28 de jun. de 2012

Fórmula 1-Christian: "Estive perto da vaga em que Schumacher estreou"

Piloto conta que negociou com a Jordan para substituir Bertrand Gachot no fim de 91

Christian Fittipaldi (Michael L. Levitt/LAT)

A segunda parte da entrevista exclusiva de Christian Fittipaldi ao Tazio Autosport está dedicada quase inteiramente à F1. Na primeira, publicada na quarta-feira, o piloto avaliou a carreira a partir da migração para os Estados Unidos, onde passou Indy e Nascar, e o posterior retorno ao automobilismo brasileiro. Acompanhe abaixo a 2ª parte da reportagem com Cristian Fittipaldi

Durante a longa conversa de mais de duas horas com os repórteres Bruno Ferreira, Leonardo Felix, Lucas Berredo e Lucas Santochi, Fittipaldi também explicou como fez a transição da extinta F3000, da qual foi campeão em 1991, para a principal categoria entre os monopostos, onde passou três anos e não conseguiu resultados expressivos.
Para Christian, o título no campeonato de base mais forte da época praticamente o “forçou” a ter que buscar um espaço na F1 no ano seguinte. “Se você me perguntasse o que eu faria diferente se pudesse voltar atrás, eu com certeza não teria entrado na F1 em 92”, destacou.
Entretanto, o piloto de 41 anos revelou que sua ascensão poderia ter sido ainda mais prematura, mais especificamente no GP da Bélgica de 1991, pilotando a Jordan número 32 que Bertrand Gachot deixou vaga ao ser preso por jogar spray de pimenta no rosto de um taxista. Segundo Christian, as negociações com o chefe do time, Eddie Jordan, estavam em estágio avançado, mas a força da Mercedes acabou falando mais alto para a entrada de Michael Schumacher. “Eu bati na trave naquela ocasião. Foi uma oportunidade realmente concreta”, ressaltou.
Passada a chance, veio a temporada difícil com a Minardi em 1992, o promissor começo de campanha no ano seguinte, que se transformou uma frustrante demissão antes do encerramento do calendário, as rusgas com Pierluigi Martini por conta do famoso acidente em Monza e a passagem pela Footwork.
Em suas declarações, Fittipaldi fez uma reflexão visceral de seus momentos mais importantes na F1 e como todos eles determinaram os rumos que sua carreira tomou a partir de então.
Confira a segunda parte da entrevista:
Bruno Ferreira – Você mencionou a dificuldade para se chegar à F1. Eu gostaria que você falasse sobre o seu caminho até lá. Você foi campeão da F3000 em 1991, derrotando o Alessandro Zanardi, que depois virou um grande nome nos Estados Unidos. Depois desse título, a sua transferência para a F1 foi “automática”, foi fácil de conseguir, ou as negociações foram difíceis para arrumar uma vaga?
Lucas Berredo – Eu gostaria até de ressaltar que essa temporada de 91 foi uma das melhores da sua carreira, porque, das dez provas, você terminou sete no pódio.
Foi isso? Eu nem lembrava.
LB – Sim, e nessa época você correu contra Damon Hill, Heinz-Harald Frentzen e o próprio Zanardi. Queria que você analisasse um pouco também essa época da F3000.
Pois é, e aí o Damon Hill virou campeão do mundo, né? [risos] Para você ver... Eu enxergo desse jeito: acho que temos que tentar nosso melhor naquilo que estamos fazendo, mas, seja qual for a atividade, um piloto, uma secretária, um presidente de uma multinacional, um repórter, enfim, qualquer um precisa estar no lugar certo, na hora certa. Não adianta ter todo o talento do mundo porque, se não estiver no lugar certo, na hora certa, você vai ficar patinando, patinando e nunca vai conseguir decolar. Eu conheço inúmeros pilotos que tinham muito talento mas nunca conseguiram chegar a nenhum lugar, porque faltou um pouco daquela pitada de sorte. Mas conheço também pilotos que, tudo bem, são bons, só que não têm nada de especial e chegaram a um nível muito alto no automobilismo. Naquela época da F3000, eu não tinha muita opção, porque tinha sido campeão. Então, se eu continuasse, tinha muito a perder e nada a ganhar. Se ganhasse de novo, [falariam]: “Ah, é óbvio, ele ganhou no primeiro ano, por que não ganharia no segundo?”. Então eu meio que fui obrigado a entrar na F1.

