13 de abr. de 2013

Um motor, vários carros: tudo tem limite – ou não? Por Kowalski Barata

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Como vocês viram, o novo Cerato chegou. E junto com a bela novidade, uma pequena sensação de desconforto de ele usar o mesmo motor que equipa o popular HB20 – por melhor que o 1.6 Gamma seja. Algo similar ocorreu no lançamento do novo Hyundai i30, que abriu mão do torcudo 2.0 para assumir o citado 1.6 – ainda que tenha recebido um câmbio automático bem melhor e mais ágil, com seis marchas.

Hoje, quase todos os carros premium da Peugeot usam o mesmo turbinado 1.6 Prince. A Audi e a VW estão espalhando o seu 2.0 TFSI para todos os lados – do A3 ao grandalhão Passat. Afinal, o que está acontecendo? Isso é bom ou ruim?

Antes de mais nada, não podemos afirmar que isso é algo novo. Na década de 1960, o mesmo V8 318 (5.2) que equipava o “compacto” Dodge Dart também estava no Charger (foto abaixo), no Coronet, em caminhonetes, caminhões e em toda a linha da Plymouth. Na década de 1980, os motores 2.0 da Volkswagen equipavam do Gol ao então-luxuoso Santana. Fora o pequeno fora-de-série Nick Pag, da Dacon. Na real, corações polivalentes sempre existiram na indústria automobilística – só que, de uns tempos pra cá, algo tem mudado.
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A questão não é o motor em si. É a forma como ele é encaixado no perfil do produto e quais são as opções disponíveis ao cliente na parte mais alta da cadeia alimentar. O tal do V8 318 era um motor de economia (!), com perfil de torque, de meio de transporte. O comprador de um Charger tinha mais opções de motores muito mais fortes que o de um Dart, como o violento 426 Hemi (nota aos gearheads: o Hemi Dart não tinha permissão para andar na rua, era um carro de arrancada).
O Gol GTI 2.0 era um rojão – estava muito claro que, racionalmente, aquilo era um exagero de motor para um carro daquele tamanho. Ou seja, o GTI era algo propositalmente desproporcional – era claro para qualquer um que o motor veio do Santana, e não que o Gol emprestou o seu 2.0 para ser usado em um automóvel maior. Isso muda todo o jogo.
É aí que está o problema na estratégia de algumas marcas atualmente. Não se pode nivelar o portfólio por baixo – nem eliminar a opção de diferenciação mecânica do segmento mais alto.

Questão Sprite ao contrário

Superdimensionado pode. O contrário é que não – porque imagem é tudo. Imagino que isso tenha ficado claro no exemplo do Gol. Mas há outros: imagine se o nosso amado Ford Focus só tivesse o motor 1.6? Ou se o Honda Civic usasse o motor 1.5 do Fit, sem opções de maior deslocamento? Camaro com opção de motor 1.8 Sport6 de Cruze? Nem pensar, não é mesmo? Este tipo de coisa arranharia a imagem dos carros – mesmo que 99% de seus compradores apenas o utilizem para ir de casa ao trabalho, todo santo dia. É questão de posse do haras. E status/imagem é a essência da indústria automobilística. Pense no sucesso dos SUVs e dos aventureiros.
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A imagem de um automóvel é algo extremamente frágil e suscetível à reações histéricas do público – e o motor é parte vital disso. O exemplo mais clássico é o Hyundai Veloster: 99% das pessoas que o criticam jamais sentaram a bunda em um. E quem experimenta, já vai com aquela cara. E eu digo: não é um carro ruim, muito pelo contrário. A vida a bordo é excelente: som de primeira, arquitetura e qualidade de acabamento internos dignos de carros bem mais caros, silencioso, aderência lateral de sobra, bastante econômico. Mas tem 128 cv. E custa caro pra chuchu.

