27 de jun. de 2012

Indy-Christian Fittipaldi, sobre Barrichello na Indy: “Está de ok para fraco”

Em entrevista exclusiva ao Tazio, piloto também fala sobre Nascar e automobilismo brasileiro

Bruno Ferreira, Leonardo Felix, Lucas Berredo e Lucas Santochi, de São Paulo
Christian Fittipaldi (Michael L. Levitt/LAT)
 
Christian Fittipaldi é um caso privilegiado e raro de piloto que teve a oportunidade de pilotar praticamente todos os tipos de carro de corrida existentes. Desde que saiu do kart, no fim dos anos 80, o sobrinho do bicampeão Emerson Fittipaldi e filho do também ex-piloto Wilson já esteve a bordo de modelos de F3, F3000, F1, Indy, DTM, Arca, duas divisões nacionais da Nascar, Gran Turismo e protótipos das mais variadas montadoras, Stock Car, Copa Fiat (antigo Trofeo Linea) e, recentemente, um caminhão da F-Truck. E a lista pode crescer ainda mais.

No mês de junho, Fittipaldi visitou a redação do Tazio Autosport e concedeu uma entrevista de mais de duas horas aos jornalistas Bruno Ferreira, Leonardo Felix, Lucas Berredo e Lucas Santochi. O vasto material será dividido em duas partes, que serão publicadas nesta quarta e quinta-feira.
Na primeira delas, Christian explica o atual momento da carreira e como seu futuro no automobilismo está ligado aos rumos familiares. Também relata a sensação de pilotar pela primeira vez um caminhão de competição e faz um comparativo bem detalhado entre a atual fase da Indy e o “momento de ouro” da categoria, do qual ele próprio fez parte. Avalia também o complicado ambiente da Nascar e as qualidades e defeitos da principal categoria brasileira, a Stock Car, pela qual teve passagens entre 2005 e 2010.
Mas o ponto de maior destaque foram os comentários sobre Rubens Barrichello, grande rival dos tempos de kart. Segundo Fittipaldi, o recordista em número de GPs na F1 vem tendo campanha “de ok para fraca” em sua nova empreitada e não está apresentando os resultados condizentes com seu talento.
Confira a primeira parte da entrevista:
Lucas Santochi – Neste ano, você já correu de muitas coisas: 24 Horas de Daytona, F-Truck, Copa Fiat, Superstar Series... No momento, o que você planeja para sua carreira?
Para dizer a verdade, acho que tudo está girando em torno da minha filha. Minha esposa ficou grávida há dois anos, então resolvemos ter minha filha no Brasil, porque morei os últimos 20 anos fora do país. Quando corri de Stock Car, entre 2005 e 2006, eu morava em Miami [Estados Unidos] e voava para cá, chegando na quinta-feira e voltando no domingo à noite. Agora, sinceramente, estamos num ponto onde vamos resolver o que vai acontecer. Se for para ficar aqui no Brasil, viria de vez, sem pensar em voltar para fora. A outra possiblidade é de morar no Estados Unidos, fazendo algumas corridas no Brasil e fora, também. E também há a possibildidade de eu ir para os Estados Unidos e correr somente lá. O fato de eu estar mais tempo no Brasil ultimamente acabou, obviamente, me gerando mais coisas por aqui, porque tive contato com mais gente. Uma coisa puxa a outra, mas a coisa está nesse pé. A grande culpada disso tudo é a minha filha de um ano e nove meses [risos]!
Lucas Santochi – Mas, hoje em dia, qual é a tendência? Seria de ficar no Brasil, mesmo?
[Pensativo] Não. Eu nem digo isso de maneira política, mas acho que hoje em dia está 50-50. Existe uma possibilidade bem grande de ficar no Brasil, mas também existe uma possibilidade bem grande de voltar para fora. Voltando à pergunta original, onde você disse que eu já corri de muita coisa: graças a Deus, tive a oportunidade de experimentar outras categorias até para ver o que eu acho, como me sinto. Se eu conseguir achar alguma coisa que case legal, o negócio seria ficar em definitivo aqui no Brasil. Mas nada impede que eu possa passar um tempo nos Estados Unidos – eu adoro lá, passei 15 anos da minha vida lá. Não me visualizo morando na Europa, mas não sabemos o futuro. Sinceramente, acho que os Estados Unidos tem muito mais a ver comigo. A Europa foi um período da minha vida, mas foi há muito tempo. De lá para cá, muita coisa mudou. Hoje em dia, eu me concentro muito mais nos Estados Unidos do que no Brasil.
Leonardo Felix – A experiência com o F-Truck é muito diferente do que você já havia tentado antes?
É mais parecido do que as pessoas imaginam – todos pensam que é pesadão, grandão. Realmente ele é pesado, mas temos que lembrar que são 1350 cavalos te empurrando. Com certeza, o veículo que tem mais cavalo empurrando que eu já guiei até hoje. O mais próximo disso foi o Indy, que tinha em torno de 1000 cavalos em 1999, 2000. Tudo bem que o caminhão é bem mais pesado que o carro, mas vou ser sincero: ele empurra, e bastante. O caminhão tem bastante torque, então, quando você acelera e sai das curvas, é um negócio impressionante. A única coisa é que, como o motor é a diesel e gira pouco, é preciso lembrar que depois de 100, 200 metros, tudo aquilo que você empurrou, acaba. Então, o caminhão vai mais ou menos na inércia. Mas, quando você dá a primeira “patada” depois da curva, por um instante o cara vai questionar se está realmente andando em um caminhão. Essa experiência eu achei fantástica. Outro ponto interessante foi quando tive meu primeiro contato, esperava encontrar um negócio de três metros. Mas o caminhão nada mais é do que um carro que tomou fermento. Ele é um pouco maior, mas é preparado para competição – é baixinho, tem alguns truques que tem no carro... Fazendo um resumo, é muito mais próximo de um carro de corrida do que as pessoas imaginam.
Bruno Ferreira – Independente da decisão de ficar no Brasil ou não, há alguma categoria que te agrade mais em relação ao formato de corridas, carro e etc?
Acho que, hoje em dia, os carros da Grand-Am são os que tem mais essa combinação. É um carro rápido – não é o mais avançado tecnologicamente, mas te dá a oportunidade de pilotar, de extrair todo o prazer daquilo que está guiando. É relativamente seguro, corre em locais relativamente seguros, também. Juntando todos esses fatores, acaba pesando na decisião. Se você me perguntasse se eu voltaria para Indianápolis para disputar as 500 Milhas, não, obrigado. Inclusive, desde que parei de correr na Indy, tive quatro ou cinco convites concretos para voltar para lá, mas não voltei em nenhuma delas. Achei que foi uma época legal da minha vida, aprendi bastante, conheci muita gente, mas tive algumas batidas no muro – e o tal do muro é bem duro. [risos] Não sei se hoje em dia, com minha idade e a fase pela qual passo na carreira, eu passaria por isso de novo. Tendo dito isso, nada impede que eu esteja correndo de Línea em Goiânia, tome uma porrada legal e me machuque. Sempre estamos expostos a alguns tipos de risco, mas essa exposição em um Línea é dez vezes menor do que num Indy, numa pista oval, batendo roda com um monte de pessoa.