“SE EU CONTINUASSE [NA F3000 EM 1992], TERIA MUITO A PERDER E NADA A GANHAR.”

BF – Mas você acha que entrou muito prematuramente?
Se você me perguntasse o que eu faria diferente se pudesse voltar atrás, eu com certeza não teria entrado na F1 em 92. No máximo, eu teria feito um contrato de piloto de testes, que também não era algo tão comum e inclusive esses pilotos nem eram muito usados. Eu posso citar o exemplo do [Allan] McNish, que foi [vice] campeão da F3 [Inglesa], assinou um contrato de piloto de testes da McLaren, correu comigo na F3000 e, por um motivo ou outro, não fez nada de relevante nessa categoria. Mas tinha seu contrato de piloto de testes e andava bastante de F1. No entanto, a carreira dele praticamente acabou naquele momento. Quando ele não teve sucesso ali, a carreira dele praticamente acabou. Eu lembro quando fui para um teste em Phoenix, no começo de 98, ele apareceu lá, chutando lata para ver se conseguia correr de alguma coisa na Indy. Daí apareceu o lance da Toyota, ele voltou para o Grupo C e aquele carro da Toyota deu a ele a oportunidade para testar e desenvolver o Toyota F1 e ele acabou fazendo uma temporada dez anos depois. Nem ele imaginava que fosse correr de F1 em 2002. Ele imaginava que fosse correr em 92 ou 93, que era mais ou menos a época dele, coincidentemente junto comigo. O McNish, na minha oinião, é um exemplo perfeito de estar no lugar certo, na hora certa. Por sorte ele teve a oportunidade, com a Toyota, de reverter esse quadro inteiro, correr de Esportes e Protótipos, F1 e hoje em dia ele tem aquela oportunidade na Audi.
LB – Ao ser campeão da F3000, como aconteceu a conexão com a Minardi?
De certa maneira, até que foi natural, por conta do Fernando [Paiva] e do Octávio [Guazzelli, ambos à época engenheiros da equipe italiana], dois brasileiros que trabalhavam lá. Eu estava testando em Mugello e eles apareceram para assistir trazendo um italiano que trabalhava na Minardi. Eu conheci eles, iniciamos contato e fomos desenvolvendo. Juntamente com isso, eu também tive a oportunidade de ir para a Footwork, que naquele ano era Footwork-Porsche e, diga-se de passagem, estava horrível, mal conseguia classificar [os carros] para as corridas. Isso aí, óbvio, foi meio que descartado na hora e, no entanto, três anos depois eu acabei correndo com eles e foi o melhor carro de F1 que eu já guiei. Além disso, naquela corrida que o [Michael] Schumacher correu em Spa [GP da Bélgica de 1991] eu bati na trave. Eu estava conversando direto com todo o pessoal da Jordan e realmente foi uma oportunidade concreta que apareceu, porque o Schumacher na época não era o Schumacher, era só mais um piloto. Mas a Mercedes estava praticamente bancando a carreira dele, tanto que ele estava correndo de Grupo C na época e fazendo algumas provas de F3000 no Japão - ele não chegou a disputar a categoria na Europa. E a Mercedes acabou empurrando ele para o Eddie Jordan.
BF – Atualmente, para um piloto chegar à F1, tem sempre a exigência de que ele leve patrocínio. É raro algum que chegue sem levar alguma quantia. Na sua época, era diferente?
Não, era a mesma coisa. De repente, não era tão comercial e com tanto dinheiro envolvido quanto hoje em dia, mas era mais ou menos a mesma coisa. Todo o mundo levava [dinheiro], como o próprio Schumacher e o Senna, que, no primeiro ano dele, teve que negociar desse jeito com a Toleman. É o início da carreira de qualquer piloto dentro da F1: para você chegar lá, tem que estar bem amparado, comercialmente falando. Hoje em dia, isso cresceu de maneira exponencial, comparado com a minha época, 20 anos atrás. Virou uma coisa meio gritante. Eu fico horrorizado com os números que escuto por aí. O que me deixa mais hororrizado é o quanto se paga por aí para ser piloto de testes, ou reserva, nem sei mais como se chama direito, que é aquele piloto que só fica no radinho, escutando os outros dois conversarem e não faz mais nada, não guia um quilômetro [risos]. No entanto, esses pilotos estão pagando € 2 milhões, € 3 milhões, só para ficarem olhando os outros andarem. E você pode ter certeza que, de 90% e 95% deles, a carreira vai morrer por aí, eles nunca vão ter oportunidade para guiar absolutamente nada. Isso é o que me deixa mais chocado: como alguém se sujeita a isso? Por outro lado, é fácil eu falar isso depois que já tive a chance de correr na F1, passei por lá e sei mais ou menos como funciona. Por isso eu também entendo, porque existe aquele sonho de qualquer piloto: “Custe o que custar, não importa o que eu estiver pilotando, eu quero pilotar um F1”. Depois que ele pilota um F1, vê que é extremamente interessante, é o carro mais avançado tecnologicamente que existe no mundo, mas que existem outras formas de competição que também são saudáveis.
Leonardo Felix – Na sua época, você lembra a média de valores para se negociar com uma equipe pequena e virar titular por uma temporada inteira?
Entre US$ 1 e 3 milhões. Com essa quantia, você conseguia praticamente se colocar na F1. Mas dependia muito da equipe, se eles já tinham parte do dinheiro e tudo. Agora, é um número bem diferente do que você vê alguns pilotos levarem para a F1 hoje em dia.

“FICO HORRORIZADO AO VER O QUANTO SE PAGA HOJE EM DIA PARA SER PILOTO RESERVA E FICAR SÓ NO RADINHO, ESCUTANDO OS OUTROS DOIS CONVERSAREM E NÃO GUIAR UM QUILÔMETRO.”

LF – A sua primeira temporada com a Minardi foi bem difícil. Você só conseguiu pontuar na penúltima etapa, no Japão...
Que acabou salvando a Minardi, porque ela conseguiu receber aquele dinheiro da Foca, que nem lembro na época quanto era, acho que uns US$ 2 ou 3 milhões. Acho que foi o dia mais contente da vida do Giancarlo Minardi [risos]. É óbvio que ele estava contente porque tínhamos terminado em sexto, mas aquele pontinho gerou muito dinheiro para ele e com certeza mudou a história da Minardi, dando a oportunidade para que eles ficassem mais alguns anos tentando virar uma grande equipe, até o dia em que ela foi vendida.
LF – Mas foi um ano no qual, antes disso, você e o Gianni Morbidelli, seu companheiro, tiveram muitas dificuldades em alguns momentos até para alinhar o carro no grid.
Acho até que mais eu do que ele. Quando eu tive meu acidente na França, eu voltei, mas fiquei 40 dias fora e foram 40 dias com meu pescoço completamente travado. Eu não podia fazer nada, fiquei imobilizado e a F1 exige muito desses músculos aqui [apontando para a região] do pescoço, dos ombros e tudo. Quando eu voltei, estava fraco, não estava preparado ainda para pilotar, mas o que você vai fazer? Você tem que tentar voltar o mais rápido possível. Tanto que eu deixei de classificar em duas corridas seguidas, em Spa e Monza. Em Spa, tudo bem, eu estava fora do grid no primeiro dia [de treino classificatório], no segundo choveu e eu não tive nem a chance de tentar entrar. Mas em Monza realmente não aconteceu nada, eu não consegui classificar no primeiro dia e não consegui classificar no segundo. E Monza era uma corrida importante para a Minardi, sendo que o Morbidelli tinha se classificado em 12º. Então, não é que um carro ficou em 26º e o outro em 27º; um dos carros estava relativamente competitivo ou bem competitivo para os padrões de uma Minardi. Aí eu lembro que consegui me classificar em Portugal, embora tenha ficado lá atrás [26º], e consegui fazer o GP inteiro. Aquilo me deu uma acordada de novo, não sei se me reacendeu a autoconfiança ou o que foi, mas sei que terminei em nono ou décimo, algo assim [12º]. Depois da corrida, ficamos mais três dias em Portugal para treinar e eu fui muito bem nos testes. Conseguimos melhorar o carro e fomos para o Japão, onde eu larguei em 12º e terminei em sexto. A partir dali, eu voltei ao meu normal de novo.
LF – Em contrapartida, você começou a temporada seguinte muito bem, com um quarto lugar na África da Sul, naquela corrida maluca que teve chuva no final. Teve alguma mudança significativa na Minardi de um ano para o outro para justificar essa melhora ou foi só o time que acertou a mão no carro?
Gustav Brunner [projetista e engenheiro austríaco]. Ele tinha saído da March, que na época era ex-Leyton House, e nos contratou. O Aldo Costa desenhou o carro junto com ele, mas houve um input muito grande do Gustav e eu lembro que aquele carrinho nosso, apesar de ser o ano onde tínhamos menos dinheiro, era muito bom. Em algumas pistas, era um carro que com certeza teria muito sucesso, porque gastava pouco pneu. Enquanto todo o mundo parava nos boxes para trocar pneus, eu raramente parava, então nós ganhávamos muito na hora da corrida. Quando eu terminei em quinto em Mônaco, tinha largado em 17º. Tudo bem que eu passei três carros na pista, mas lembro que terminei com, se não me engano, o [Martin] Brundle, de Ligier, me empurrando. Ele vinha dois, três segundos mais rápido por volta, porque tinha parado para trocar pneus. Mas nós usávamos dessas vantagens que o carro tinha e tentávamos capitalizar ao máximo em cima disso, pois sabíamos que ele era muito bom em situação de corrida. Só que o dinheiro foi acabando, acabando e chegamos a um ponto em que, nas últimas duas corridas, o Giancarlo teve que me tirar do carro para colocar o [Jean-Marc] Gounon, que pagou US$ 400 mil para fazer aquelas provas. Se não tivesse entrado aquele dinheiro, a Minardi nem teria ido para o Japão e para a Austrália.
BF – E como foi para você essa saída? Eles abriram o jogo? Como você se sentiu com essa situação?
Foi um pouco tumultuada, para dizer a verdade. Eu entendo, politicamente, por que ele fez isso. O outro piloto [Pierluigi Martini] era italiano, todos os patrocinadores eram italianos e a equipe era italiana. Então eu ficaria surpreso se ele tirasse o piloto italiano e deixasse o brasileiro. Se eu estivesse no lugar dele, provavelmente teria feito a mesma coisa. Só que você nunca espera, porque, no momento em que você assina um acordo com uma pessoa, você espera que ela vá honrá-lo. No fim, tivemos as nossas diferenças. Acabamos acertando as coisas, mas chegamos a ter as nossas diferenças.

“[MINHA SAÍDA DA MINARDI] FOI UM POUCO TUMULTUADA. [EU E GIANCARLO] ACABAMOS ACERTANDO AS COISAS, MAS TIVEMOS NOSSAS DIFERENÇAS.”

