Respeito, cuidado, medo, tensão, pânico e alívio. Estas palavras resumem este comparativo. Já faço isso há muitos anos, mas como diria o veterano e competentíssimo piloto alemão Walter Röhrl, quando me aproximo dessas navalhas afiadas feitas para andar pelas ruas, o frio na barriga é inevitável. Apesar dos modernos controles eletrônicos de tração reduzirem bastante nossa pressão sanguínea, o suor é ainda um companheiro fiel. Por quê? Porque viemos à Bolonha, Itália, para este excitante comparativo em plena primavera na Europa, mas parece que vou andar sobre a neve.
Eu disse neve? O Porsche está calçado com pneus Michelin Pilot Sport lixados - os mesmos utilizados na Porsche Cup europeia – e no Lamborghini, Pirelli P Zero Corsa, ambos necessitando de temperatura alta para adquirirem aderência. Não vejo isso com bons olhos, pneus de competição grudam como chiclete, mas precisam estar na temperatura certa, que dificilmente será atingida aqui.
Se pensarmos em suas configurações, eles não poderiam ser tão diferentes. Tração traseira contra tração integral, carroceria de alumínio contra aço, motor entre-eixos e motor traseiro, motor V10 versus seis cilindros boxer, 5.2 contra 3.8 litros, injeção direta e injeção indireta, triângulos duplos de suspensão contra Multi-link, aerodinâmica fixa versus apêndices ativos. Eles são muito diferentes.
Entro no Gallardo, escorrego pelo espaço para as pernas, sento-me, ou melhor, quase deito no banco Sparco onde tento me ajeitar. Ele não foi feito para quem abandonou a academia há uns 20 anos, uma pena, pois são exatamente esses caras que formam seu maior mercado. O Superleggera leva o luxo a sério, tem atmosfera moderna, mas com toques de nostalgia, mais do que no Leggera. Praticamente tudo em seu interior é forrado em Alcantara preto. O restante, como túnel da transmissão e bancos, é de fibra de carbono brilhante, que diminui peso e dá charme. Os instrumentos principais são lindos, as costuras são da mesma cor do carro, pedais de alumínio e um lindo volante com a parte de baixo ligeiramente abaulada ajudam no conjunto.
A meta de cortar 70 kg para que a relação de 419 cv/tonelada fosse alcançada, obrigou os engenheiros a trocar os vidros das janelas laterais e traseira por policarbonato. A cobertura do motor, difusor traseiro, asas dianteiras, saias laterais e as enormes soleiras das portas são de fibra de carbono, mesmo material do aerofólio traseiro fixo - diferente daquele encontrado na Countach – que pode ser substituído por um móvel, opcional. Tudo isso ajudou a diminuir o peso total para 1.340 kg, muito bom para um super coupé com motor V10 e tração integral.
O Porsche, apesar de não ter bancos traseiros, vir sem ar-condicionado, rádio, aparentemente sem isolação acústica e nem mesmo maçanetas internas (substituídas por alças) pesa 30 kg a mais. Por fora, o GT3 RS não chama tanto a atenção quanto o Lamborghini, e no interior está mais próximo de um despojado carro de corrida. Os bancos pequenos e estreitos geram certo desconforto. O cinto de segurança de cinco pontos, parte do pacote Clubsport, é para jóqueis e o santantônio completa a sensação de claustrofobia, parecendo-se com uma gaiola feita sem projeto, principalmente quando olhado pelo retrovisor. O carro vem com o emblema RS 3.8 em adesivos na parte interna e externa, de gosto discutível.