“TIVE QUATRO OU CINCO CONVITES CONCRETOS PARA VOLTAR PARA A INDY.”

Lucas Santochi – Até falando em Indy, a categoria foi bastante criticada no último ano por causa da segurança. Vendo de fora, você achava que a categoria era perigosa?
Acho que não é nem tanto o problema do carro, mas sim da natureza de onde eles correm. Os ovais sempre foram extremamente perigosos. Do meu ponto de vista, o que deixou ainda mais perigoso foi, por incrível que pareça, a melhora dos pneus. Quando fui correr de Indy, tinha uma guerra muito grande entre as marcas. Fazíamos a volta de classificação – com pneu novo, era uma situação bem crítica. Tínhamos de colocar um monte de asa para o carro ficar neutro. Depois que terminavámos, a coisa ficava menos crítica. Começávamos a prova virando, por exemplo, 20s alto. No final do primeiro stint, os pneus pioravam tanto que os tempos eram em 23s, 24s, o que faz grande diferença. As velocidades são completamente diferentes. Quando se batia naquela época, em vez de atingir o muro a 180 km/h, era em 155 km/h. Esses 25 km/h fazem muita diferença. Hoje em dia, você larga e anda no mesmo ritmo durante 20, 30 voltas, com todo mundo andando lado a lado, bem próximo. Para quem está assistindo na arquibancada é interessante, mas, para quem está no carro, não é tanto assim. [risos]
Lucas Berredo – Por falar em acidentes, você teve um bem grande em Surfers Paradise, em 1997. O que você se lembra daquilo?
Lá só foi impressionante, porque, comigo, não aconteceu nada. Só aconteceram coisas mecânicas, já que eu quebrei uma perna e um pé. Acho que o pior acidente que eu tive foi testando em St. Louis, em 1999. Estava usando o carro e o motor do ano seguinte e tive um problema no fim da reta. Acabei entrando de ré, bati e desliguei completamente. Só fui acordar no hospital e fiquei 50 dias fora, sendo que nos primeiros 20 eu só queria dormir – dormia 18 horas por dia. Perguntava direto para o médico, o Steve Olvey, que era médico da Cart, se aquilo era normal. Ele dizia que sim, que era a minha cabeça tentando se recuperar. Eu estourei alguns vasos sanguíneos, então, além de eu querer dormir, eu tinha uma dor de cabeça constante. Ele me disse que eu não tinha o que fazer, que eu tinha que esperar. Um belo dia, entrei no chuveiro para tomar banho com dor de cabeça, mas saí sem a dor de cabeça. Foi a coisa mais louca da minha vida! Liguei correndo para o médico, dizendo que estava bem e perguntando se eu poderia já voltar a correr. Ele disse “calma, não é bem assim”. Tive que passar por vários testes para poder voltar. Era algo do tipo “ligue a foto da galinha com a outra foto da galinha”. E, no meu primeiro teste, mesmo que eu não tivesse mais dor de cabeça, eu não consegui passar. Esperei mais duas semanas, repeti o teste e passei.
Lucas Santochi – Recentemente, o Rubens Barrichello afirmou que você foi o maior rival da carreira dele. Foi o mesmo para você?
Como rival único, se eu for apontar um só, sem dúvidas nenhuma foi ele. A nossa carreira foi feita junta o tempo todo. Ele teve muito sucesso aqui no Brasil, e eu também. Aí eu tive um bom sucesso em campeonatos mundiais de kart – terminei em sexto duas vezes, onde eram 120, 130 pilotos correndo. Em uma dessas vezes, eu larguei em quarto na final, e, quem ganhasse, seria o campeão. Em todos esses momentos, apesar dos outros concorrentes, a minha preocupação na pista era o Rubinho e acho que a preocupação dele era eu. Tenho certeza que eu não seria quem eu sou hoje se não fosse o Rubinho, e espero que eu possa falar o mesmo dele em relação a mim. Eu concordo com ele – a nossa história durante os anos de kart foi muito intensa. Começamos a correr de F1 praticamente juntos, mas, depois, as nossas vidas tomaram rumos completamente diferentes. Quando cheguei nos Estados Unidos para correr na Indy, tinha somente uma sacolinha de mão. Tinha deixado tudo na Europa, porque eu não achei que eu iria ficar por lá – pensei que voltaria à F1. Depois de três ou quatro meses, assinei meu primeiro contrato com a Newman-Haas, que era de três anos. Quando chegou ao fim deste contrato, assinei por mais dois, e eu perdi o bonde da F1. Eu tinha uma vida nos Estados Unidos – casa, amigos, periquito, papagaio... Não tinha mais como voltar à F1.

