18 de abr. de 2011

Equação perigosa, parte 1: diferencial autoblocante



A cena deste vídeo não é exatamente novidade. Um Chevette (bem bonito, diga-se de passagem) preparado ao talo dá o seu show na saída de um encontro. Só que o monstrengo destraciona demais, o piloto decide não aliviar, tenta corrigí-lo no muque, não dá certo, e CRASH – em um carro que estava estacionado. Dos males, o menor: até onde sei, ninguém se feriu com gravidade. Agora, imagine você, dono do automóvel que foi atingido pelo Chevette. Será que o “piloto” se prontificou a assumir a responsabilidade de sua peripécia?
Por quê um carro de rua preparado é tão difícil de ser domado? Bem, vamos enumerar esta equação, começando por um dos elementos mais importantes – e traiçoeiros: o diferencial
.

Antes de ler o post, veja o vídeo acima. Não sei se já foi publicado por aqui, mas é a melhor maneira de se entender como funciona um diferencial. Mesmo que você saiba como funciona, assista. Vale a pena.
É ele quem efetivamente transmite aos pneus a potência vinda do motor, intermediada pelo câmbio. Sendo parte do conjunto de transmissão, o “difa” também possui um fator multiplicador ou desmultiplicador – sua relação, determinada pela quantidade de dentes da coroa e do pinhão. Quando você tem um carro muito preparado, é quase obrigatório que se encurte esta relação, para que a usina utilize ao máximo o potencial do novo tempero – até porque um motor preparado costuma ficar chocho em rotações baixas.
Com relação curta, a vantagem é que o poder de arrancada e retomada aumenta estupidamente. Mas em contrapartida, a velocidade final diminui, você precisa trocar mais as marchas (todas ficam proporcionalmente mais curtas), o consumo de combustível aumenta… e o comportamento do carro fica mais arisco.
Mudando de capítulo, mesmo livro. Na maioria dos automóveis de rua, o sistema de diferencial é do tipo aberto, sem bloqueio. A vantagem deste sistema é que ele não afeta a estabilidade direcional do carro quando há destracionamento: em linha reta, se você sai muito forte com um Mavecão original, apenas um dos pneus (aquele com menos carga vertical, gerando menos atrito com o solo) irá destracionar. Dificilmente você precisará fazer correções de rota, porque o pneu com melhor apoio e mais aderência estará passivo, não recebendo força do motor.

Maverick com diferencial aberto: veja como só o pneu que está gerando menos aderência recebe o torque do motor. O resultado é muita fumaça, e pouca velocidade. Ao menos, garante a estabilidade direcional.
Em curvas, sempre será o lado interno do eixo (ex: em um carro tração traseira numa curva à direita, o pneu traseiro direito) que irá destracionar primeiro sob aceleração: além de ter menos apoio vertical, sua trajetória descrita é mais curta (raio de curva menor), aumentando a tendência ao destracionamento.
Agora, num sistema autoblocante – normalmente usado em esportivos e utilitários -, não há roda passiva no eixo motriz: ambas estarão tracionando, sempre. Contudo, divisão não é 50%-50% para cada lado: isso só acontece em diferenciais 100% blocados (usados em arrancada). Geralmente, a divisão é variável (por um sistema de discos deslizantes, como embreagens), operando com um espectro entre 15 e 40% de força para a roda de menor carga, aquela que ficaria passiva no sistema aberto. Em uma curva à esquerda, digamos, a roda interna (esq) ficaria com 85% e a externa (dir) com 15% de força do motor.
O que determina estas porcentagens é o próprio sistema: carros esportivos, que gostam de curvas, trabalham com pouco bloqueio. Pense que, em uma curva feita no limite, quase toda a aderência do pneu do lado de maior apoio está sendo gasta em aceleração lateral. Não dá pra fazer milagre e querer que ele também tracione na longitudinal. A pilotagem em um circuito se resume a consumir – e principalmente distribuir – aderência lateral e longitudinal, em frenagens, curvas e reacelerações. E numa curva, o que você mais precisa é de aderência lateral.
Carros utilitários ou de arrancada, que precisam maximizar o tracionamento em linha reta e não se importam muito com curvas, trabalham com mais bloqueio. Neste caso, não é incomum a roda interna trabalhar com 60%, e a externa, com 40%.

Opala de arrancada de César Degreas: potência próxima a 1000 cv + diferencial 100% blocado = suadeira
Se você colocar um diferencial muito blocado em um esportivo, duas coisas irão acontecer. Na entrada e ao longo da curva, o carro sairá bastante de frente. Devido à diferença de raios na trajetória descrita por cada lado do eixo, na prática você estará arrastando um dos lados (lembram-se do vídeo no começo do post?). E quando você der gás, ainda pendurado na curva, a tendência é que o carro saia bastante de traseira. Afinal, quase toda a aderência do pneu apoiado (o externo) já estava sendo consumida em aceleração lateral – e de repente, você transferiu mais 40% de potência do motor para aquele pneu, ao invés de 15% (sistema típico de um esportivo) ou 0% (sistema aberto). É um destracionamento inevitável. Na verdade, como pode ser visto no vídeo acima, se você tiver motor suficiente, nem em linha reta o bicho se mantém estável.
Na prática, quanto mais próximo de 50-50 o bloqueio, mais velozes serão as suas arrancadas – já que ambos pneus receberão a potência do motor de maneira equilibrada. Só que um carro arrancando não representa um sistema estável: o torque do motor torce e rola a carroceria, a aderência de cada pneu e do asfalto nunca é perfeitamente equilibrada, a distribuição lateral de peso do automóvel nunca é 100% simétrica… sabe o que acontece?

Na prática, quando você arranca com um carro preparado e diferencial blocado 50-50, o bicho quer andar de lado. Exatamente como o Chevette do vídeo acima. Porque os pneus estão aplicando exatamente a mesma potência ao solo, mas a aderência de cada lado é diferente.
Vale lembrar que cobri apenas um tipo de sistema de diferencial, o que opera por discos ou embreagens. Há vários outros. Falaremos sobre isso numa próxima, pode ser?

Fonte: jalopnik
Disponível no(a):http://www.jalopnik.com.br

Nenhum comentário: