – um crescimento anual superior a 220%, levando-se em conta as 7.800 unidades comercializadas em 2010. Para 2013, a ideia é produzir os modelos A3 e S18 na fábrica brasileira que a empresa pretende construir na cidade paulista de Jacareí, com investimento de US$ 400 milhões. Ou seja, a Chery quer deixar claro que é uma empresa acostumada a produzir automóveis de baixo custo em larga escala – e não viria ao Brasil apenas para disputar nichos de mercado.

    O QQ desembarca com um inegável “background” – é o automóvel mais vendido da Chery e frequenta o ranking dos 20 mais vendidos do cobiçado mercado chinês. A estratégia foi trazer uma versão única e com muitos equipamentos de série – duplo airbag, ABS com EBD, rádio CD-player com MP3 e entrada USB, ar-condicionado, portas e espelhos elétricos –, exatamente para contrastar com a extrema avareza de equipamentos de fábrica dos modelos produzidos no Brasil na faixa mais próxima de preços. No caso, o Fiat Mille, que começa em R$ 23.850, o Ford Ka, que inicia em R$ 25.240, o Renault Clio, que é vendido por R$ 25.890, o Chevrolet Celta, que parte dos R$ 27 mil, e o Gol G4, com preço inicial de R$ 27.530. Todos esses valores são de versões de duas portas, em modelos desprovidos dos equipamentos que vêm de série no QQ, só disponível com quatro portas.

    Já em termos de motorização, o QQ se diferencia dos concorrentes de preço similar por ter um motor 1.1 movido apenas a gasolina – os outros são 1.0 flex. Mas a potência de 68 cv em 6 mil rpm e o torque de 9,1 kgmf entre 3.500 e 4 mil giros o devolvem ao grupo. Só supera em potência o Mille, que tem 65 cv e os mesmos 9,1 kgmf. O Gol G4 tem os mesmos 68 cv e 9,4 kgmf, o Ka tem 69,3 cv e 9 kgmf, o Clio tem 76 cv e 10 kgmf e o Celta tem 77 cv e 9,5 kgmf – dados obtidos apenas com gasolina no tanque  Com etanol, as potências se elevam em cerca de um cavalo.

    No aspecto estético, o QQ até que se posiciona um pouco melhor. Os veteraníssimos Mille, Gol G4 e Clio e os recentemente retocados Ka e Celta  são modelos de aspecto mais conservador que o “fofinho” QQ. Isso apesar do design do carro chinês ser originário do Italdesign Lucciola, conceito desenvolvido em 1993 pela empresa de designers italiana para o Fiat Cinquecento.

     A história de como o projeto italiano foi parar nas mãos da Chery é polêmica. O conceito Lucciola não foi aproveitado pela Fiat, mas deu origem ao Daewoo Matiz, em 1998. Quando a marca sul-coreana foi adquirida pela General Motors, em 2001, a empresa norte-americana resolveu desenvolver sobre a mesma plataforma o Spark, que só chegou ao mercado em 2005. Mas a Chery já havia lançado em 2003 um modelo idêntico – o QQ. A marca chinesa alegou que havia adquirido os direitos sobre o design do Matiz antes da incorporação da Daewoo pela GM. O caso foi parar nos tribunais e nunca se chegou a um veredito. A atual geração do Spark não traz mais os faróis redondos herdados do Matiz, mas o QQ conserva basicamente a mesma aparência há oito anos.

    Nem só de aparências e equipamentos se faz um compacto bom de vendas. Questões como qualidade construtiva, confiabilidade mecânica, comportamento dinâmico e atendimento pós-vendas ainda levarão algum tempo de mercado para serem respondidas pela Chery e pelo QQ – como acontece com qualquer novato. E é dessas respostas que vai depender o sucesso dos ousados planos da marca chinesa no Brasil.


Ponto a ponto

Desempenho – Embora os números de 68 cv de potência e 9,1 kgfm de torque não insinuem nenhuma exuberância, por ser um carro de apenas 890 kg, o QQ retoma velocidade com presteza similar aos 1.0 nacionais. Até sobe ladeiras íngremes com quatro pessoas a bordo sem muito embaraço – apesar do barulho excessivo. Só não é um carro para quem gosta de correr, já que a velocidade máxima, segundo a Chery, é 130 km/h. Ou seja, trata-se um veículo para uso urbano. Nota 6.