“TENHO CERTEZA QUE EU NÃO SERIA QUEM EU SOU HOJE SE NÃO FOSSE O RUBINHO, E ESPERO PODER FALAR O MESMO DELE EM RELAÇÃO A MIM.”

Lucas Berredo – O que você está achando do rendimento do Barrichello na Indy?
Até agora? De ok para fraco. E acho que ele diria a mesma coisa. Se você perguntar para ele sobre as provas até agora, e se ele for sincero, não sei se ele vai falar que está extremamente contente. Principalmente nas pistas mistas. Tudo bem, você pode alegar que ele nunca correu de Indy, mas ele tem mais quilometragem em carro de corrida do que seis, sete pilotos juntos. Então, uma coisa compensa a outra. “Ah, ele nunca correu de oval”? Sim, mas também tem uma série de pilotos que nunca correram de oval e foram muito bem. A primeira vez que fui para Indianápolis, cheguei em segundo, e eu nunca tinha corrido em oval. Pelo amor de Deus, eu não estou aqui para fazer comparação nenhuma, mas estou dizendo o que eu acho que está se passando na cabeça dele. Eu conheço sua capacidade e sei que ele é muito mais capaz do que os resultados que ele teve até agora na Indy possam indicar. Ele, como competidor feroz que eu sei que ele é, no fundo, no fundo, no fundo, não deve estar feliz. Ele não saiu da F1 para ir para a Indy e andar em oitavo, décimo, 15º.
Lucas Berredo – Mas isso também não é reflexo da equipe pela qual ele está correndo?
As primeiras comparações que a gente tem é com o companheiro de equipe. Querendo ou não, o Tony [Kanaan] está tendo uma temporada difícil até agora, mas, comparado com a do Rubinho, ele apareceu muito mais. Temos que lembrar também que eles são grandes amigos, então é claro que o Tony tenta acelerar o máximo possível o processo de aprendizagem do Rubinho, principalmente no que diz respeito aos ovais. Só que, no fim das contas, você está sozinho no carro. Outra coisa que vi: no momento em que ele saiu da F1, ele achou que iria entrar na “Red Bull da Indy”, que a equipe do Tony fosse ser melhor do que ela é. E não é o caso. A equipe do Tony está muito abaixo da Penske e da Ganassi. É óbvio que, se você não tiver material de ponta para competir, nunca vai conseguir fazer nada. Temos que lembrar que o pessoal que guia de Penske e Ganassi não é idiota. Eles aceleram para caramba e tem uma experiência gigante na Indy. Talvez ele achasse que a transição seria menos difícil do que está sendo. Mas lá tem gente que acelera. Eu vi isso quando fui para lá. Isso fez com que eu pagasse a língua, porque eu achei que o pessoal do outro lado do “laguinho” não acelerava tanto quanto os do Velho Continente. O automobilismo americano tem aquele perfil mais tranquilo, todos falam com todos, mas, na hora de bandeira verde, ninguém quer saber. Todos querem sentar, acelerar, e “se vira, negão”. Mas nada impede que ele não possa se adaptar e, tendo a oportunidade correta, ter sucesso na Indy. Eu ficaria surpreso se ele não tivesse sucesso na Indy. Não sei o que falta ele ainda se adaptar, mas uma coisa eu tenho certeza: falta de talento não é.
Lucas Santochi – Como foi o seu processo de transição para a Indy? Você acha que acertou ao se transferir para lá?
Na Indy, houve dois momentos em que estava muito bem. Em 1999, eu estava bem. Quando saí de Toronto, estavam Dario [Franchitti], [Juan Pablo] Montoya e eu disputando o título. E daí aquele acidente em St. Louis ferrou minha temporada, tanto que perdi seis corridas e cheguei em sétimo lugar no campeonato, mesmo perdendo este número de provas. De repente, tudo bem, não ganho, mas se chego em segundo [em 1999], muda uma série de outras histórias que aconteceram depois. Para tudo na vida, você precisa ter um pouco de sorte, você precisa ter o papai do céu que vai te empurrar naquele momento e falará: “Ó, esse daqui, vou ajudá-lo”. E você quer saber? Acho que tive bastante sorte nos meus acidentes, principalmente em Monza. Tudo bem, papai do céu não me deu em forma de conquistas ou vitórias, mas me deu em forma de vida. O que é mais importante? Você tem que pesar isso daí, eu também tenho que ser muito grato durante minha carreira inteira.

“ACHO QUE TIVE BASTANTE SORTE NOS MEUS ACIDENTES, PRINCIPALMENTE EM MONZA. TUDO BEM, PAPAI DO CÉU NÃO ME DEU SORTE EM FORMA DE CONQUISTAS, MAS ME DEU EM FORMA DE VIDA.”