Mas não estamos aqui para falar de conforto e preferências pessoais. Uma voltinha preliminar nos dois e já dá para perceber que o modelo italiano é mais rápido que o alemão em todos os aspectos, apesar do 911 parecer ser mais veloz. Talvez isso seja resultado da atmosfera criada em torno do carro, radicalmente esportiva. O mais potente motor boxer aspirado produzido em Weissach desenvolve 444 cv @ 6.700 rpm. A faixa vermelha do conta-giros marca 8.500 rpm, a unidade de 3.8 l precisa de 6.750 rpm para entregar seu melhor torque, 43,8 kgfm. Apertando-se o botão Sport, mais 3,5 kgfm são liberados onde você realmente precisa deles, entre 3.000 e 6.000 rpm, portanto, por quê você precisa apertar um botão para acessá-los? O motor do RS tem apenas 15 cv a mais que o do GT3, com picos de potência e torque iguais. Acionando-se o controle Rev, que muda o escapamento e faz trocas de marcha em períodos mais curtos, os engenheiros melhoraram o tempo de 0 a 100 km/h em 0.1 s, que ficou em 4.0 s. Com a frente enorme e relação mais curta de marchas, a velocidade máxima piorou, de 313 para 312 km/h. Mas isso não atrapalhou em nada nosso dia.
Uma simples de troca de chip no módulo foi o suficiente para extrair mais 10 cv no motor do Gallardo, que agora entrega 562 cv @ 8.000 rpm, ficando o torque de 55 kgfm @ 6.500 rpm inalterado. O câmbio também foi reprogramado, e agora, com o sistema de largada esportiva recalibrado para 5.000 rpm, com controle de tração para evitar giros em falso dos pneus, o Superleggera melhorou em 0.3 s o tempo para ir de 0 a 100 km/h, que agora é de 3.4 s. A máxima não mudou, continua nos 325 km/h. O Lamborghini oferece também a opção de trocas manuais através de uma linda alavanca cromada com bola polida e acionamento ótimo. As largadas ficaram 2% mais rápidas, como? Porque não há limitadores ou aparatos ecológicos (este consome 7% a mais de combustível) e as trocas de marcha ficaram muito mais fáceis através das borboletas. Ao contrário das relações curtas do Porsche, a Lamborghini optou por um câmbio mais longo, que permite velocidades finais mais altas, caso você encontre alguma estrada que as permitam.
Altos giros e altas velocidades não significam alto estresse. O Superleggera pode ser agressivo, porém, a menos que você desligue todos os aparatos de auxílio e segurança, sua condução é tranquila, sem sobressaltos. Na verdade ele é bem civilizado, pode ter GPS, sistema de som de alta qualidade, conectividade com celulares, controle de largada, câmbio automático, câmeras retrovisoras, suspensão dianteira automática, borboletas para troca de marchas, você escolhe. Fica lindo também em primeira marcha, 6.500 rpm a 25 km/h, uma excelente forma de desfilar.
Bom, é hora de ir para a estrada e de apertar o botão “corsa programme”, que diminui o controle de tração e aumenta os giros. Sento-me ao volante e estico os braços, acomodando o corpo no banco. Pé no fundo e na arrancada sente-se uma vibração percorrendo a carroceria de alumínio e as digitais dos Pirelli carimbadas no asfalto, que também são assinadas em segunda marcha e até terceira. E se ele se parece com um console de videogame, o GT3 com suas linhas antigas é uma fascinante mistura do arcaico com o radical. Arcaico por causa da embreagem indecentemente dura, do áspero câmbio de seis marchas e dos freios de cerâmica difíceis de modular; radical por causa do magnífico e sonoro seis cilindros, da direção precisa que passa cada sensação do carro e do piso ao motorista na ponta de seus dedos, e do chassi maravilhosamente acertado, que garante uma estabilidade que beira o inacreditável. Claro que a caixa PDK de sete marchas disponível em outros modelos pode ser mais rápida e eficiente, mas nada como trocas manuais, mais espontâneas, divertidas.
