No dia 26 de setembro de 1993, eu era um garoto de olhar fixo na TV, acompanhando a primeira vitória de Alexandre Barros no então chamado Mundial de 500 cc. Não fazia ideia de que, exatos vinte anos antes, um piloto chamado Eduardo Celso Santos conquistara o maior feito brasileiro no motociclismo até então, ao subir no topo do pódio da mesma corrida, o GP da Espanha, no circuito de Jarama, em 1973. Eis a sua história.
Adú Celso era um garoto de família abastada. Vivia nos Jardins, em São Paulo, perto da casa de um ilustre amigo de infância chamado Emerson Fittipaldi. Ambos eram apaixonados por motociclismo – Adú chegou a emprestar a moto com a qual Emerson disputou sua primeira competição, antes de debandar para as quatro rodas – e com estilos de pilotagem parecidos: rápidos como flechas e precisos como relógios, capazes de tangências perfeitas e idênticas dezenas de vezes, sem erros.
Nos anos 60, começou a se destacar pela seriedade, num tempo em que ser piloto de moto era sinônimo de suicídio a curto prazo. Cuidava da preparação de seu equipamento com profissionalismo, e adquiriu um enorme conhecimento técnico na hora dos ajustes e afinações. Além disso, desenvolveu uma técnica de largada-relâmpago fundamental nas provas em que era preciso ligar as motos e largar.
Mas as competições de moto eram poucas no Brasil. Junto com o amigo Luiz Celso Giannini, tomou uma atitude inédita e radical em 1970: tentar a sorte na Europa. Radical porque, além do total desconhecimento do que lhe esperava, uma velha confusão entre as confederações não permitia que pilotos brasileiros competissem nos eventos da Federação Internacional. Junto com Luiz Celso Giannini, Adú acabou na Holanda, onde pôde se filiar à federação local para disputar o campeonato holandês de motociclismo.
Sem o apoio do dinheiro dos pais, Adú teve de se virar. Chegou a morar numa barraca, dentro do autódromo de Zandvoort, onde treinava todos os dias. A partir daí, suas qualidades o fizeram subir degrau por degrau: disputou o campeonato europeu em 1971, e chegou ao Mundial em 1972, nas categorias 250 e 350 cc, competindo contra nomes históricos como Mike Hailwood (futuro piloto de F1), Jarno Saarinen (campeão daquele ano) e Giacomo Agostini (possivelmente o maior motociclista de todos os tempos).
Largou em décimo sexto, mas logo já estava na quinta posição. Na volta nº 26, assumiu a liderança, e manteve a ponta até sua Yamaha TZ 350 receber a bandeirada, com direito a um novo recorde para motos na pista. Foi a primeira vitória de um brasileiro no Mundial e, mesmo com a precariedade dos meios de comunicação, virou notícia no país. Ao final da temporada, era o sétimo melhor piloto do mundo na classificação.
As expectativas eram excelentes para 1974, mas a sorte não ajudou. Voltando da Bélgica para a Holanda de carro, ao tentar desviar de um coelho na pista, uma das rodas saiu do asfalto e fez Adú perder o controle de seu Mercedes 280. Na batida contra as árvores, quebrou as duas pernas, teve se se submeter a placas e pinos e demorou quase um ano para se recuperar.
Na volta, em 1975, disputou o Mundial das 500 cc, sem muito sucesso. Voltaria ao Brasil na condição de ídolo, arrastando grandes públicos para provas que ficariam na memória do motociclismo nacional, como a Taça Centauro e o campeonato latino-americano. Abandonou as competições de moto em 1979, mas continuaria correndo, agora sobre quatro rodas. Na Fórmula 2, uma evolução da Super Vê, chegou a conquistar duas vitórias antes de abandonar de vez as pistas, no início da década de 80.
Para quem viveu sua época, Adú Celso era uma figura quase mística. Frio e calmo, com uma expressão facial misteriosa, vestia um macacão preto, e ostentava no capacete uma Cruz de Lorena em vermelho, bem na altura da testa. Tal como Ayrton Senna, sempre procurou garantir para si o melhor equipamento e a melhor estrutura – o que causava ciúmes e críticas por parte de seus concorrentes menos favorecidos. Também evitava andar de moto no trânsito, ao contrário da maioria dos pilotos da época, que costumavam pagar com a vida o prazer de disputar rachas pelas ruas da cidade. De comportamento reservado, era no entanto muito querido pelos amigos e admirado pelos fãs, que sempre tratou com bastante atenção.
Depois que abandonou as corridas, Adú seguiu a vida com empreendimentos imobiliários. Viveu muito bem, mas sumiu do notíciário, tanto que sua morte em fevereiro de 2005, aos 59 anos, passou praticamente em branco pelas revistas, jornais e televisões. Um ídolo esquecido. Mas lá fora, onde atingiu o ápice da carreira, continuou bastante respeitado. Foi homenageado na Holanda em 1998, quando o Centenial Tourist Trophy reuniu todos os vencedores de GPs, e chegou a virar selo comemorativo em 2002, também na Holanda.
Uma de suas TZ 350 foi encontrada pelo empresário Roberto Keller e restaurada em seus mínimos detalhes. Um ano antes de morrer, em 2004, Adú encontrou o exemplar, subiu em cima e ligou o motor, como fazia em seus velhos tempos. A moto, de valor incalculável para a história do motociclismo brasileiro, hoje repousa na sala de estar de Keller.
Os feitos de Adú Celso só seriam igualados vinte anos depois por Alexandre Barros, outro mestre que também merece posts e reportagens especiais. Triste mesmo é perceber que, depois de Alex, nenhum outro piloto teve condições de manter o Brasil na elite das corridas de moto. Será que teremos de esperar mais duas décadas? 2013 daqui a pouco já está aí…
A maioria das fotos desse post foram publicadas pelo excepcional site Motos Clássicas 70. Vale dar um pulo lá e gastar alguns dias lendo os perfis, as histórias e as máquinas dos velhos e bons tempos.
Fonte: jalopnik
Disponível no(a):http://www.jalopnik.com.br
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