Bruno Ferreira – Você disputou a Cart entre o fim dos anos 1990 e o começo dos anos 2000, um período considerado por muitos como a melhor fase da categoria.
Sim, sim, o melhor. Disparado.
Bruno Ferreira – Era assim que vocês viam na época? Era a categoria tão forte tecnicamente quanto a F1 e também em relação aos pilotos?
Não, tecnicamente não, porque o carro não era tão avançado. Acabara de sair da F1 e sentei em um carro da Indy. Diria que era 85% de um carro de F1, um carro de Indy naquela época. Ele andava mais, freava menos e fazia menos curvas. Quando falo isso, não era um carro 10s mais lento, era um pouco menos. Então era diferente, mas eram os anos áureos da Indy, onde tinha bastante dinheiro. A categoria era saudável, todo mundo estava bem. Por exemplo, só a gente [da Newman-Haas, time de Fittipaldi na Cart entre 1996 e 2002] tinha três motorhomes da equipe que iam a todas as corridas. Em algumas, podíamos levar até um quarto. Você entrava no paddock, e isso você pode ver como um sinônimo de como a categoria estava bem, e havia 35 ou às vezes 40 motorhomes. No final da Cart, fui assistir a uma corrida em Las Vegas, nem corria mais, e tinha uns três motorhomes lá dentro. Por aí, você vê o quanto a categoria mudou. Havia patrocinador para todas as equipes, os eventos eram bem mais cheios, era tudo mais sólido e rico em todos os sentidos.
Bruno Ferreira – Você disputou o último ano da categoria unificada, pois em 1996, ela se dividiu em duas: a Cart e a IRL (Indy Racing League). O quanto você acha que esta divisão prejudicou as duas categorias?
Completamente. A IRL levou mais tempo para decolar e ela só decolou porque faliu a Cart. Porque, se ela não tivesse falido a Cart, 90% das equipes e pilotos que corre por lá hoje em dia não participaria do campeonato. O que acontecia? A IRL era tida geralmente como um campeonato dos pilotos que não conseguiam ir para a Cart. Quando a IRL faliu a Cart, pois não havia mais onde correr, todo mundo evidentemente foi obrigado a migrar para lá. Então, atualmente, a IRL virou praticamente a Cart por causa disso, mas não é a mesma Cart daquela época.
Bruno Ferreira – A temporada de 2002 foi a última em que a Ganassi participou do campeonato, assim como a última em que uma boa quantidade de motores estava disponível para as equipes. Foi com base nisso que você deixou a categoria naquele ano?
Fiz um comentário no México sobre esta questão que não foi bem-vindo pela minha equipe, mas no final de 2002, tenho quase toda certeza disso, nove pilotos deixaram a categoria e nenhum deles foi mandado embora. Todos saíram ou pediram demissão. Por aí, você vê a situação da categoria. E todos os nove tinham emprego no ano seguinte, em categorias diferentes, por motivos distintos. Não vou entrar no mérito da questão porque um deles foi para cada categoria, mas os nove pilotos que deixaram a Cart no fim de 2002 estavam guiando em 2003, com empregos certos.
Lucas Santochi – Você acha que a Indy perdeu a oportunidade de se tornar uma categoria tão competitiva como a F1?
Acho que [a Indy] perdeu o bonde. Houve um problema de comunicação e de ego. Lembro que, naquela época, alguns queriam correr nos Estados Unidos, e outros queriam uma categoria mais internacional. Alegavam o seguinte: alguns carros eram patrocinados por empresas 100% americanas, então por que a empresa americana tem que pagar para a equipe correr aqui no Brasil, sendo que muitos por aqui nem sabem o que aquela marca quer dizer? Então este foi o grande problema da Cart. Diria que até uma falta de identidade para [entender que] está bom, vamos fazer isso [a Indy unificada], esse é o nosso plano, [mas] só correremos nos Estados Unidos, seremos uma categoria norte-americana. Será o negócio mais fodido que existe no mundo, porém vamos correr apenas aqui nos EUA. Ou... vamos partir para um mercado internacional, algo que eles tentaram, mas não tiveram tanto sucesso, como a corrida na Alemanha [em Lausitz] e na Inglaterra [Rockingham e Brands Hatch]. A corrida de Surfers sempre teve sucesso, então houve coisas que deram e não deram certo. Aqui no Brasil, acho que foi OK. Não acho que a corrida teve êxito, mas também não foi um tipo de fracasso. Lá na Inglaterra, por exemplo, foi um fracasso, na minha opinião. Acho que faltou liderança, faltou um Bernie Ecclestone para a Cart. Ele diria: “Ó pessoal, agora todo mundo calará a boca, faremos isso e isso e veremos no que vai dar”. Tem gente que odeia ele [Bernie], mas a F1 só é a F1 hoje em dia por causa dele. Não fosse o Bernie, a F1 não seria o que é a F1 com todo poder que ela tem, enfim, todos os households que ela consegue atingir tanto televisão quanto mídia escrita. Deve-se tudo isso a Bernie Ecclestone.

“FALTOU UM BERNIE ECCLESTONE PARA A CART.”