O 911 parece rápido até antes de largar, quando a primeira marcha é engatada, graças a seu ronco inconfundível. Parece um show que poderia se chamar; “GT3 Acústico”. Na verdade, como ele precisa de altas rotações para atingir as melhores faixas de potência e torque, essa sonoridade toda gera essa impressão maravilhosa. Apesar do ruído já ser lindo a 4.500 rpm, o motor precisa estar acima dos 6.500 rpm para realmente ganhar vida. E se você nunca o sentiu aos 8.000 rpm em quarta, nunca vai entender o conflito que uma gota dele faria na corrente sanguínea dos fãs do turbo.
Quer saber, este Lambo é o que dá mais trabalho, faz você suar mais cedo e sentir mais medo. Não poderia ser diferente num carro nascido para o desempenho, sem outros compromissos. Ele é rígido, viral, impaciente, agressivo, um engolidor de curvas que, assim como o 911, precisa ser provocado, pois, assim que este entre-eixos longo, grandes bitolas e baixíssimo centro de gravidade forem exigidos em alta velocidade, você perceberá facilmente o médico (Dr. Jeckyll) se transformar em monstro (Mr. Hyde). O Gallardo entrega prazer em cada detalhe, cada módulo faz seu papel corretamente; a ótima direção, a estabilidade fenomenal e tração soberba. Verdade que seu eixo dianteiro perde um pouco em relação ao Porsche, mais complacente, uma surpresa que felizmente os engenheiros da Porsche redescobriram e recolocaram no GT3 RS. Os freios do Lamborghini são mais progressivos e o torque mais presente, disponível.
Depois de tudo isso, reavalio minhas emoções do início. Respeito? Sim, e muito. Cautela? Depende. Fizemos curvas rápidas, e mesmo com o diferencial ativo e controle de estabilidade desligados, precisaríamos de muito mais do que isso para que o Lambo começasse a avisar que poderia escorrer um pouco, nem de longe chegamos a seu limite. No seletor do Porsche também desligamos os controles de tração e estabilidade, o que psicologicamente gera certa tensão. Medo? Sim, sem dúvida. Com esses pneus frios, as freadas pareciam choques elétricos, e não falamos de rodas traseiras bloqueando. Tensão? Só quando você olha o clima, o asfalto molhado e se lembra do preço desses brinquedos. Pânico? Não. Apenas no final, quando dirigíamos na neve e a visibilidade estava quase a zero. Alívio? Você adivinha. Um cálice de excelente vinho tinto nunca foi tão apreciado, três horas depois de devolvermos os dois carros.
O vencedor? Escolha o Porsche se for corajoso ou bom o suficiente para ele. Escolha o Lamborghini se ele tiver seu estilo. Em termos de desempenho geral, os dois ganhariam cinco estrelas. Em termos de custo, um GT3 seria a escolha, ou um 560-4 sem opcionais, um pouco melhor.
Lamborghini LP570-4 Superleggera
Preço na Europa: R$ 480 mil
Motor: V10 40V, 5.204 cc, 562 cv @ 8.000 rpm, 55 kgfm @ 6.500 rpm
Transmissão: Seis marchas automatizado-manual, tração integral
Suspensão: Triângulos duplos nas 4 rodas
Peso/material: 1.340 kg/alumínio
Comp./larg./alt.: 4.386/1.900/1.165 mm
Desempenho: 0 a 100 km/h em 3.4 s, 325 km/h, 8,5 km/l, 319g CO2/km
Porsche 911 GT3 RS
Preço na Europa: US$ 283 mil
Motor: 6 cil. Boxer 24V, 3.797 cc, 444 cv @ 7.900 rpm, 43,8 kgfm @ 6.750 rpm
Transmissão: Seis marchas manual, tração traseira
Suspensão: MacPherson na frente, Multi-link na traseira
Peso/material: 1.370 kg/aço
Comp./larg./alt.: 4.460/1.852/1.280 mm
Desempenho: 0 a 100 km/h em 4.0 s, 310 km/h, 9 km/l, 314g CO2/km
Disponível no(a): http://carmagazine.uol.com.br
Fonte:carmagazine
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