28 de fev. de 2013

PORSCHE CAYMAN É UM DESRESPEITO AOS MAIS VELHOS

Menor cupê da marca alemã chega à segunda geração com fôlego para encostar no 911. Lançamento será em março

Porsche Cayman S (Foto: Divulgação)

A Porsche tem um problema nas mãos. Mas é um bom problema. A marca alemã acaba de apresentar a segunda geração do Cayman. No Brasil, o lançamento será no dia 21 de março. Mais potente, leve e afinado, o cupê tem cancha para chegar junto do tradicional 911.
Não é de hoje que Porsches pequenos desafiam o cinquentão. Nos anos 80, o 944 Turbo já tinha entrado nessa de enfrentar os mais velhos. Agora a coisa ficou mais séria: com apenas sete anos de idade, o Cayman começou a questionar a autoridade do 911. Ainda mais na nova encarnação, mais potente, mais leve e, acima de tudo, com a mesma receita consagrada pelo Boxster: motor central-traseiro.
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Ali atrás do motorista, o seis-cilindros faz sua parte na hora de andar forte, pois centraliza as massas. Além do posicionamento, o motor é boxer (tem cilindros contrapostos que ficam deitados bem junto ao solo). Como se não bastasse, o carro ficou bem mais leve. A carroceria tem 44% de alumínio em lugares chave, como portas e tampas do motor e do porta-malas. São 30 kg a menos - pouco mais de 1.300 kg no total.
É peso de seda médio, só que a motorização parte de um 2.7 de 275 cv de potência a 7.400 rpm, o que mostra o caráter girador do bichinho. São 10 cv a mais que o anterior, uma bela marca que ultrapassa os 100 cv/l. O torque fica nos 29,5 kgfm a 6.500 rpm. O Cayman S se vale de um 3.4 com 5 cv a mais que antes, ou seja, 325 cv aos mesmos 7.400 giros, afora o torque de 37,7 kgfm a 5.800 rpm. Ambos podem ser equipados com o câmbio manual de seis marchas – o de sete continua sendo um brinquedo que 911 não empresta – ou o PDK automatizado de sete marchas. Agora todos os modelos contam com sistema start-stop (que desliga e religa o motor em paradas) e frenagem regenerativa.
Ficha Técnica - Porsche Cayman S
Motor longitudinal, central-traseiro, seis cilindros, gasolina, 3.436 cm³, 24 válvulas com comando variável de abertura
Potência 325 cv a 7.400 rpm
Torque 37,7 kgfm a 5.800 rpm
Transmissão manual de seis marchas ou automatizado de sete marchas, tração traseira
Suspensão independente, McPherson aprimorado nos dois eixos
Direção elétrica
Freios discos ventilados na frente e atrás
Dimensões Comprimento 4,380 metros, altura 1,295 m, largura 1,801 m, entre-eixos 2,475 m
Tanque 64 litros
Porta-malas 312 litros
Peso 1.320 kg
Dados oficiais
Aceleração 0-100 km/h: 5 segundos (manual),
4,9 s PDK (4,7 s com o controle de largada)
Velocidade máxima 283 km/h (manual) e 281 km/h (PDK)
 Desempenho
A nova geração ficou 15% mais econômica, mas o que interessa mesmo é o desempenho. O Cayman se vale do corpinho enxuto e do baixo peso (1.310 kg) para arrancar de 0 a 100 km/h em 5,7 segundos, número que baixa para 5,6 s no PDK e fica um décimo mais rápido quando usado o controle de largada. A velocidade máxima é de 266 km/h.
Muito rápido, sem dúvida, porém não é capaz de peitar o 911. O Cayman S é mais abusado e pesa apenas 10 kg a mais. A arrancada aos 100 km/h é executada em 5 s no manual e baixa para 4,9 s no PDK e 4,7 s com o controle de largada. Pouco mais pesado (1.380 kg), o 911 Carrera tem a mesma motorização básica, só que com um toquinho a mais de potência (350 cv) e torque (39,7 kgfm): vai a 100 km/h em 4,4 s e chega aos 287 km/h – com câmbio PDK e modo Sport Plus. Hum, a disputa em família ficou séria.
Da mesma forma que o irmão mais velho, o Cayman é do tipo que pode ser usado no dia a dia. A Porsche condensa o seu marketing em dois objetivos: uso cotidiano e, acima de tudo, prazer ao dirigir. A praticidade aumentou graças ao incremento de tamanho. O novo carro cresceu pouco em comprimento, com 4,38 metros, 3 cm a mais. A distância entre-eixos que espichou em 6 cm e chegou aos 2,47 m - mais espaço para os dois ocupantes. Se não oferece os bancos traseiros do 911, tem dois porta-malas, um dianteiro com 150 litros e outro traseiro, atrás do motor, que guarda 162 l ou 275 l se for carregado até o teto.
Acelerando
O Cayman ficou com uma cara de superesportivo. As portas agora precedem grandes entradas de ar (completamente funcionais) – antes o carro usava as mesmas portas mais planas do 911. A agressividade está estampada em todas as partes. Os faróis empilhados servem como um intimidador cartão de visitas, enquanto os para-lamas traseiros ressaltados dão uma dose latina de emoção ao design, que nem por isso perde os detalhes bem trabalhados como o spoiler integrado às lanternas. O resultado final é sedutor. Digo isso porque, depois de mais de 14 horas de viagem até Faro, no extremo sul de Portugal, onde começou nossa jornada, perdi qualquer vestígio de cansaço ao ver o Cayman me esperando. Logo de cara escolhi um modelo S com o câmbio manual.