Estabilidade
– A suspensão é mole demais em relação aos compactos nacionais e o carro torce de forma alarmante nas curvas – nem precisam ser em alta velocidade. Mesmo em retas, acima dos 90 km/h, o QQ já transmite sensação de instabilidade. Quando ultrapassado por veículos maiores – como ônibus –, a oscilação causada pelo golpe de ar é perceptível. A marca fala em velocidade máxima de 130 km/h, mas o comportamento dinâmico não aconselha que o motorista ultrapasse os 100 km/h. Além disso, os pneus aro 13 parecem inadaptados ao tamanho dos buracos brasileiros. Nota 4.

Interatividade
– O interior é bem despojado e o posicionamento dos comandos é razoável. A presença do rádio CD-player com MP3 e entrada USB e dos controles do ar-condicionado dão um aspecto mais tecnológico ao painel. O curso extremamente curto do pedal da embreagem torna seu acionamento um tanto sutil demais – é comum que o motorista deixe o carro “morrer” algumas vezes até se acostumar a mover o pé esquerdo de forma tão discreta. O engate das marchas não é muito preciso nem “receptivo” – as marchas precisam ser engatadas até o fim para realmente entrarem. No painel, informações de consumo só aparecem no modo instantâneo – uma média do último trecho seria bem mais útil – e, mesmo assim, em litros por 100 km e não no habitual km/l. Nota 6.

Consumo – A Chery do Brasil fala em 13,5 km/l na cidade e 17,5 km/l na estrada – ou 16,2 km/l, em circuito combinado com 2/3 de trajeto urbano e 1/3 de trajeto rodoviário. Com se trata de um modelo como motor 1.1 de 68 cv movido apenas a gasolina – a marca promete ter um motor flex em 2012 – e com peso de 890 kg, dá para acreditar. Se tal média de consumo se confirmar na prática, será um dos pontos altos do QQ. Nota 9.

Conforto – A Chery afirma que o QQ transporta cinco pessoas de forma confortável – mas não vale a pena experimentar, sob pena de entorpecimento generalizado nos ocupantes do banco traseiro. Com quatro a bordo, o espaço é coerente com  o segmento de compactos. O que compromete o conforto da viagem é a suspensão “gelatinosa”, que causa uma sensação desagradável de instabilidade a bordo, principalmente se o motorista insistir em andar rápido. Os pneus aro 13 também não colaboram com o conforto, assim como os bancos finíssimos e de aspecto frágil. Nota 5.

Tecnologia –
A arquitetura do QQ é derivada do Daewoo Matiz, lançado há 13 anos. O próprio QQ já existe há 8 anos. Pelo menos a Chery do Brasil adotou como estratégia trazer o carro apenas em uma versão com muitos equipamentos, para levar vantagem na comparação com os compactos nacionais de preço aproximado – que chegam ao consumidor “peladíssimos”. A presença de itens de segurança de série, como duplo airbag e ABS, dá algum “appeal” tecnológico ao compacto chinês. Nota 7.

Habitabilidade
– O isolamento acústico aparentemente foi posto em segundo plano no QQ. Provavelmente é um dos carros mais barulhentos vendidos no país. A ponto de, depois que se liga o carro e começa a rodar, se tornar necessário aumentar bastante o som do rádio – caso contrário, não se escuta quase nada. Pessoas que gostem de conversar enquanto dirigem também irão ter dificuldade em escutar o que os outros falam. Já os acessos ao QQ são corretos. O porta-malas leva apenas 190 litros. Nota 6.

Acabamento – Rebarbas, soldas de aspecto improvisado e parafusos aparentes surgem em profusão. Há peças no painel – como a tampa da entrada USB do rádio – de uma fragilidade tal que lembram os brinquedos compatriotas do QQ. A tampa do porta-luvas dá a impressão de que vai ficar na mão de quem a utilizar em pouco tempo – parece mal encaixada. Sem contar no evidente desalinhamento de diversas peças. A tampa do capô, por exemplo, de um lado fica ligeiramente acima do paralamas dianteiro e do outro um pouco abaixo. Como a falha foi observada em quatro unidades disponíveis no teste de apresentação, não dá para crer que se trate de uma “falha de unidade”. Assimetrias nos vãos podem ser observadas facilmente em diversas junções em peças internas e externas do QQ. O conceito de controle de qualidade na montagem aparentemente ainda precisa ser desenvolvido na linha do compacto da Chery. Nota 4.

Design
– Apesar de não esconder seus 13 anos de idade, o design do QQ – herdado do Daewoo Matiz, de 1998 – ainda aparenta algum frescor em relação aos decanos concorrentes Gol G4, Clio e Mille. Mesmo os nem tão antigos Ka e o Celta têm estilo mais conservador. O QQ, com seus simpáticos faróis redondos, ostenta um ar de novidade, se difere bem dos concorrentes brasileiros e pode “comover” muita gente. Nota 7.