Lucas Santochi – Falando de Nascar, é importante ressaltar que, mesmo nos Estados Unidos, a Indy ficou pequena [em comparação com a primeira categoria].
A Nascar tinha o seu Bernie, que era a família France. Por isso, digo que faltou uma liderança lá na Cart, porque a última não tinha ninguém assim. A Cart tinha um grupo das equipes, isto é, Pat Patrick, Carl Haas, Roger Penske, Chip Ganassi e mais sete ou oito donos de times que sentavam em uma mesa redonda, só que cada um tentava defender seu interesse. Vai fazer 15 donos se entenderem e fazerem a mesma coisa. Isso não existe, nunca vai existir. É humanamente impossível; um vai querer fazer algo e outro algo. E aí que eu acho que a Cart definitivamente perdeu.
Lucas Santochi – Pelo conhecimento que você tem o sobre mercado americano, você acha que a Indy ainda pode correr atrás do prejuízo?
Lucas Berredo – Seria legal se você também comentasse sobre o recente cancelamento da prova em Qingdao, na China. O que você achou dessa situação?
Coincidentemente, eu ia até citar esse caso [risos]. Acho que, no horizonte dos próximos cinco anos, ficaria surpreso se a Indy voltasse ao que era na década de 1990. Ficaria extremamente surpreso. Nos próximos dez anos, eu acho possível; daqui a cinco, não. Do mesmo jeito que, de repente, depois destes cinco anos, o negócio [Indy] pode até não existir mais, o negócio vai acabar. Não acho que, no ano que vem, vai mudar. Ah, vai mudar daqui a dois anos? Também não. É o sonho de muitas pessoas, mas não acho que mudará daqui a dois anos. Todo mundo falou e falou sobre a entrada das montadoras, os três motores diferentes, não sei o quê. Primeiramente, há apenas dois motores [Chevrolet e Honda]; o terceiro [Lotus] é um fiasco total, uma brincadeira de mau gosto. Ou seja, eles abriram para outras montadoras, mas o que aconteceu? Não é que dez montadoras quisessem participar lá da Indy como no passado, na minha época, em que não havia dez, mas cinco ou seis marcas de motor, três de chassi e duas de pneus. Em um futuro próximo, isto é, nos próximos cinco anos, não vejo isso acontecer.
Lucas Berredo – Atualmente, no que você acha que a Indy precisa se acertar? Você não acha que, de repente, a entrada de um novo chassi poderia melhorar as coisas? E o Randy Bernard, atual presidente da Indy, ele é um profissional pouco experiente, vindo de outras formas de competição, no caso o rodeio americano.
Falta um cara com mais liderança, entendeu? Um sósia do Bernie Ecclestone [risos]. Alguém que entenda as necessidades do mercado americano, dos patrocinadores e das equipes. O Randy, de repente, entende as necessidades americanas e dos patrocinadores, pelo fato dele ser 100% americano, mas qual é o histórico dele com automobilismo? É por isso que [a categoria] peca bastante. Se conseguisse achar alguém que tivesse esta combinação inteira, seria maravilhoso. O Bernie, antes de ser o Bernie, foi dono de equipe, enfim, ele acompanhou e viveu a F1.
Lucas Berredo – Roger Penske seria um bom nome?
Precisa ver se ele estaria interessado nisso. Acho que não. Ele está mais interessado em ter as equipes dele do que eventualmente fazer isso.
Lucas Berredo – Queria que você falasse um pouco sobre a experiência na Nascar. Você chegou à categoria correndo pela equipe do Richard Petty, um dos pilotos lendários da história da classe, e sendo um piloto com formação europeia, qual foi a principal mudança para você quando migrou para a categoria?
Bruno Ferreira – Você pode falar também mesmo sobre o ambiente da categoria em comparação com a Indy.
É muito simples. A principal mudança foi a seguinte: terminou a Cart, qual era a outra opção? A IRL. Eu não estava nem um pouco a fim de correr o ano inteiro em circuito oval, zero a fim, zero, zero.
Bruno Ferreira – Qual era a razão exata por isso? Por questão de perigo ou pelo fato de você não gostar de ovais?
Acho que a combinação dos dois fatores. Em um campeonato legal como a Cart, a maioria dos circuitos era misto, alguns ovais pequenos e outros grandes. Eu achava que era uma combinação perfeita. Gostava daquilo lá. Agora, ir para a IRL e correr com todo mundo lado a lado o tempo inteiro, inclusive podemos acompanhar o número de acidentes em que vários pilotos se machucaram logo que terminou a Cart, sinceramente eu não era nem um pouco a fim. Acho que tomei a decisão certa. Acho que só quem teve sorte não se machucou. Você pode pegar o exemplo do Felipe Giaffone. Ele deu uma porrada legal no Texas e, tudo bem, ele está bem hoje em dia e consegue relativamente participar de eventos de kart e caminhão. Ele domina o mundo do caminhão, mas não anda retinho. Então sobrou alguma coisa, não sei se eu estava a fim de também entrar nesta situação.
Bruno Ferreira – O Kenny Brack também sofreu um acidente bem forte.
O [acidente do] Kenny Brack foi ainda pior. O cara ficou realmente entre a vida e a morte. E não vamos nem falar daqueles que andam de cadeira de rodas até hoje ou os que morreram. Você está esquecendo do Tony Renna [morto em 2003, durante um teste de pneus da Firestone], daí...
Lucas Berredo – O Dana também, né? O Paul Dana [morto durante os treinos livres para a etapa de Miami, em 2006].
Paul Dana, Dan Wheldon... O ser humano no mundo, às vezes, tem a memória falha, porque se perdemos dez minutos de nosso tempo, veremos a quantidade de porradas e de pilotos que se machucaram [nos primeiros anos da IRL após a ida de Ganassi e Penske para a categoria]. Então sinceramente, não tinha nenhuma opção. Já tinha perdido meu bonde na F1. Não dava para correr de F1. O que eu ia fazer? Ou correria de Nascar ou, sei lá, qualquer outra coisa. Este foi o motivo por trás da decisão de correr na Nascar, até mesmo porque eu pensava que teria dez anos de carreira pela frente pilotando nesta categoria. Eu parei de correr de fórmula relativamente cedo, com 32 anos, e juro que me visualizava correndo de Nascar com 40, 42 anos.
