29 de dez. de 2012

Governo engrossa a multa da Lei Seca, mas não busca prevenir o problema

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Há uma semana, a presidente Dilma Roussef silenciosamente sancionou a lei 12760/2012. É a nova Lei Seca para o trânsito, que altera artigos do CTB (Código de Trânsito Brasileiro), engrossa a multa em até quase quatro vezes e – como seria de se esperar – não veio acompanhada de nenhuma campanha conscientizadora.
Será que o governo quer mesmo que as pessoas não bebam e dirijam depois? Ou será que é mais um placebo enriquecedor de cofres, como os radares que ficam nos finais das descidas?
A nova Lei Seca é uma segunda versão, que, espera-se, vá funcionar melhor. Na anterior, o único meio de prova expressamente previsto era o teste de alcoolemia, o chamado bafômetro. Quem se recusava a fazê-lo escapava de uma multa de R$ 957,70, sete pontos e suspensão da carteira por um ano. Tudo porque a Constituição garante a todos o direito de não produzir prova contra si mesmos. Agora, o que precisa de comprovação, pela nova redação do art. 306 do CTB, é “capacidade psicomotora alterada em razão da influência de álcool ou de outra substância psicoativa [como alguns remédios, por exemplo] que determine dependência”, o que pode ser atestado por uma série de meios. Um deles é o bafômetro, mas tem também “exame clínico, perícia, vídeo, prova testemunhal ou outros meios de prova admitidos em direito”. O problema é que quem entende do assunto duvida que a coisa vá funcionar.
O que muda? Na teoria, muita coisa. Para começar, de acordo com a redação atual do artigo 306 do CTB (Código de Trânsito Brasileiro), dirigir com qualquer taxa de álcool no sangue daria cana de seis meses a três anos. Seria crime. Agora, crime, com a mesma pena, é não ter coordenação para dirigir, algo que poderia ser provado pelos meios que citei acima – mas o motorista pode ter até 6 decigramas de álcool por litro de sangue ou 0,3 mg de álcool por litro de ar alveolar, a medida que o bafômetro faz. Isso equivale a duas latas de cerveja, duas doses de vinho ou meia dose de pinga, saquê ou vodca. Se dirigir com taxa de álcool inferior a isso, será apenas infração, sujeita às penalidades administrativas.
Em segundo lugar, a multa passa a ser do canhão de R$ 1.915,40. Se você for reincidente, em menos de 12 meses, ela será cobrada em dobro, ou seja, R$ 3.830,80. Quem comete o crime de dirigir com “capacidade psicomotora alterada” também está sujeito à multa e à suspensão da carteira por 12 meses.
Na prática, matar ao volante, mesmo que sob influência de álcool, tem sido sistematicamente considerado homicídio culposo, sem a intenção de matar. É contra isso que Rafael Baltresca, que perdeu a mãe e a irmã, mortas por um motorista bêbado, se voltou. Ele criou o movimento “Não Foi Acidente”. Para aprovar leis mais severas, ele precisa de 1,3 milhão de assinaturas. Quem quiser ajudar pode acessar o site www.naofoiacidente.org e assinar a petição. Ele e o movimento “Viva Vitão” fizeram uma carta aberta dizendo que não acreditam na mudança.
Primeiro, por jurisprudência. Segundo eles, a Justiça brasileira só aceita exames clínicos como prova. E, como ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo, continuará tudo como está, no fim das contas. Segundo, porque a lei trouxe de volta os limites de álcool no sangue, pelo menos para o art. 306, que estabelece a conduta como crime. Se a Lei é Seca, não deveria ter limite nenhum – é o que afirmam estes dois movimentos.

Clássicas do nosso governo

O que ninguém mencionou, mas que está na lei, no art. 306, parágrafo 1º, inciso II, é que a comprovação de que o motorista está com “capacidade psicomotora alterada” vai depender de regulamentação do Contran:
“II – sinais que indiquem, na forma disciplinada pelo Contran, alteração da capacidade psicomotora.”
Pergunto: o Contran já disciplinou algo a respeito? Não, senhores. Um dia ele vai se ocupar disso. Enquanto não o fizer, a lei não pode ser aplicada.
Digamos que o Contran discipline o que é “capacidade psicomotora alterada”. E que a lei finalmente funcione. E que nossos legisladores provem que conhecem o direito e que sabem o que estão fazendo lá em Brasília. Ainda assim, o governo não disse em que pretende investir a grana das multas mais gordas. Vai engordar os cofres públicos, a princípio, que são tão bem administrados que não temos queixa de nada: saúde, educação e asfalto lisinho até nas ruas mais isoladas.
Ironias à parte, o governo também não está presente na raiz da questão: não anunciou nenhum programa para coibir o uso de drogas e álcool entre jovens que dirigem, por exemplo. Ou para melhorar o processo de habilitação para tirar os colesteróis do trânsito de circulação. Ou qualquer outra iniciativa parecida. Parece até que há interesse do governo em que as pessoas bebam, dirijam e que sejam multadas.
Além de ser uma Lei Seca, a nova lei também vai secar a carteira daqueles que fazem questão de molhar o bico e que dirigem em seguida. E, principalmente, vai molhar a mão de quem administra os cofres públicos também.
Fonte: Jalopnik
Disponível no(a): http://www.jalopnik.com.br
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