Custo/Benefício
– O QQ é oferecido por R$ 22.900 e é o automóvel com preço mais baixo oferecido do mercado. Está longe de ser barato, principalmente quando se observa os preços dos automóveis no exterior, mas é um diferencial importante num país de automóveis caríssimos como o Brasil. Efetivamente traz de série diversos itens de conforto e segurança ausentes nos concorrentes. Mas a estabilidade deficiente – causada pela suspensão extremamente mole e pelos pneus aro 13 –, o acabamento que esbanja falhas e a ineficiência do isolamento acústico tornam questionáveis os reais benefícios de tantos equipamentos. Um conjunto suspensivo mais adaptado às características do mercado nacional, acompanhado de um acabamento menos tosco e de um mínimo de isolamento acústico como “itens de série” talvez fossem mais bem-vindos do que boa parte dos equipamentos oferecidos. Mas é fato que itens como ABS e airbags realmente contribuem com a segurança de qualquer carro. Sem tais “aditivos” de segurança e marketing, as chances do QQ no Brasil seriam bem menores. Nota 7.

Total – O Chery QQ somou 61 pontos em 100 possíveis.

Primeiras impressões

Questão de valor

por Luiz Humberto Monteiro Pereira


    O teste de apresentação – realizado em apenas 20 km de trajeto urbano na cidade do Rio de Janeiro – deixou claro que o QQ merecia ter sido melhor adaptado às características exigidas pelo consumidor brasileiro antes de ser lançado por aqui. A suspensão é evidentemente calibrada para o gosto do consumidor chinês, que normalmente aprecia conjuntos suspensivos bem macios. Já o brasileiro valoriza modelos de comportamento mais esportivo, algo que não se combina bem com um conjunto suspensivo tão pouco rígido.

    O motor de 68 cv e 9,1 kgmf, apesar do torque máximo só estar disponível entre 3.500 e 4 mil giros e da potência máxima surgir apenas aos 6 mil, dá conta de mover com agilidade os “magros”  890 quilos em ordem de marcha do QQ. O carro sai da inércia com facilidade, apesar do câmbio pouco preciso, ganha velocidade de forma razoável e até sobe ladeiras íngremes com desembaraço. O problema é a sensação de instabilidade que a suspensão amolecida transmite ao modelo, já a partir dos 80 km/h. Nas curvas, mesmo em velocidades baixas, o QQ sacoleja bastante – o que resulta em desconforto para motorista e passageiros. As rodinhas aro 13 também não ajudam a atenuar o problema. Além de serem pouco adequadas aos eventuais buracos na pista, lamentavelmente tão comuns nas cidades brasileiras.

    Outro fator que chama a atenção é o fraco isolamento acústico. O ruído excessivo, em conjunto com os sacolejos causados pela suspensão, transmite a quem está no carro uma pouco reconfortante sensação de fragilidade. Quando exigido de forma ligeiramente mais esportiva, o QQ faz barulho e sacoleja de um jeito que desestimula que o motorista continue a acelerar. Em níveis mais “pacatos” de exigência, é óbvio que tais inconvenientes se tornam menos perceptíveis.

    Os sinais exteriores de baixa qualidade construtiva também não deixam boa impressão. Não é difícil encontrar folgas de variados tamanhos entre diversas peças, por dentro e por fora do carro, além de eventuais soldas de tosco acabamento na entrada do porta-malas e parafusos aparentes. Alguns materiais e revestimentos utilizados parecem frágeis demais para o que se costuma esperar de um automóvel, mesmo no mercado brasileiro. E a aparente falta de precisão na montagem, em conjunto com a suspensão molenga e o barulho excessivo, reforça a percepção de fragilidade transmitida pelo QQ.

    Para rebater as críticas, a Chery optou por trazer ao Brasil um QQ com muitos equipamentos não disponíveis nos modelos nacionais da faixa de preços próxima ao modelo chinês, como duplo airbag, ar-condicionado, rádio/CD player MP3 com entrada USB e freios ABS, entre outros. A equação que irá se formar na cabeça de muitos consumidores é saber se tais equipamentos, os três anos de garantia, o preço mais baixo que os concorrentes e o design simpático do QQ compensam as inadequações aos padrões dinâmicos, acústicos e construtivos do segmento de carros compactos de entrada no Brasil. Padrões que nesse segmento, por sinal, são os mais baixos da indústria automotiva nacional. As vendas nos próximos meses indicarão o resultado encontrado pelo mercado brasileiro.



Fonte: motordream
Disponível no(a):http://motordream.uol.com.br

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