21 de abr. de 2013

Impressões elétricas: Fiat 500e


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Eu gosto bastante do Fiat 500, e a versão Abarth é um dos meus carros favoritos. Sendo assim, fiquei bem curioso para ver como ficaria a versão elétrica do pequeno Fiat, o 500e.

Será que ele ficou pesado? E aquele torque incrível do elétricos? Será que ele manteve a mesma diversão proporcionada pelo seu comportamento dinâmico exemplar? 
A Fiat conseguiu fazer um carro muito cativante e útil, ainda que ele seja como um carro a gasolina cativante e útil que você não consegue abastecer com mais de 1/3 de tanque.
Quase todo fabricante que produz um carro elétrico dirá em algum momento algo parecido com isto: “não estamos tentando fazer um bom carro elétrico, mas um bom carro, ponto.” Quando o pessoal de RP diz isto para você, os olhos deles miram para o infinito, enquanto vários slides de PowerPoint mostrando um futuro livre de poluição e cheio de pessoas bonitas em macacões pipocam em suas mentes. E, em vários aspéctos, isto é verdade com o 500e. É um carro estiloso, com distribuição de peso muito melhor do que a versão a gasolina, tem ótima aceleração inicial, é incrivelmente silencioso e, em grande parte, livre de manutenção.  Além do mais, para um carro elétrico, tem uma autonomia de respeitáveis 140 km, que pude confirmar parcialmente no meu teste.
Nota: A Fiat quis tanto que eu testasse o 500e que seus engenheiros tiveram todo o trabalho de adaptar seu carro para rodar com eletricidade, testaram, produziram alguns, e então me convidaram para um hotel em Beverly Hills para comer comida chique enquanto me falavam sobre ele. Tudo só para mim. Eu acho.
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Esta respeitável autonomia de 140 km, no entanto, ainda é terrível se comparada a um carro com motor de combustão interna. Nos EUA, por exemplo, o 500 de entrada custa metade do 500e, mas consegue rodar entre 300 e 600 km com um tanque de combustível, e você pode reabastecê-lo em poucos minutos em praticamente qualquer lugar. Ainda não chegamos lá em termos de baterias ou infraestrutura. Por exemplo, existe uma grande público para quem o 500e seria um baita carro de uso diário. Pessoas jovens, solteiras que vivam nas grandes cidades, que estão interessadas em um carro estiloso, rodam menos de 60 km por dia e se importam com meio ambiente. O maior problema é que muitas destas pessoas vivem em apartamentos, e ainda não há uma solução viável que os permita recarregar seus carros durante a noite. Muita coisa ainda precisa acontecer para que os carros elétricos, mesmo os bacanas como este, se tornem alternativas viáveis aos que queimam suco de dinossauro morto.
Tive a oportunidade de comparar o 500e com dois concorrentes: o Nissan Leaf e o Ford Focus EV. Vejo vários Leaf por aí, mas nunca vi um Focus EV nas ruas — mas isto pode ser simplesmente porque o Focus EV é praticamente idêntico ao Focus normal. Enquanto testava estes três carros, lembre de algo meio perturbador: se os carros elétricos se tornarem mesmo a norma (e isto é totalmente possível, seja usando baterias ou não), vamos perder um grande diferencial dos carros: o motor.
Todos os carros elétricos que eu dirigi exibiram características bastante semelhantes: incrivelmente silenciosos, toque inicial absurdo, aceleração suave e precisa, e um número bem pequeno de partes móveis, exigindo mínima manutenção. Todas estas são características inerentes aos motores elétricos.
Mas você consegue encontrar estas mesmas qualidades em uma boa escada rolante ou elevador, já que tudo que use um ou mais motores elétricos provavelmente terá estas características. Quando penso em como cada motor passa uma sensação totalmente diferente a cada carro, desde o 1.4 turbo girador e musical do 500 Abarth ao V8 com giros mais baixos e mais de 400 cv de um Mustang GT, chego a conclusão de que esta nova possível homogeneidade é uma grande perda. Acredito que os fabricantes terão que se concentrar em outros aspectos do carro, mas quanto aos motores, o futuro me parece rápido, eficiente e chato.
Mas a gente pode ter sorte — passei boa parte do meu tempo tentando convencer os engenheiros da Fiat a fazer o 500e Abarth (ou eBarth), que soltaria faíscas e mini-relâmpagos.
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Por fora