Lucas Berredo – E as negociações? Como foram? E como surgiu a oportunidade?
Eu comecei conversando com o Carl [Haas, dono da equipe em que Christian corria na Indy], que também tinha uma equipe de Nascar. Eu fui testar um carro deles na Flórida. Ele na verdade me ofereceu um oportunidade. Aí ficou vai, não vai, vai, não vai... Não lembro como fizemos o primeiro contato com o Kyle [Petty], na verdade. Eu negociei sempre com o Kyle. O Richards [Petty]aparecia, mas o Kyle sempre que cuidou da equipe e também guiava. E, se você perguntar para mim, era uma equipe que estava ganhando? Não, mas era uma equipe que tinha nome por causa do Richard. O cara foi sete vezes campeão norte-americano de Nascar e tudo. E naquele ano, o anterior ao que eu fui, o Kyle acho que estava em 18º no campeonato, [portanto] era um ótimo pacote, sólido, e eles vieram melhorando. Daí você fala, “18º é horrível”. Não, de Nascar não é horrível, pois você tem que lembrar que são 43 carros e, se você consegue andar no meio do bolo o tempo todo, alguma coisa de interessante tem no carro ou no piloto.
Lucas Berredo - Na prática, a equipe não tinha essa estrutura toda?
Eu achei que, para minha primeira temporada, primeira experiência na Nascar, seria uma opção boa e sólida para mim, que a combinação do Christian com os Petty e eu sendo o primeiro estrangeiro a realmente correndo na Nascar poderia ser interessante para todo mundo e atrair vários patrocinadores. Só que acabou não sendo desse jeito. A equipe foi piorando cada vez mais, tanto que dois anos depois que eu fui lá, eles fecharam. Hoje em dia existe a Richard Petty Motorsports, mas não tem nada a ver com a Petty. A Petty Enterprises era a equipe. A Richard Petty é só o figurante Richard Petty. Só o moço de chapeú que vai na pista, mas não tem nada a ver com ele. Aquela equipe era a Ray Evernham, que era a equipe de fábrica da Dogde e foi comprada por um grupo canadense e esse grupo fez uma oferta para o Richard Petty para usar o nome dele. É mais ou menos isso. A Petty Enterprises, que foi fundada pelo próprio Richard e veio desde o Lee Petty, fechou.
Lucas Berredo – E o carro da Nascar? Você conseguiu se adaptar bem?
Acho que consegui, mas estava difícil naquele ano para a equipe em geral. Considerando a situação, eu fui relativamente bem, teve corridas que eu não classifiquei, teve algumas que os outros pilotos também não conseguiram classificar, e outras que eles foram bem. Tava meio que uma loucura porque a equipe estava tentado se salvar. E quando você entra em um momento de crise, não importa o que você está fazendo, você não olha para frente, você está tentando sobreviver. E na hora que você está tentando sobreviver, você faz o possível e o impossível, e muitas vezes nesta situação, você só faz o impossível que dá errado. Então, consequentemente, acaba dando tudo errado.
Leonardo Felix – A Nascar parece ser um ambiente muito fechado. Vários pilotos de sucesso em outras categorias, como você e o Juan Pablo Montoya, têm muita dificuldade de conseguir se inserir naquele ambiente e ter sucesso. O que você acha que existe lá para tornar tão difícil se integrar naquele ambiente?
Essa é uma boa pergunta, que eu já me questionei várias vezes, tentei analisar o esporte mais a fundo, e acho que você praticamente precisa ser um deles, precisa nascer lá. O que me chamou a atenção da Nascar foi o seguinte: naquele ano e meio que estive lá, eu tinha assinado um contrato de três anos com eles, e na metade do primeiro ano, eles mandaram o John Andretti embora e me colocaram no carro dele na Cup. Não era para eu andar de Cup naquele primeiro ano, era para eu andar de Arca e Busch, que hoje é a Nationwide. E me jogaram junto com as piranhas e disseram “se vira, negão, é isso que temos para você”. E não deu certo por um milhão de motivos, assim como eles passaram por três ou quatro pilotos naquele ano e nada deu certo. No segundo ano, eles tavam me pagando para ficar em casa, pois não tinha carro para eu guiar. Na hora que chegou no meio da temporada eu disse “olha, não está dando certo para vocês, não está dando certo para mim, vamos terminar isso aqui, que eu imagino outra coisa. Tudo bem, paciência”. Foi aí que eu caí fora no meio do contrato.
Leonardo Felix – E você acha que foi meio “excluído” daquele ambiente?
Eu acho que, muitas vezes, quando chegava uma informação em mim - pois o piloto sempre tem que estar por dentro de tudo o que está acontecendo na categoria, não importa se você está correndo de caminhão, de F1, você tem que saber das fofoquinhas, que algo pode acabar te privilegiando. E quando eu achava que eu sabia de alguma informação privilegiada, que eu ficava supercontente, nossa, o paddock inteiro já sabia daquilo duas semanas antes porque o primo é casado com a prima do irmão do isso, daquilo, que é vizinho daquele que mora lá... Eles são muito fechados, moram em uma comunidade, todo mundo volta para o mesmo lugar, todo final de semana estão juntos, domingo à noite voam de volta para Charlotte, alguns moram em Morrisville. No pouco tempo livre que eles têm, vão pescar juntos, estão sempre juntinhos. É muito fechado o negócio lá. Por isso que acho que o único jeito, praticamente você tem que nascer no meio, tem que fazer parte do meio. Não que eles não te aceitem. É difícil explicar. Não acho que tinha alguém que “nossa, não fala com ele”. Me deram oportunidades, vinham pacientes falar comigo, tentar me explicar algo. Foram simpáticos. Óbvio, simpáticos pela frente e esfaqueando por trás, mas isso é normal em qualquer lugar que você corre. É a mesma coisa, você tem um grupo sólido aqui dentro, se vier um cara gringo trabalhar aqui, vocês podem até aceitar ele, mas é diferente aceitar um cara concorrente que vem de outro site. Realmente é difícil de explicar.