LB – Aquele acidente com o Martini em Monza afetou nessa relação ou ela já vinha atribulada antes?
Não, não havia nada antes. Afetou porque o Giancarlo sabia exatamente o que havia acontecido. Nós tínhamos toda a telemetria. Ele descaradamente tirou o pé, porque eu estava chegando muito nele nas últimas voltas e ele achou que, tirando o pé, eu fosse assustar, cravar o pé no freio e ele iria conseguir abrir aqueles dois carros de diferença para que eu não conseguisse passá-lo na última reta da prova. E foi claro: ele estava a 287 [quilômetros] por hora e eu estava a 315. Não existe essa diferença toda no vácuo e também dava para ver na telemetria. Só que ele [Giancarlo] falou “olha, a situação já está crítica do jeito que está, não vamos fazer escarcéu em cima disso”, e não deixou o Fernando, que na época trabalhava na Minardi e depois veio a trabalhar durante anos comigo na Indy, revelasse essa informação publicamente. Vou ser sincero: eu estava tão contente por estar vivo, mas tão, tão contente, que, depois da corrida, entrei no motorhome e o Piero veio falar comigo com aquela puta desculpa esfarrapada, falando “pô, desculpa, eu não sabia que você estava tão próximo e não sei o quê”, e eu virei para ele e falei “olha, só o fato de eu estar aqui conversando com você já vale mais do que qualquer coisa”.
LB - A tua relação com ele antes era boa? Porque você começou a temporada com o Fabrizio Barbazza, que saiu para a entrada dele. E o Martini já tinha corrido praticamente a carreira inteira dele na Minardi. O que você pensou quando viu que ia ter como companheiro um “macaco velho”, que já conhecia todo o time?
Com certeza, ele era o queridinho da Minardi, disso não tenha dúvidas. Até porque ele morava em uma cidade próxima a Faenza [onde ficava a sede da escuderia, atualmente fábrica da Toro Rosso], estava sempre lá, a maior parte dos patrocinadores apoiava a equipe por causa dele e ele é o piloto que mais GPs disputou pela Minardi. Eu fui o piloto que, proporcionalmente, mais pontos marcou pelo número de largadas que fez na Minardi, mas o Piero com certeza faz parte da história da equipe. Se você fala em Minardi, lembra de Martini, desde 1988, quando o carro era horrível e ele nem conseguia se classificar [para as corridas]. Então isso também pesou um pouco.
LB – E você conseguiu perceber isso logo de cara?
Naquele ano, ele estava fora, não estava disputando absolutamente nada e estava doidinho para conseguir alguma coisa para guiar. Foram as circunstâncias, não tem o que falar, porque, quando vivemos o problema, em qualquer atividade que fazemos, só conseguimos enxergar para a frente, não estamos olhando para os lados e vendo todos os quadros. Por isso que o Carl Haas sempre me falava algo que hoje em dia eu dou muita razão: “Eu gostaria de ter a experiência de um cara de 60, 70 anos, porém o corpinho de um de 20”. Porque, com o tempo, você aprende a enxergar as coisas de uma maneira diferente e hoje, que eu estou um pouco mais velho, eu dou razão a ele. Tanto que, se eu pudesse voltar no tempo, eu faria algumas coisas diferentes e não tenho vergonha nenhuma de admitir. Não é que eu esteja falando que errei, mas é que você não tem uma bola de cristal e não consegue prever o que vai acontecer daqui a cinco anos. As pessoas só acham. Se eu perguntasse para o [Pastor] Maldonado se ele achava que ia fazer a pole e vencer o GP da Espanha quando ele estava lá na corrida de kart do [Felipe] Massa [no fim de 2011] e a gente estava bebendo cerveja juntos e jantando à noite, ele provavelmente iria rir da minha cara. Então a vida é assim e acho que uma das belezas da vida é justamente isso. Da mesma forma que ela pode te jogar para baixo, pode rapidamente reverter o jogo e te dar muitas oportunidades.
LF – Essa foi sua única conversa com o Martini sobre o assunto? Você nunca mais tocou nessa questão com ele?
Em uma prova desses karts que teve lá na Europa, tipo o desafio do Massa, eu cruzei com ele e só nos cumprimentamos. Uma pessoa que faz uma coisa dessas não merece respeito nenhum meu. Eu não faço nem ideia do que ele está fazendo hoje em dia, espero que ele tenha uma vida em ordem, mas não tenho respeito nenhum por um cara desses.

”UMA PESSOA QUE FAZ O QUE O MARTINI FEZ NÃO MERECE RESPEITO NENHUM MEU.”

