7 de mai. de 2011

O mito Henri Toivonen, 25 anos depois



Existe um mecanismo automático de atenção ativado toda vez que algum piloto é comparado a Ayrton Senna, Gilles Villeneuve e Jim Clark. No último final de semana, em meio à agitação da Indy em São Paulo, muita gente citou os 17 anos da morte de Senna. Mas outro ícone do esporte motorizado deixou lembranças eternas na mesma época, vinte e cinco anos atrás: o finlandês Henri Toivonen, o mártir do Grupo B.


Por ironia, o protagonista do acidente de maiores consequências na história dos ralis foi incentivado a abandonar os monopostos em favor das competições off-road pois os pais achavam corridas de Fórmula muito perigosas. A família Toivonen acumulava grande tradição no assunto: seu pai, Pauli Toivonen, foi campeão europeu de rali em 1968. Em 1975, com apenas 19 anos, o jovem Henri já disputava (de forma meio improvisada) pela primeira vez o World Rally Championship (WRC), na etapa realizada em sua terra natal. Como a Finlândia inteira tem menos habitantes que a cidade do Rio de Janeiro, não é uma coincidência assim tão grande o fato de o kart aposentado de Toivonen ter sido vendido para os pais de Mika Hakkinen.
Em 1977, alcançou um surpreendente quinto lugar contra os melhores pilotos do mundo, novamente na etapa finlandessa do WRC. Sua pilotagem audaciosa e tênue começou a atrair a atenção das equipes de fábrica, que passaram a chamá-lo para algumas provas. Em 1980, finalmente assina contrato para uma temporada inteira com a inglesa Talbot para correr com o hatch Sunbeam Lotus, um escalador de montanhas com motor Lotus de 2,2 litros, quatro cilindros, 16 válvulas e 237 cavalos, que deu azar de cair junto com a ascensão dos poderosos Audi Quattro A1 no então Grupo 4.

Sua máquina estava longe do favoritismo, e Henri nunca seria muito bom em estabelecer parcerias sólidas com navegadores, como ocorre na maioria das duplas consagradas. Seu estilo exuberante demandava o mínimo de instruções, e rendia o máximo quando ele “improvisava”, como gostava de dizer. Na última etapa daquele ano, o tradicional RAC Rally da Grã-Bretanha, a mágica deu certo, e Toivonen e o navegador Paul White conquistaram uma vitória que nem a Talbot esperava. Aos 24 anos, tornou-se a pessoa mais nova a faturar uma etapa do WRC.

Foi sétimo colocado no Mundial de 1981, e no ano seguinte aceitou uma proposta da Opel para ser o jovem companheiro de dois caras bem fraquinhos no primeiro ano do regulamento do Grupo B: Ari Vatanen e Walter Röhrl. O comando da equipe era de David Richards, futuro capo  da Prodrive e da BAR na Fórmula 1. O Ascona 400 tinha sido desenvolvido pela Cosworth e seu pequeno motor de 2,4 litros despejava 230 cv, podendo chegar aos 340 cv. A versão posterior do modelo seria conhecida como Monza aqui no Brasil.

Toivonen viu o grande Walther Röhrl ser campeão entre os pilotos em 1982. Apesar dos bons desempenhos, começava a cultivar a imagem de piloto talentosíssimo, que acumulou incríveis 185 vitórias em estágios (as etapas do Mundial são divididas em vários estágios de trechos cronometrados, como se os estágios fossem pequenas corridas), mas que abandonava muitas vezes por problemas ou acidentes. Sua próxima conquista num rali completo do WRC só viria em 1985, cinco anos depois da primeira.
Em 1984, Henri fechou novo acordo com David Richards para disputar o Campeonato Europeu de Rali ao volante de um dos ícones da década, o Porsche 911 SC RS. Seis cilindros, 3,0 litros, 300 cv e todo o visual e mítica da marca em competições. Venceu cinco etapas seguidas do Europeu, mas teve de abandonar o campeonato devido à problemas físicos. Nessa altura, já tinha assinado com a Lancia para disputar a próxima temporada do Mundial.

A Lancia era uma das principais equipes da categoria, mas seu 037 insistia em despejar toda a fúria na tração traseira, enquanto o resto do grid seguia a Audi na devoção ao 4×4. O manejo brutal tornou a relação entre Tovoinen e o 037 algo excessivo e perigoso. Na corrida de estréia, no rali Costa Smeralda,  um choque contra um muro de tijolos quase o deixou paraplégico: três vértebras fraturadas, e o afastamento das competições por alguns meses. Para piorar, vê o colega de equipe Attilio Bettega morrer no perigoso rali da Córsega durante a recuperação. O Grupo B começava a cobrar o mais alto dos custos.

O Peugeot 205 T16 seria o grande vencedor de 1985, seguido pelo Sport Quattro, mas no final do ano os italianos lançam seu trunfo em substituição ao 037: o Delta S4. Tração integral, baixo peso, motor central de quatro cilindros equipado com turbo e supercharger, os dois juntos de modo a aproveitar o torque em todas as rotações para levá-lo aos primeiros 100 km/h em apenas 2,3 segundos.