“A NASCAR É UM NEGÓCIO MUITO FECHADO. POR ISSO QUE ACHO QUE O ÚNICO JEITO [DE FAZER SUCESSO LÁ] É PRATICAMENTE NASCER NO MEIO.”

Leonardo Felix – Vendo o caminho que o Nelsinho Piquet e o Miguel Paludo estão fazendo, passando gradativamente desde a Truck Series e pela Nationwide para tentarem a Sprint Cup só quando tiverem resultados mais sólidos, você acha que isso pode mudar o panorama para os estrangeiros?
Acho que eles estão fazendo o caminho certo. Vai depender de quanto tempo o bolso de quem está patrocinando eles vai aguentar. Uma coisa é você estar lá porque às vezes você tem que estar em uma situação proque você não tem dinheiro e foi contratado por uma equipe e é outra coisa quando você tem o dinheiro nas mãos e poder escolher a equipe que você quiser guiar. Por exemplo, na Nascar, se eu pudesse voltar, eu adoraria ter um patrocinador para que eu pudesse pagar para uma equipe. O que infelizmente não foi o caso. Aqui no Brasil você escuta as pessoas falando, parece que é o sonho de todo mundo: “Ah, eu fui contratado”. Grande bosta que você foi contratado! Eu, naquela época, juro por Deus, agora, olhando para trás, se eu pudesse voltar, queria ter um caminhão de dinheiro comigo e falar: “Eu quero correr aqui, pois é essa equipe que vai me dar a melhor oportunidade de resultado e os meus resultados vão gerar milhões de outras coisas”. É melhor isso do que você se encontrar em uma situação de ou você pega aquilo ou não tem onde correr. Voltando ao Nelsinho e ao Paludo, sem dúvida nenhuma acho que eles estão na estrada correta. Agora, vai depender se eles têm fôlego para continuar neste nível até chegar na categoria principal. Por outro lado, acho que se tanto o Nelsinho quanto o Paludo tiverem bastante sucesso na Nationwide, imagino que naturalmente possa pintar algo em uma equipe grande. Mas não é garantido. Um exemplo é o Jeff Gordon, que foi “Dupont boy” por não sei quantos anos, é um dos caras mais carismáticos lá dentro e a Dupont caiu fora. Ele teve que abaixar o salário dele lá na Hendrick para fazer o programa dele funcionar, pois não tem dinheiro disponível para fazer a coisa funcionar. Tiveram alguns casos que... É complicado, não é tão fácil quanto as pessoas imaginam. Você precisa estar amparado por aquele saco de dinheiro sempre.
Lucas Santochi – O que acha da Stock Car?
Acho que aqui no Brasil eles fazem... Diria que um bom trabalho. Não entendo esse negócio de proibir as equipes de correrem lá dentro. Ou seja, se você quer ter uma equipe, vai lá e corre. Acho que é a única categoria do mundo que eu conheço que você tem que comprar... Tudo bem, fora a F1. Mas a Stock Car não é a F1. E acho que, às vezes, eles acham que são a F1. Então, diria que, se eu tiver que fazer uma crítica, é mais ou menos isso. Mas quanto à competição, acho extremamente competitivo, você olha o tempo em algumas pistas, você tem 15, 18 carros em meio segundo, um segundo. E é difícil. Tem muita gente que está lá dentro há muitos anos e pegou a manha de guiar aquele carro. Você está falando de um grid de pilotos bem sólidos e consistentes. São pilotos que ou foram para fora e não conseguiram correr lá fora e tiveram que fazer uma carreira aqui no Brasil, ou que se especializaram em automobilismo nacional - e não tem nada de errado com isso - e se tornaram pilotos de sucesso aqui no Brasil. De automobilismo nacional, é a categoria mais forte que existe, sem dúvida nenhuma. Só acho as vezes que falta uma identidade para a Stock Car. Já ouvi vários comentários, já até participei de vários briefings, e uma hora eles estão se comparando com a F1, outra com a Nascar... “Ah, que na Nascar é assim... Ah, que na F1...” Gente, na Nascar é assim por um motivo. Na F1 é assim, por outro. Vocês são a Stock Car. E vocês têm vida própria por méritos de vocês e precisam encontrar as soluções para os problemas de vocês. E não se comparar às outras categorias. Deixa eles fazerem o que quiserem. Concentra no seu e evoluir no seu negócio aqui no Brasil. Se você se concentrar só no seu e parar de se comparar com os outros... Às vezes, o que funciona para a F1, não funciona para a Stock Car. E o que funciona para a Stock Car, não funcionaria para a F1. Acho importante sempre analisar os outros para ter ideias, mas não ficar copiando, pois o que funciona para um, não funciona para o outro.

“ACHO QUE, ÀS VEZES, A STOCK CAR PENSA QUE É A F1.”

