9 de mai. de 2011
Corrida da minha vida: Moreno em Mônaco '92
Quando se narra o melhor feito de um piloto, espera-se que o final da história concretize-se em uma vitória do tal, mas na passagem que contarei hoje a vocês, não foi caso. E é bom que diga-se: não chegou nem perto. Mas entenda porque o Grande Prêmio de Mônaco em 1992 foi a melhor atuação de Roberto Pupo Moreno na Fórmula 1. Quiçá, de sua carreira.
Ao longo da sua carreira, o brasileiro sempre teve de lidar com limitações orçamentárias inversamente proporcionais ao seu talento. Em 1992, ele já havia passado pelo que havia de pior na categoria (AGS, Coloni, EuroBrun, Minardi). Também já havia tido seu momento de glória, ao pilotar para a Benneton entre 1990 e 1991 – com direito à inesquecível dobradinha com o amigo de infância Nelson Piquet em Suzuka. Naquele momento, porém, Moreno voltava aos tempos difíceis, escalado para correr e comandar a pífia Andrea Moda. Uma equipe, se é que se podia chamar aquilo de equipe, do mais baixo gabarito. Foi, em minha humilde opinião, a pior escuderia e um dos piores carros de toda a história da Fórmula 1.
Roberto tinha como companheiro naquele ano o obscuro Perry McCarthy. Um piloto mediano, para não dizer outra coisa, que penava para dar mais que meia dúzia de voltas com o carro. E olhe lá, pois há casos que o rapaz andava 18 metros antes de quebrar seu bólido. Uma tristeza total.
O Grande Prêmio de Mônaco era a sexta etapa do Mundial. Como esperado, a Andrea Moda sequer conseguiu se pré-qualificar para as primeiras provas campeonato, tamanha era sua disparidade com os carros de ponta. Se comparássemos com a invencível Williams-Renault FW14B daquele ano então, era como se fosse um concorde contra um teco-teco. O negócio era tenso, meus camaradas, muito tenso.
O único Grande Prêmio que ainda se poderia fazer algo era no de Mônaco. Um circuito montado em uma cidade apertada, com ladeiras e grampos… tudo totalmente atípico, mas era lá que, se por ventura uma conjunção astral de Júpiter, Marte, Vênus e a Lua se alinhasse com a Terra, o carro poderia ter uma remota chance de classificação.
E quando se tem Roberto Moreno no time, o homem que pontuou para uma AGS (Austrália 87) e classificou uma temorosa Coloni em 15º (Portugal 89) para o grid, milagres de fato poderiam acontecer.
O time chegou com suas meias dúzias de gatos pingados no “autódromo” monegasco, sacou uma ou duas chaves de fenda, e começou a montar seus carros. A equipe não tinha muita pressa para montar o S921, pois sabia que não necessitava ter tanto preciosismo em sua montagem, uma vez que o carro daria, no máximo, 5, 10 voltas em um fim de semana completo.
Mas este GP iria ser diferente. Moreno e McCarthy conseguiram treinar bem na quinta-feira (em Mônaco não há atividade de pista na sexta-feira) e foram, até certo ponto esperançosos para o treino oficial. McCarthy não conseguiu passar para o treino de sábado, mas Moreno conseguiu classificar seu carro para o treino classificatório pela primeira vez no ano!
O brasileiro sabia que a única chance da equipe se dar bem em uma corrida seria na de Mônaco. O problema todo era a confiabilidade do carro. Ele raramente dava muitas voltas seguidas sem quebrar alguma peça. Era tudo muito complicado.
Mesmo assim, se concentrando com um monge e acelerando como um desvairado, Moreno partiu com tudo em uma tentativa de volta rápida nas ruas da cidade. Faltavam ainda 30 minutos para o término do classificatório, mas o especialista em tirar água de pedra achou uma volta absurda, fantástica, forçando o carrinho acima dos seus frágeis limites, muito além de qualquer pensamento que qualquer pessoa em sã consciência poderia ter.