Eu já gosto do olhar simpático e corajoso do 500, e foi um alívio ver que eles não tentaram deixar tudo muito tecnológico ou “verde”. Eles mudaram os para-choques para melhorar a aerodinâmica e o arrefecimento do motor, e incorporaram um padrão de pontos que, junto com a cor laranja, é a marca registrada do 500e. Gostei de ver a cor laranja no carro, porque gosto de como o laranja lembra trabalho duro (cones de trânsito, macacões de prisão, coletes fluorescentes), e já estou ficando enjoado do verde e azul que sempre são usados nos carros elétricos.
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O carro também ganhou novas calotas, um novo spoiler na traseira, novas saias laterais e algumas cores/grafismos diferentes, mas é basicamente isto que diferencia o 500e de seus irmãos a combustão. É o bastante para ser notado, mas não tanto a ponto de ficar exibido. Eu já gosto do design do 500, e acho que ele funciona muito bem neste contexto. E acredito que as pessoas que gostam do 500 vão preferir algo que se pareça primeiro com um 500, e depois com um carro elétrico.

Por dentro

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Mais uma vez, é bem parecido com o interior do 500 comum, mas com algumas mudanças importantes: um seletor de marchas por botões e uma tela de LCD redonda no cluster de instrumentos. A tela é bem bonita, colorida e bem elaborada, mas com leitura fácil. Ela se encaixa muito bem com a personalidade do carro, e te faz sentir no futuro sem apelar para comida em pílulas ou mochilas a jato.
O 500e que eu testei tinha o interior branco que, com os detalhes em laranja, ficou bem bonito e deu um bom contraste com o mar de preto e cinza que a maioria dos carros usa do lado de dentro. As cores claras fizeram o interior do carro, pequeno e alto, parecer aberto e arejado, mas já estava ficando sujo quando o test drive acabou. Deve ser bem difícil de limpar, especialmente para quem gosta de comer no carro, como eu.
As baterias também deixam o interior um pouco menor. Elas ficam quase todas sob o carro, mas isto acabou fazendo com que o assoalho do porta-malas e dos passageiros que vão atrás subisse uns dois ou três centímetros, o que tornou o banco traseiro, que já não é espaçoso, ainda mais apertado. Não sou um cara grande, mas até eu me senti meio encolhido no banco traseiro, o que não aconteceu nas versões a gasolina. Sendo assim, talvez seja mais apropriado encarar o 500e como um 2+2.
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Também há um estranho compartimento escondido sob o carpete no chão da parte de trás do carro, do lado direito. Não acho que seja um porta-objetos “oficial”, mas parece muito bom para esconder coisas.

Como anda

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O cilindro de metal brilhante que é o motor do Fiat 500e entrega 111 cv e 20,3 mkgf de torque a 0 rpm. Isto quer dizer que é praticamente impossível, até para o carro mais potente do mundo, alcançar o 500e nos primeiros 2 metros. Sério, se você fosse disputar uma arrancada até o outro lado da rua com um Aventador, você certamente venceria. Depois disto, nem tanto, mas o 500e ainda consegue ir de zero a 100 km/h em respeitáveis 9,1 segundos.
Como o motor do 500e é elétrico e sem marchas, a entrega de potência é extremamente linear e progressiva, e tudo parece uniforme, suave e implacável. É uma sensação boa, como um empurrão constante, acompanhado de um leve zumbido do motor. E também é importante frisar que não existe modo “ECO” no 500e — desempenho e eficiência são inteiramente baseados no modo como se dirige, e todo o potencial nas duas áreas está disponível o tempo todo.
Sim, as baterias engordam o carro em mais de 250 kg, mas ele não parece nem um pouco lento ou pesado.

Suspensão

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A rodagem não difere tanto assim de um 500 normal, apesar do peso extra. É confortável com um toque de dureza, e o entre-eixos curto  pode deixar as coisas meio secas em pisos mais irregulares, mas no geral é bom. O isolamento acústico é excelente e, na versão elétrica, o motor nem faz barulho, então o interior do carro pode ser um lugar bem calmo e quieto, o que não é ruim quando o cenário é um engarrafamento.