Depois de meses de repouso, o finlandês assumiu o volante do Delta S4 no RAC Rally inglês, última etapa do ano. Mesmo maneirando um pouco na estréia do bólido, massacrou os adversários. Suas declarações, sempre muito sinceras, já mostravam preocupação com os rumos insanos da categoria.
Eu simplesmente não sabia conduzi-lo. Parecia ter mente própria – a respeito das reações violentas do S4 no RAC Rally
O início da temporada de 1986 confirmou o potencial do Delta. A vitória dele e do navegador Sergio Cresto no clássico Rali de Monte Carlo deixou os concorrentes Audi Sport Quattro S1, Ford RS200 e Peugeot 205 T16 bastante preocupados com a escalada de poder. A tensão que paira em momentos em que os limites são desafiados só aumentou no Rali de Portugal, quando Joaquim Santos perdeu o controle de seu RS200 e atropelou dezenas de espectadores que se amontoavam na beira das trilhas. Três pessoas morreram. Então veio o Tour de Corse, o rali da Córsega, mesmo lugar onde Attilio Bettega, companheiro de Toivonen, havia falecido um ano antes.

Henri chegou à Córsega – uma ilha francesa no Mediterrâneo – gripado, com dores de garganta e possivelmente febril. Mesmo assim, venceu a maioria dos estágios e estava em primeiro na classificação, com folga. O finlandês finalmente asumia a condição de favorito, e ultrapassava a barreira que o talento em excesso lhe criara, mas algo mudara. O trajeto em torno da ilha, um rali disputado no asfalto, com curvas fechadas e trechos muito estreitos, não dava margem para erros. Apesar da liderança, ele parecia de alguma forma ciente de que aqueles pilotos e carros não estavam preparados para o que ocorria.
Este rali é uma loucura, apesar de tudo estar indo bem até o momento. Se houver problemas, poderá ser fatal – declaração feita após o primeiro dia da competição na Córsega.
No dia 2 de maio de 1986, durante o 18º estágio, o primeiro indício de que algo tinha acontecido: a equipe Lancia-Martini não encontra seu piloto na linha de chegada. Logo surge um foco de fumaça num barranco ao lado de uma curva para a esquerda, no sétimo quilômetro do trecho, e a confirmação: era o carro de Toivonen e do navegador Sergio Cresto, completamente engolido pelas chamas. Apenas a estrutura tubular sobrou para ser retirada.

Sem câmeras ou espectadores, até hoje não se sabe o que realmente causou o acidente. O Delta S4 voou para fora da curva sem guard-rails, virou de ponta cabeça e se chocou contra as árvores. O tanque de combustível embaixo do carro se rompeu, e a carroceria de plástico reforçado com kevlar virou uma fogueira instantânea. Henri e Sergio não tiveram nenhuma chance.
A repercussão do acidente foi rápida e fulminante. Pouca semanas após a morte de três espectadores, o piloto de maior destaque naquele momento também falecia na pista. Em questão de horas, Jean-Marie Balestre, velho conhecido dos brasileiros, decidiu banir da FIA o regulamento do Grupo B. Audi e Ford abandonaram o WRC imediatamente, e o resto das marcas faria o mesmo no final do ano.
Além do impacto simbólico de sua morte, o quão bom era Henri Toivonen ao volante? Aquele 1986 seria o primeiro ano em que seu talento estaria combinado à condição de piloto principal de uma equipe de ponta, a bordo de possivelmente o melhor carro do grid. Dos últimos cinco ralis que disputou, o finlandês venceu dois e abandonou os outros três. Infelizmente, aquele ano nunca acabou. O vídeo abaixo mostra o cara arrepiando em todos os carros citados ao longo desse texto. É sensacional.


Em 1982, testou um March de Fórmula 1 em Silverstone. Foi 1,4 segundos mais rápido que Raul Boesel, um dos pilotos titulares. Eddie Jordan, que acompanhou algumas corridas de Toivonen na Fórmula 3 britânica, o compara a Ayrton Senna, e diz não ter dúvidas de que ele venceria corridas na principal categoria de monopostos. Mas a história mais famosa a respeito de suas habilidades – e da performance assustadora dos carros do Grupo B – ocorreu em 1986, pouco antes de sua morte. A bordo do Delta S4, deu uma passadinha no autódromo de Estoril e cravou um tempo que o deixaria na sexta posição do grid de largada da F1 naquele ano.
Dois anos após sua morte, a amiga e adversária Michèle Mouton criou em sua homenagem a Race of Champions, a Corrida dos Campeões, evento que hoje em dia reúne a nata dos pilotos de Fórmula 1, WRC, DTM, WTCC e Nascar para descobrir quem é o melhor. O troféu até hoje leva o nome de Henri Toivonen.

Fonte: jalopnik
Disponível no(a):http://www.jalopnik.com.br/

Um comentário:

*Kiko Molinari* Originals® (Carros Raros BR) disse...

Taí muita coisa que eu não sabia sobre Henri Toivonen.

E o vídeo no fim do texto foi editado por Antti Kalhola, também da Finlandia.

Belo post :D
Abs
Kiko Molinari