Com esta volta mágica Moreno colocou, naquele determinado momento do treino, sua Moda na meeira do grid, cinco segundos e meio atrás do bólido high-tech de Nigel Mansell. Parece muito, mas estava à frente de muita gente tradicional do grid. Todos que viam a volta ficavam boquiabertos e estarrecidos. O que o brasileiro terminara de fazer era um ato sobrenatural.
Quando retornou aos pits após o feito, recebeu algo incomum no meio da Fórmula 1. Chefes de equipes, mecânicos e dirigentes o aplaudiam enquanto passava pelo pit lane. Seu feito era grande. Coisa de gênio. O box da Moda estava eufórico. Como Moreno fizera uma volta daquelas?
Mesmo tendo virado essa passagem, Roberto ainda não estava tranquilo. Seu carro apresentou problemas – oh, que novidade – e sua classificação poderia mudar, pois muitos pilotos iam melhorando suas marcas. E foi o que aconteceu.
O tempo ia se esvaindo e a lista se modificando, até que o carro da Andrea Moda restasse na última posição do grid, no final do treino. E assim se fez. Mesmo sem conseguir dar uma volta derradeira, a que ele ‘achou’ no meio do treino foi a suficiente para fazer impossível: classificar a Andrea Moda para uma corrida de Fórmula 1.
Os mecânicos da equipe experimentavam algo inédito que era trabalhar, de fato, no domingo, e não só enchendo o caminhão de peças para rumar a outro país. Desta vez a equipe teria uma corrida a disputar.
1. Nigel Mansell, Williams-Renault FW14B, 1:19.495 (150.711 km/h)
2. Riccardo Patrese, Williams-Renault FW14B, -0.873
3. Ayrton Senna, McLaren-Honda MP4/7A, -1.113
4. Jean Alesi, Ferrari F92A, -1.400
5. Gerhard Berger, McLaren-Honda MP4/7A, -1.729
(…)
21. Stefano Modena, Jordan-Yamaha 192, -4.395
22. Thierry Boutsen, Ligier-Renault JS37, -4.414
23. Erik Comas, Ligier-Renault JS37, -4.479
24. Olivier Grouillard, Tyrrell-Ilmor 020B, -4.495
25. Gabriele Tarquini, Fondmetal-Ford GR01, -4.984
26. Roberto Moreno, Andrea Moda-Judd S921, -5.450
Não conseguiram classificação:
27. Eric van de Poele, Brabham-Judd BT60B, -5.486
28. Damon Hill, Brabham-Judd BT60B, -5.899
29. Andrea Chiesa, Fondmetal-Ford GR01, -6.165
30. Paul Belmondo, March-Ilmor CG911, -6.255
“Graças a Deus, eu tive a oportunidade de classificar o carro em Mônaco e fui aplaudido de pé por todos os engenheiros e chefes de equipes da F-1 quando entrei nos boxes. Aquele momento foi para mim o melhor. Foi um reconhecimento enorme do que eu fiz. O carro superaquecia na quinta volta, só podia fazer quatro voltas para classificar, e mesmo assim consegui, no meio do grid. Nos últimos minutos, a pista estava mais rápida, e eu nos boxes com problema mecânico. Fiquei em último.”
Mas todos eram muito conscientes de que o Moda S921 era incapaz de completar um GP em sua totalidade. Não era possível dar setenta e tantas voltas com aquele carro. Não dava, ele quebrava antes. Muito antes.
E assim largou Moreno para a corrida de domingo. Já sabia que seu maior feito já fora conquistado. Na corrida, a única incógnita era saber em qual volta ele abandonaria. Mesmo sabendo disso, Moreno não aliviou a bota.
O brasileiro acelerou o máximo que sua Moda dava, ganhou algumas posições e manteve um ritmo de corrida mais rápido que alguns concorrentes. Na volta 12 ele abandonaria a prova na 19ª posição com um problema no motor. Mas sua missão já estava cumprida, e com louvor. No final da década ele se mudaria para os EUA, e em 2000 chegou a disputar o título da CART, terminando o campeonato em terceiro lugar.
Ps. Para quem vos escreve, o protagonista em questão é seu maior ídolo no esporte.
Fonte: jalopnik.com.br
Disponível no(a):http://www.jalopnik.com.br
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