LB – Em 94, você mudou para a Footwork, onde obteve sua melhor posição de grid na F1, um quarto lugar em Mônaco. O que você lembra daquela prova? Havia muito rescaldo da morte do Senna?
Havia muito, muito rescaldo.
LB – E depois o [Karl] Wendlinger bateu...
Sim, o Wendlinger bateu. Só que o piloto, quando entra no carro e amarra o cinto, esquece o que aconteceu e acelera do mesmo jeito. Todo mundo estava acelerando do mesmo jeito quando foi para Mônaco, porque faz parte da vida. O que você vai fazer? Vai parar de correr? Então tá bom, para de correr e fica casa, não vai para a pista correr só em segunda ou primeira marcha. Se for para a pista, é para acelerar. Se não está confortável, é melhor ficar em casa. E eu sempre gostei de Mônaco, sempre fui bem lá. No primeiro ano, sem nunca ter visto a pista, nem corrido de F3, nada, eu cheguei em oitavo. No segundo, terminei em quinto e, no terceiro, estava em segundo, terceiro, nem lembro agora [era quinto] quando quebrou uma peça de 50 centavos do câmbio e eu tive que parar. Mas eu sempre fui bem em Mônaco, sempre.
LB – Ali foi o momento em que você mais se viu perto de um pódio na F1?
Não, eu tive outros momentos. Na Alemanha, eu cheguei em quarto, em Aida [GP do Pacífico], cheguei em quarto também, com o Rubinho em terceiro. Aí é que está, era uma F1 diferente: tinha mais carros do que hoje e só pontuavam os seis primeiros. Eu queria fazer uma estatística para mim mesmo e ver como seria se pontuassem os dez primeiros, como hoje em dia. Eu sei que seria bem diferente, porque eu terminei muitas provas em sétimo, oitavo, nono... e eu sei que as minhas oportunidades na F1 também teriam mudado. Porque uma coisa é uma equipe olhar para um piloto que marcou um ou dois pontos e outra é olhar para um que marcou dez. Mas, voltando à sua pergunta específica, eu não olhei para aquela corrida como “ah, eu vou chegar no pódio”. Era uma questão de oportunidade, porque eu sei que, se o carro tivesse ido até o final e eu chegasse entre os três primeiros, várias oportunidades iriam aparecer. Infelizmente, na F1, você é tão bom quanto seu último resultado. Num dia você é herói e no outro é péssimo. O Maldonado ganhou e fez a pole na Espanha e no GP seguinte já foi criticado por engenheiros da própria Williams. A F1 é assim, sempre vai ser assim e nunca vai mudar. A única coisa que o piloto pode fazer é tentar ficar flutuando sempre do lado positivo dela e não cair de repente naquele barranco para ser considerado um cara ruim, que não sabe mais guiar. É tentar tirar proveito do lado positivo dela, porque tem muito dinheiro, interesse e ego envolvidos. Na hora que você junta isso aí, tem muita sacanagem no meio, então é um bicho complexo, muito mais complexo do que as pessoas imaginam. Às vezes o negócio sai do controle e você não tem mais controle do seu destino.

“A ÚNICA COISA QUE O PILOTO PODE FAZER [NA F1] É TENTAR FLUTUAR SEMPRE DO LADO POSITIVO DELA E NÃO CAIR NAQUELE BARRANCO PARA SER CONSIDERADO UM CARA RUIM”