Lucas Santochi – E como melhorar?
De repente, poderia melhorar o evento partindo do princípio que hoje é um evento bom, mas é [só] bom. Se você perguntar para mim: você acha que é algo de outro mundo? Não, não acho. Acho que é um bom evento e que vai continuar a ser o que é. Tenho a curiosidade de [saber] se ela vai continuar tendo a mesma força que ela tem hoje em dia caso a Globo algum um dia pare de apoiar. Isso é uma curiosidade muito grande que eu tenho. Outra observação que eu faço é que acho que os preços lá na Stock Car para você correr estão chegando em números um tanto quanto irreais. Não me pergunte onde, eu não estou participando, não sou dono de equipe, não sei onde se gasta mais ou menos. Mas os orçamentos que você escuta hoje em dia, você consegue correr nos Estados Unidos. Consegue praticamente correr de Indy. Tudo bem, não vai correr em uma equipe boa. Mas consegue correr de Indy, algumas corridas, em Indianápolis. Por muito menos dinheiro do que se paga para correr um ano inteiro de Stock Car. Agora, tem gente que prefere correr um ano inteiro de Stock Car, tem gente que prefere correr na Europa... Mas, sem dúvida nenhuma, é uma categoria interessante.
Bruno Ferreira - Mas seria interessante para você voltar lá um dia, caso fique no Brasil mesmo?
Depois da minha última aventura na Stock Car, sinceramente, eu não faria de novo daquele jeito. Vou até abrir o jogo: foi dificíl para o [Alexandre] Gramacho [chefe da Gramacho Racing, onde ele correu] e difícil para mim. Uma vez que eu combinei com eles, eu ia cumprir o meu contrato, o meu acordo até o final. Mas eu também sei das dificuldades que ele passou com falta de dinheiro durante o ano, e acabou sendo uma situação desagradável para ele e para mim. E se teve uma lição que eu aprendi com aquela experiência é de nunca mais na minha vida fazer uma situação exatamente como foi feita aquela. Quero deixar bem claro: não estou culpando ele, acho que foi culpa de uma situação. Um monte de gente que prometeu várias coisas para a gente que acabou não acontecendo. Se você perguntar para mim: você faria de novo extamente como foi feito naquela situação? Eu não faria e tenho certeza que ele também não faria. Por isso foi uma decisão fácil de ser tomada. E eu também não participaria da Stock Car se não tivesse uma oportunidade competitiva, pois acho que não faz sentido. Graças a Deus, não preciso disso na minha vida. Eu estou feliz hoje em dia, também estou me divertindo com o que faço, que é o que eu gosto. Mas se aparecesse uma oportunidade legal, sem dúvida nenhuma que eu estaria aberto a olhar para toda a situação. Mas, naqueles moldes, não obrigado.
Lucas Santochi – Tecnicamente, em termos de carro, você acha que a Stock Car está em um bom nível?
Acho que está em um nível legal. Os pilotos se respeitam bastante. Em um dos últimos briefings que eu estive, você escuta até um bate-boca: “Não, você me fechou na classificação, na volta do pneu...” Dá vontade de subir lá na frente, olhar para todos eles e dizer: “Vocês não tem ideia do que é correr fora do Brasil. Aqui, todo mundo respeita todo mundo para caramba.” De todos os lugares que eu corri na minha vida, no mundo inteiro, é um dos lugares em que mais existe respeito. Às vezes acontece, é um problema de espaço físico. Um carro está andando, o outro chega na volta rápida e você não tem para onde ir. Nas corridas, é igual a qualquer outro lugar do mundo. Tem alguns pilotos que te respeitam mais, outros, menos, vão lá, batem e não estão nem aí, mas não é melhor ou pior do que em outros lugares. Mas na classificação, pelo amor de Deus. E isso é por causa do nível dos pilotos. É uma galerinha que está correndo lá e sabe o que está fazendo. Isso acaba refletindo na competitividade da categoria.
Lucas Santochi – E como fazer para explorar melhor esse potencial?
Acho que não precisa ficar mudando o tempo todo. “Ah, agora vamos com outro carro, agora, vamos mudar isso, aquilo...” Vamos primeiro baratear a categoria para ser saudável para todo mundo? De repente, o Bassani, por exemplo, tá com dois carros parados. Os meus Lineas ficam lá na oficina e eu vejo os carros dele parados lá o tempo todo. Vamos abrir isso aí para fazer uma brincadeira de 50 carros, por exemplo. “Ah, mas como larga com 50 carros?” Classifica. “Ah, mas eu não classifiquei.” Paciência, empurra o carro dentro do caminhão, fecha a porta e volta para São Paulo. “Ah, mas eu sou o campeão.” Paciência, e daí que você o campeão? Faz duas classificações, então, uma na sexta e outra no sábado. Se deu azar assim, não era para você classificar naquela corrida mesmo. O formato acabou protegendo demais alguns que estão lá dentro e prejudicando demais outros. Não foi um formato unânime, hoje em dia. Se você acompanhar a Stock Car hoje, sinceramente, tem duas equipes que grande: a Mattheis e o Meinha. São 10 carros. O resto é figurante lá dentro. Se você ver o histórico de resultados, tudo bem, não são os 10 que vão para o playoff, mas são oito ou sete deles. Isso mostra a diferença que existe. Claro que o Mattheis e o Meinha têm o mérito deles. Eles conseguiram chegar nisso daí por algum motivo. Eles estão fazendo a Stock Car há vários anos e foram aprendendo coisas que os outros não aprenderam. Mas acho que o formato da categoria acabou ajudando demais alguns e prejudicando outros.
Lucas Santochi – Você se interessaria em se tornar um dirigente do automobilismo brasileiro, se envolver com CBA?
Não, muito obrigado. [risos]
Lucas Santochi – Por que não?
Deixa eu refazer a minha frase. Hoje em dia não. De repente, se você me fizer essa pergunta daqui a dez anos... Acho extremamente difícil também porque eu me conheço. Mas, a princípio, não. Os dirigentes nasceram para serem dirigentes, não para serem pilotos. Eu nasci para ser piloto, não dirigente.
Nesta quinta-feira, o Tazio Autosport publica a segunda parte da entrevista com Christian Fittipaldi, na qual o piloto relembra seu período de transição entre a F3000 e a F1 e faz uma grande revelação acerca de suas negociações para entrar no principal campeonato do automobilismo mundial. O ex-competidor de Minardi e Footwork também realiza uma análise detalhada sobre os três anos em que esteve na categoria, apontando erros, acertos e momentos polêmicos envolvendo companheiros e chefes de equipe. Não perca!

Fonte:tazio
Disponível no(a): http://tazio.uol.com.br
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