Entrar no carro não é difícil. Não precisa sentar antes para depois puxar as pernas, como era no 904 dos anos 1960. E só baixar bem a cabeça para evitar qualquer pancada e se afundar no envolvente banco. A posição de direção ficou 1 centímetro mais baixa e agora o motorista fica ainda mais colado ao piso, afundado como em um esportivo de pista. Tudo pode mudar com as regulagens que definem distância, altura do assento, inclinação do encosto, apoio para as pernas e suporte lombar, tudo com três regulagens de posição. O modelo que dirigi só contava com ajustes elétricos parciais, apenas o encosto basicamente. E não fez falta.
O banco é daqueles que você mal sente que está sentado, envolve o motorista com um abraço. A praticidade dos tempos modernos não conseguiu vencer o costume da chave de ignição à esquerda do volante. A chave estilizada tem de ser inserida e girada. Talvez esse movimento seja necessário para criar o clima de expectativa para ouvir a partida.
Porsche Cayman S (Foto: Divulgação)
E ela não decepciona: o Cayman S acorda raivoso para logo acomodar os giros em um patamar onde um agradável embaralhar dá o tom da música. Colocar o carro em movimento exige um pouco de costume, pois a embreagem é alta, feita para ser pressionada de uma vez só e largada sem pena - basta pisar um pouco no acelerador para logo saltar com vigor. A amplitude sonora pode ser afinada com o sistema opcional que restringe menos o ronco e, além disso, emite um espocar alto a cada redução, como se fosse um modelo de pista.
Ao perguntar para o pessoal da Porsche sobre algumas diferenças de caráter entre o cupê de motor central e o 911, a marca não se fez de pai que não quer apontar o quanto um filho é melhor que o outro e logo tascou que o Cayman ronca mais alto. Não é coisa de quem acabou de nascer, ele foi programado para entregar mais emoção. É um produto criado para conquistar um público mais jovem (e com menos dinheiro), que poderia estar procurando por um carro numa concessionária BMW, por exemplo.
Sem perder as características comuns dos Porsche, claro. A herança do Carrera GT fica clara no console elevado. No PDK, parece mais uma questão de estilo, mas no manual avaliado isso permite um posicionamento perfeito da alavanca de câmbio, tão próxima da mão quanto em um antigo Alfa Romeo Spider. O câmbio é dos melhores, macio, bem azeitado e direto. Precisão nas trocas, som estimulante e reações aguçadas: esse é o tipo de combinação que leva você a fazer trocas desnecessárias e a acelerar mais.
Mesmo sendo girador, o motor não exige muitas rotações para entregar força. É possível ir em terceira dos 30 km/h sem embaralhar e deixá-lo limpar a garganta até os 7.800 giros, quando já está aos 190 km/h. A rapidez em que isso se dá é capaz de plantar um sorriso rasgado no rosto de qualquer entusiasta. Mesmo a 200 km/h o carro fica na mão o tempo inteiro, e a direção elétrica repassa boa parte do que está passando por debaixo do carro. Basta apontar que ele vai. Mesmo perto da velocidade máxima, o controle é absoluto. Pensou que o entre-eixos maior era apenas para dar mais conforto aos passageiros? Que nada, isso ajuda e muito na estabilidade direcional. Coisa de quem foi feito para rodar por uma autobahn em ritmo de festa.
Melhor que isso é como o Cayman se comporta nas curvas. Escorado em grandes rodas aro 19 em pneus 235/40 e 265/40, o cupê entra na trajetória sob controle total e pode ser acelerado até o fim da tangente sem pena. A rigidez torcional dinâmica aumentou 70%. Além disso, as bitolas ficaram 6 cm mais largas, o que deu uma mão e tanto na estabilidade lateral.
No modo Sport ou Sport Plus o jogo fica um pouco mais permissivo. Nessas horas, o candidato a piloto vai exercitar um pouco o braço para controlar a inevitável saída de traseira. Claro que o sistema assume antes que tudo acabe em lágrimas – o objetivo é deixar o motorista brincar sem ter o ego ou o corpo feridos. E funciona. Basta falar que depois de mais de 100 km, deixar o carro no hotel para descansar um pouco não me pareceu uma boa.
Porsche Cayman S (Foto: Divulgação)
Na pista