BF – Mesmo o Footwork sendo o melhor carro que você guiou na F1, você não conseguiu se manter na temporada do ano seguinte. Como foi esse momento no fim da temporada de 1994, isto é, quando você analisava suas chances para 1995, quais eram suas opções?
Estivemos bem próximos de acertar com a Tyrrell. Já tinha praticamente acertado tudo e, na época, era o filho do Ken Tyrrell, o Bob, que estava à frente da negociação. Ele estava meio que estolando, empurrando com a barriga, porque queria deixar todas as opções abertas. Ou eu corria na Tyrrell, que era outra boa equipe média, ou eu ia para o final do grid, ou tinha opção de ser piloto de testes da McLaren. Daí o Bob começou a estolar toda a negociação; lembro que cheguei um belo dia com o meu pai e pensei: “Você quer saber? Estou de saco cheio, vamos embora daqui. Eles que façam aquilo o que eles querem fazer e pronto. Vamos correr de Indy e depois... Você não sabe o futuro, não acho que correrei a minha vida inteira de Indy, de repente daqui a dois anos, outra oportunidade vai aparecer e voltamos para cá [Europa]”.
BF – O fato de não encontrar uma equipe realmente competitiva foi o que mais pesou, então?
Sim, eu também queria ter uma vida, guiar um carro competitivo. Sempre fui competitivo a minha vida inteira. Eu não estava a fim de chorar e implorar “pelo amor de Deus, me dá uma oportunidade” para isso ou aquilo. Você quer? Ótimo, vou dar o meu melhor. Você não quer? Então está bom, mas ao menos me fala logo, não fica estolando. Na F1, as pessoas tendem a fazer isso porque acham que dá mais poder. Eles sentem-se bem: “Nossa, eu controlo o mundo”. Você controla o quê? Você não controla nada. Você acha que está controlando algo, mas não controla nada. De novo, cai naquela categoria que comentei sobre o ego; é um problema de ego. Mas quando falo isso, não pensa que estou desmerecendo a categoria ou cuspindo no prato que comi. De maneira alguma. Tanto que sou apaixonado pelas corridas de F1. Assisto... bom, sou obrigado a assistir todas elas porque sou comentarista da Jovem Pan, mas assisto, comento e acho fascinante, porém, há estes empecilhos dentro daquele mundo, sem dúvida nenhuma. Se você falar que não tem isso daí, vou discordar completamente. Então corremos de Indy para correr de Indy e não porque fiquei sem oportunidade, um drive na F1, ou porque estava desesperadamente chutando lata ou porque tinha que guiar algo. Fui correr na Indy porque tentei uma mudança na minha carreira. Você pode dizer que, em alguns aspectos, ela deu muito certo e, em outros, de repente, não deu, mas são coisas da vida.
BF – Em algum momento, o convite para se tornar piloto de testes na McLaren te balançou? Ou, pelo fato de não correr, você descartou de cara?
Foi exatamente quando o [Nigel] Mansell foi para lá. Também conversei com Ron Dennis naquele Autosport Awards, que eles fazem todo final do ano. Ele [Dennis] explicou: “É isso que posso fazer por você: um contrato de piloto de testes. Não posso te garantir se você vai correr ou não [como titular]. Ou seja, você vem para cá, fica conosco, testa e tudo, mas não tem nenhuma garantia de se correrá ou não”. Daí respondi: “Como não tem garantia, obrigado”. Porque, naquela época, tinha medo de ficar um ano fora e perder o bonde, isto é, o mesmo bonde da F1 que perdi quando fui à Indy. Ficando um ano fora, as pessoas se esquecem de você e daí você não consegue mais voltar. Então foi mais ou menos isso que aconteceu. Olhando para trás, acho que deveria ter aceitado.
LB – Até porque o [Mark] Blundell [piloto de testes no início da temporada 1995] correu, assim como o [Jan] Magnussen [outro piloto de testes naquele ano].
BF – Sim, o Magnussen correu no [GP do] Pacífico.
Sim, exatamente.

“CHEGUEI UM BELO DIA COM O MEU PAI E PENSEI: ‘QUER SABER? ESTOU DE SACO CHEIO, VAMOS EMBORA DAQUI.'”