Relação preço-potência

Daí eu pergunto: e se o Veloster custasse R$ 45.000? Ou se ele tivesse 250 cv pelo mesmo preço atual? A bruxa vira princesa encantada na hora. E isso explica outro ponto importante: o problema não é o carro, e sim a cadeia alimentar na qual ele foi encaixado de acordo com os seus músculos.
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Situação parecida vive o Passat vendido por aqui, com o mesmo motor 2.0 TSI do Jetta – e o pior, com visual semelhante. Foi obscurecido pelo irmão menor. O consumidor de elite quer se diferenciar. O cara que torra mais de 70 paus em um carro não quer que alguém aponte o dedo em sua cara e diga que ele tem exatamente o mesmo motor de um popular – mesmo que ele nunca tenha feito um pneu cantar na vida. É como o povo bombadinho de academia: eles não querem arranjar briga por aí (ao menos, em sua maioria). Só querem o (suposto) status dos músculos.
E a ordem dos fatores muda completamente o produto. É por isso que a Chevrolet, velha de guerra, tende a lançar os seus carros mais luxuosos primeiramente só com os motores e versões topo de linha. Foi assim com a Captiva, foi assim com a Trailblazer: as versões quatro cilindros vieram meses depois da V6 – no caso da Trailblazer, ainda está vindo. Assim, consolida-se a imagem do produto vinculado ao lado premium (“adoro” esta palavra usada em tudo: de ração de cachorro a pacotes de viagem) da coisa. Nisso, a Hyundai trocou as bolas: o Elantra 2.0 só chegou agora – e ainda por um preço astronômico. O que mais se fala do i30 em fóruns? “Quando que chega o 2.0?”. Talvez se o Veloster Turbo tivesse chegado antes, a imagem do carro não sofreria tantos danos. É como um prato de entrada ruim no restaurante: a sua expectativa para a refeição principal e para a sobremesa é prejudicada.
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“1.000 cv é potência demais? Claro. Mas coloque isso na capa de uma revista, onde 300 cv não têm mais muita chance. É uma questão de marketing. Venderemos poucos deles. Provavelmente não teremos lucro, mas vamos melhor a imagem do Mustang e venderemos um monte de Mustang V6″. A citação é de Carroll Shelby (Car and Driver ed. 54), poucos meses antes de ele nos deixar. Outro exemplo: no que vocês acham que os compradores do Mitsubishi Lancer de entrada estão pensando? Win on sunday, sell on monday, é o que lhes digo.

A vida dos turbinados é mais fácil

No grupo Volkswagen, o motor 2.0 TFSI – e suas consequentes evoluções – é derivado da versão aspirada, que já equipa dezenas de carros. O turbinado equipa mais um outro enorme punhado de modelos do grupo – Golf, Jetta, Fusca, Audi A3, A4 e TT, Passat etc.
Mas há algo que muda toda a conversa: entre a versão mais fraca e a mais potente, há mais de 100 cv de diferença. Muda-se os comandos de válvulas, a pressão e até o modelo de turbo, desenho dos coletores de admissão e de escape, dos dutos dos cabeçotes… mas o bloco e seus periféricos (compressor de ar-condicionado, motor de arranque, alternador etc) são basicamente os mesmos.
É uma forma relativamente barata de se unir a necessidade de separação por status de músculos com o fato de que os carros estão ficando cada vez mais caros de serem produzidos – usa-se cada vez mais aços de alta resistência, alumínio e recursos tecnológicos, como injeção direta, turbos, freios ABS e air bags. Todas as marcas alemãs já estão fazendo isso. O grupo PSA também, em seu 1.6 Prince, desenvolvido em parceria com a BMW: há versões de 150 cv a 203 cv. E, claro, em todos os casos, as versões mais nervosas ficam para os carros mais sofisticados – seja o sedã grandão ou uma versão realmente apimentada e de nicho do carro compacto.
Os turbos permitem isso porque seu ganho de potência é exponencial, graças aos fatos de eles reaproveitarem a energia dos gases de escape e de que seus rotores giram livres do virabrequim (leia mais nesta reportagem). No mundo dos aspirados, é particularmente difícil de se fazer dois motores que partam da mesma base, que tenham o mesmo deslocamento e que possuam cavalarias tão distintas (entenda as limitações dos motores aspirados nesta outra reportagem) sem comprometer o funcionamento em baixas rotações. É uma questão de fluxo, de conceito do próprio motor a combustão de aspiração natural.
Por isso, não tem jeito: carros premium (hum, olha a palavrinha aí de novo!) com motores aspirados precisam ser diferenciados por uma opção de maior deslocamento. O Elantra 1.8 faz mais sentido em termos de status quando se tem a opção do 2.0. Isso também explica a chegada do Civic de dois litros – e o sucesso do Corolla 2.0. Para a maior parte das pessoas, funciona como puro placebo. Mas elas estão dispostas a pagar bem por isso – e quem compra a versão de entrada se sente mais confortável sob a sombra de um motor maior. Carroll Shelby e sua frase-clichê seguem com razão
Por - Juliano "Kowalski" Barata

Disponível no(a):http://www.jalopnik.com.br

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