No dia seguinte foi a vez de jogar o Cayman no Autódromo Internacional do Algarve. Ao amanhecer, bastou abrir um pouco os olhos para ver a cidade encoberta pela chuva. O percurso para a pista foi feito com mais carinho. Sentado em um Cayman S com bancos de concha e câmbio PDK, as sensações eram parecidas com as de um protótipo de corrida. Os assentos são mais envolventes e os cintos vêm na cor do carro para combinar com o estilo. É o típico acessório de pista para quem vai curtir o cupezinho em trackdays, mas que é inconveniente no uso diário. Não que o carro seja talhado apenas para as pistas. Mesmo no modo Sport Plus o Cayman não massacra os rins dos ocupantes sobre piso ruim, o que melhora no modo normal ou Sport, sem perder a firmeza quando necessária. Resta saber como será sobre o piso tupiniquim.
No autódromo, hora de trocar de carro. Optei por conhecer a pista em um modelo básico 2.7 sem todas as traquitanas da suspensão ativa e tudo o mais. Nem precisava. O pelotão de carros foi liderado por um 911 S e não foi difícil seguir o clássico de perto. O câmbio PDK tem trocas rápidas, auxiliadas pelas enormes paletas no volante (as antigas borboletas menores e confusas estão sendo abandonadas pela marca). Cada mudança é acompanhada de um pequeno ruído e um tranco leve, tudo para dar uma pitada de emoção ao sistema.
As frenagens podem ser atrasadas ao máximo. O pedal tem ótima sensibilidade e curso ideal. A Porsche sempre teve fama de fazer excelentes sistemas de freios. Assim fica fácil de se entusiasmar mais um pouco do que o recomendado nas retas, sem medo de não completar a curva ou entrar de maneira descompensada.
Nas entradas de curva, nada de saídas de frente, um mal da maioria dos esportivos de motor central. O Cayman ficou mais neutro nessa situação graças ao controle eletrônico que freia a roda dianteira do lado interno na curva, para deixar a do lado externo fechar melhor a trajetória. O piso de baixa aderência permitiu saídas entusiasmadas, facilmente corrigidas pela direção direta.
O Cayman S não é tão educado. Qualquer provocação é respondida com ignorância. Claro que tudo continua sob controle, mas é mais fácil tirar o carro do prumo. As acelerações e retomadas do Cayman convencional já haviam me deixado impressionado, porém o torque maior do S faz a diferença. O carro líder dessa vez foi um igual ao que eu dirigia. Ao ver o piloto de testes da marca fazer boa parte das curvas “de lado”, deu para entender porque a Porsche diz que o Cayman é bem mais divertido em curvas de baixa velocidade, onde o seu caráter mais esquentadinho e reativo fica longe do equilíbrio da abordagem executada a bordo do 911.
Porsche Cayman (Foto: Divulgação)
E O 911?
Dito tudo isso, ficou a dúvida: rei morto, rei posto? Para responder a questão, tive que cumprir o sacrifício de pedir a Porsche por um favor particular escondido dos outros jornalistas: a chave de um 911. Ao entrar no cupê de nova geração, não se nota grandes diferenças em acabamento, ambos têm painel recoberto de couro com costura dupla aparente, e exalam qualidade. O espaço interno é que faz diferença e o 911 oferece mais espaço para todas as direções. Está certo que levar dois adultos na traseira do 911 pode ser considerado tortura em algumas culturas, a comodidade servirá mesmo para levar crianças.
Se uma cigana é capaz de saber tudo sobre alguém lendo a sua mão, o 911 revelou o seu caráter com uma girada de chave. O ronco domina o ambiente, porém é menos estridente que o do Cayman. A arrancada se dá no mesmo tempo e, num primeiro momento, alguém poderia sapecar logo de cara que o Porsche recém-nascido é melhor que seu parente mais velho.
Muita calma nesse momento. Afinal, trata-se de uma opção regida pelo que a pessoa procura – e pode pagar, claro. O comportamento, principalmente no limite, é muito diferente. O 911 entra mais equilibrado nas curvas. A distribuição de peso de 61% na traseira (contra bem divididos 54% do Cayman) dá uma mão nas arrancadas mais fortes, assentando bem o eixo posterior sobre o piso. Nas frenagens fortes em entradas de curva, o Cayman já comeca a sair e abordar a trajetória por vontade própria, enquanto o 911 é mais preciso e, graças às bitolas ultralargas, fica na mão fielmente nesses momentos.
Porsche 911 Carrera (Foto: Divulgação)

Ainda assim, quem não tem grana para um pode se sair bem com o Cayman. A diferença nao é pequena, o 911 mais barato custa R$ 546 mil, enquanto o Cayman S antigo ficava em R$ 409 mil. Se optar pelo básico, o preço cai para R$ 349 mil – quase R$ 200 mil. Claro que a segunda geração pode custar um pouco mais caro. Isso não sela a disputa, mas apimenta a discussão entre os entusiastas. A Porsche diz que não lança um Cayman Turbo porque isso vai encarecer o carro, já que o público dele é outro. Mas, no dia que isso acontecer, será a hora de o 911 olhar com receio para o próprio retrovisor...

Disponível no(a):http://revistaautoesporte.globo.com

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