BF – Você chegou a considerar outra alternativa além da Indy?
Não, naquela época, ou você corria de F1 ou Indy. Nem tinha outra alternativa, entendeu? Não cheguei a considerar outra coisa.
BF – E você também disse, no início da conversa, que sua ideia era correr um ou dois anos de Indy para, na sequência, retornar à F1.
Exatamente. Tanto que, em 1995, pintou uma oportunidade para correr na Sauber. A Sauber me ligou quando estava nos Estados Unidos, só que estava no meio de uma negociação com a [Newman] Haas. A Haas era uma das melhores equipes na Indy. Aí o que você faz? Você volta à F1 para uma equipe média? A Sauber, pelo amor de Deus, com todo respeito que tenho pela equipe e pelo Peter Sauber [chefe do time], mas sempre foi aquilo lá. Ela nunca foi uma equipe vencedora; desde 1993, quando estrearam na África do Sul, eles sempre foram a Sauber: em um ano, são bons; em outro, um pouco piores, mas nunca foram uma equipe vencedora. E o que você faz? Às vezes, é uma situação complexa; são decisões que vão mudar o resto de sua vida, e não apenas o ano seguinte.
LB – Qual foi o companheiro de equipe mais forte que já pegou em toda a sua carreira? Pode falar mais de um ou um rival.
[Longa Pausa] O Morbidelli em um dia bom. Ele era muito de picos. Quando não estava em um dia bom, ele era muito fraco. Por outro lado, quando estava, era duro de roer. Infelizmente, os resultados dele não fazem jus ao potencial dele.
BF – Mas ele teve mais dias bons ou ruins?
Acho que, se ele não fosse italiano, fosse de outra nacionalidade, ele teria tido muito mais sucesso na carreira do que teve. Então... O Morbidelli em um dia bom, o Michael [Andretti] em um oval, sem dúvida nenhuma, e o Antonio Garcia, que andou comigo de Grand-Am – inclusive, quem levou ele para a Grand-Am fui eu -, andou comigo de Le Mans, fizemos LMS [Le Mans Series] umas seis, sete corridas. Ele acelera muito. E como rival, de uma maneira geral, com certeza o Rubinho. Sempre nos respeitamos, mas a nossa rivalidade sempre foi intensa, muito intensa. Em um final de semana de kart naquela época, ou ganhava o Rubinho, ou o Christian. Raramente chegava o Rubinho em quinto e eu em sexto, ou ele em quarto e eu sexto. Acontecia, mas era raro. Mas eu nunca fui companheiro de equipe dele. Companheiros, acho que foram estes três: Morbidelli em um dia bom, o Michael em um oval e o Antonio Garcia.
Lucas Santochi – Você vem de uma família que fez muito no automobilismo brasileiro: pai, tio, avô. No caminho que você trilhou, pelo que você acha que vai ser lembrado ou o que te dá orgulho de ter feito no automobilismo?
