Mais de 80 mil pequenos empreendedores transformam carros em lojas ambulantes na Grande São Paulo
Por Isadora CarvalhoDe segunda a segunda, das 19h à meia-noite, o chef Rolando Vanucci se desdobra em sua cozinha para servir mais de 60 porções de massa. De suas panelas saem pratos como espaguete, ravióli e nhoque regados a três opções de molho. Há até filas para provar as iguarias.“Os mais pedidos são o nhoque de quatro queijos e o fiore de mussarela com orégano”, diz Vanucci. A rotina seria igual à de qualquer cantina italiana de São Paulo, não fosse por um detalhe: o chef pilota o fogão instalado em uma Kombi 1986.
Desde 2007, Vanucci manobra sua perua no estacionamento de uma loja de lingerie, no cruzamento da avenida Sumaré com a rua Caiubi, de modo a aproveitar o espaço para espalhar algumas mesas por ali. “Tive essa ideia maluca há 19 anos, quando passava por uns carrinhos de cachorro-quente em Belo Horizonte, onde morei”, afirma Vanucci, mais conhecido pelos clientes como Rolando Massinha, trocadilho que lhe cai como uma luva. O preço dos pratos varia de 12,50 a 17,50 reais e os comensais dificilmente gastam mais que isso porque o chef não os deixa repetir. “Se a pessoa comer duas porções, acabará passando mal e não vai mais voltar”, diz. “Assim fica aquele gostinho de quero mais.” Os frequentadores da cantina sobre rodas devem ter uma surpresa logo. O chef comprou uma nova perua e pretende transformá-la numa Kombi limousine com a ajuda dos mecânicos Daniel e Juliano Barbosa, que já trabalharam para o quadro televisivo “Lata Velha”. “Vamos dobrar o tamanho do entre-eixos e aumentar a altura do carro”, diz Daniel.
Assim como Rolando, outras 83000 pessoas na Grande São Paulo fazem do próprio carro um comércio ambulante, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009 conduzida pelo IBGE. Além das massas e das tradicionais guloseimas como pamonha e sorvete, há veículos que vendem roupas, ferramentas, bolsas...
É o caso do ex-caminhoneiro Mauro de Souza. Há 11 anos, ele deixou a vida nas estradas e adaptou o caminhão para comercializar cofres comprados na Bahia. Depois de tentar se estabelecer em vários pontos da cidade, fincou raízes em frente ao Parque Villa-Lobos. “Como o lugar é muito visado por outros vendedores, não rodo com o veículo para não perder o ponto.” Por ali, Souza vendeu mais de 1 000 unidades, cujos preços variam de 350 a 900 reais. Também oferece serviço de abertura de caixa-forte. “Abri até cofre de banco depois de 40 horas de tentativas”, diz.
Apesar de todos os cuidados para garantir seu lugar, Souza já teve de deixar seu posto por três vezes porque foi autuado pela prefeitura e teve o caminhão apreendido. Desde 2008, uma portaria municipal proíbe a comercialização de qualquer produto em veículos. A infração rende apreensão do carro e multa que varia de 87,20 a 436 reais. Quem se estabeleceu antes da medida, como o chef Rolando, tem licença para funcionar. Para evitar problema, Souza quer abrir uma loja fixa.
Sem ponto fixo Há ainda os que aproveitam a mobilidade que o veículo proporciona para ampliar o leque de consumidores em outras regiões. É o caso de Osmar da Gama. Em 1991, quando começou, sua Kombi oferecia apenas quatro tipos de ferramentas automotivas. Hoje são mais de 1 000 itens armazenados nas gavetinhas e prateleiras adaptadas em seu Doblò Cargo 2010 e 200 fregueses fixos na carteira. “Conquistei as pessoas pela confiança e comodidade de atendê-los na porta”, diz Gama. “Com ele, sei a procedência da ferramenta e tenho a certeza de que qualquer defeito será reparado”, afirma o empresário Valdir Berardo, dono de um centro automotivo na zona norte.
Trabalhar na rua também tem seus percalços. “Como a gente não sabe para quem está vendendo, calculo que tive um prejuízo de uns 50 000 reais em mais de dez anos só em cheques sem fundo”, conta o comerciante Rogério Santos, que circulou por 15 anos em bairros da zona norte, vendendo roupas femininas e masculinas. As encomendas cresceram tanto que, em agosto de 2008, Santos decidiu inaugurar sua primeira loja fixa. Em novembro do ano passado, abriu uma filial. Há quem faça o caminho inverso. O casal Laércio da Luz e Maria do Socorro tinha uma pet shop em Santo André e, em 1998, decidiram oferecer serviços para cães em domicílio, em uma van adaptada. O negócio deu tão certo que em 2004 eles fecharam a loja para se dedicar só ao carro. Hoje a Petshop Móvel, que funciona numa Fiat Ducato 2005, possui cerca de 120 clientes – entre eles famosos como os empresários Lucília Diniz e João Dória Junior –, fatura 18 000 reais por mês e começou a vender franquias Brasil afora. “Nosso público está disposto a pagar mais caro pela comodidade porque trata seu cachorro como filho”, diz Laércio, que cobra entre 90 e 240 reais pelo banho e tosa nos animais, dependendo do porte.
Fonte: quatrorodas
Disponível no(a):http://quatrorodas.abril.com.br
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