Tem gente que guarda meia, cueca, camiseta, praticamente tudo. Eu poderia ter guardado muito mais coisas, mas eu guardo as recordações na minha cabeça e um pouco em foto, que eu tenho. Eu tenho até um pouco de vergonha de falar isso, mas eu já até perdi troféu. Tem uns que eu não sei onde estão. É legal você ter a memória, mas, ao mesmo tempo, acho que você tem que viver o dia de hoje. Não adianta ficar vivendo o passado, não existe mais. O passado foi legal, você aproveitou naquela época, mas você tem que viver o dia de hoje. Quem fica vivendo o passado e não vai para a frente, na minha opinião, tá perdendo tempo. Agora, ser lembrado... Eu não procuro passar isso para ninguém. Não faço as coisas pensando que vou se lembrado por isso ou aquilo. Não estou preocupado se vou ser lembrado ou não. Faço o que é importante para mim. Que é importante para as pessoas que estão diretamente associadas comigo. Se eu vou se lembrado ou não... Não sinto dó de ninguém e não quero que ninguém sinta dó de mim, também. Não entro em uma competição ou tomo decisões de carreira pensando nisso.

“NÃO FAÇO AS COISAS PENSANDO QUE VOU SE LEMBRADO POR ISSO OU AQUILO. NÃO ESTOU PREOCUPADO SE VOU SER LEMBRADO OU NÃO.”

LS – Então, no que você pensa?
Eu quero aproveitar o momento. E eu vi bastante isso no caminhão [F-Truck] esse ano. Lembro direitinho. Foi antes de eu sair para classificar, estava sentado dentro do caminhão e pensei: “Nossa, quanta chance que eu já tive, quanta coisa que eu já guiei na minha vida.” Guiei tudo que existe no mundo para guiar, menos V8 Australiana. Acho que é a única categoria competitiva que eu nunca guiei. E eu tava dentro do caminhãozinho e lembrando. “Que legal isso aqui.” É assim que eu vou viver, curtir. Eu gosto de competição, gosto de estar exposto às dificuldades, também. Vou continuar levando deste jeito, e não: “Ai, corri de F1 e preciso fazer isso. Corri de Indy, então, preciso fazer daquele jeito.” Não enxego desse jeito. E daí? Eu corri de F1, foi ótimo e já passou. Vou correr de algo que me dê satisfação. Por exemplo, a Stock Car, o último ano que eu fiz não me deu prazer nenhum. O Linea me dá muito prazer. Não tem nada a ver uma coisa com a outra, mas as corridinhas de Linea me dão muito prazer. Todo o mundo embolado o tempo todo. É daí que eu tiro o meu prazer, satisfação. Eu não estou em uma ascendente que eu preciso passar por uma categoria para escalar mais um degrau - coisa que eu já fiz no meu passado, quando eu fazia qualquer coisa, pois sabia que precisava passar por isso para chegar lá no outro degrau. Hoje em dia, é diferente.

Fonte: tazio
Disponível no(a): http://tazio.uol.com.br
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