Comportamento

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Uma coisa interessante é que, dos poucos carros que dirigi que são versões elétricas de modelos a gasolina, no 500e a dirigibilidade melhorou. O 500 original tem uma distribuição de peso bem desequilibrada de 63-37 (frente-traseira), enquanto o 500e tem quase perfeitos 53/47. Os mais atentos vão notar que esta é a exata distribuição de peso do Toyobaru. Além disso, os 250 kg de baterias estão distribuídos em uma caixa longa e baixa sob o assoalho, o que deixou o centro de gravidade bem baixo, algo especialmente bacana em um carro de entre-eixos curto. As baterias também tornaram a estrutura do carro 10% mais rígida.
É muita coisa boa para uma caixa grande e pesada cheia de reações químicas, e o resultado é que o carro parece bem plantado ao chão e é bastante controlável. É mais pesado que o 500 básico ou o Abarth, claro, mas em nenhum momento me senti brigando com um bebê hipopótamo enquanto dirigia. O 500e lida muito bem com curvas, saindo bem pouco de frente (pelo menos nas estradas para onde fui — eu adoraria testá-lo em um autódromo e ver do que ele realmente é capaz) e uma sensação geral de firmeza e aderência. E tudo isso com aqueles pneus econômicos duros.

Como freia

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Frear um carro elétrico é algo bem diferente de frear um carro convencional, e assim os freios do 500e são diferentes de tudo o que eu já dirigi. Frear é o processo de tirar velocidade do carro e fazer alguma coisa com toda a energia que sobra. A maioria dos carros simplesmente a desperdiça em forma de calor, que de vez em quando é aproveitado para deixar os discos de freio dos carros de corrida vermelhos como fogo.
Em um carro elétrico, a energia é cultivada e colocada de volta nas baterias, o que é uma ideia muito boa e resulta em um aumento real na autonomia. O 500e emprega este recurso ao ponto de a maioria das frenagens ser feita com o motor atuando como uma espécie de gerador, e o próprio motor reduz a velocidade do carro. As pastilhas de freio nem entram em contato com o disco a não ser abaixo de 12 km/h (ou em uma frenagem de emergência).
Desse modo, as frenagens são meio estranhas no começo, mas sempre me pareceram eficientes e, de fato, devolviam muita energia cinética ao sistema. Além disso, acredito que as pastilhas de freio vão durar muito mais neste carro.

Câmbio

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Esta aqui é quase uma pegadinha, porque tecnicamente este carro nem tem um câmbio. Bem, até tem, mas um dos engenheiros o chamam de “câmbio de uma marcha”, e acho que também tem marcha à ré, mas na realidade estes botões não mentem. Aperte o botão e o carro anda. Como um elevador na horizontal.
Quando você aperta o botão P o conjunto motriz é bloqueado, e a Fiat também tirou um tempo para fazer o 500e fingir que é um carro a gasolina convencional com câmbio automático, começando a se mover lentamente quando você tira o pé do freio como a maioria dos automáticos fazem. É de mentira, porque o motor elétrico não tem marcha lenta como um motor a gasolina, mas é surpreendentemente útil em tráfego pesado.

Áudio

A melhor maneira de descrever o som do motor do 500e é imaginar o som de um avião a jato decolando em algum lugar bem longe. É mais ou menos assim o “ronco” do motor elétrico em alta velocidade.
Não é ruim, mas existe o Abarth e não dá para comparar. Não mesmo.
O sistema de som é decente, com rádio por satélite e tudo, então tem bastante coisa para ouvir em vez do ronco inexistente do motor.
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Mimos

Este carro é praticamente um mostruário de eletrônicos sobre rodas. Aquela tela redonda (bem, com uma máscara para parecer redonda) no painel é muito bem feita, com interface de usuário excelente e  gráficos de alta qualidade. Compará-la com o painel monocromático ao estilo Matrix do Nissan Leaf é como comparar um iPhone com um Game Boy. Parece mesmo algo do futuro, só que hoje.
Também tem o sistema de navegação da TomTom com um software especial personalizado para o 500e, mostrando a autonomia usando círculos e calculando rotas para as estações de recarga mais próximas. Mas o sistema não é integrado ao painel, e eu achei a telinha meio irritante quando a telinha bloqueava a visão do para-brisa, especialmente durante balizas e coisas do tipo.
Talvez a maior inovação seja o aplicativo para iPhone / Android que vem com o carro e permite que se controle várias funções (até a buzina, para assustar cachorros à distância) remotamente através do smartphone. Pelo aplicativo é possível checar a autonomia, ligar o aquecedor / ar-condicionado, gerenciar a recarga e mais. Ainda não dá para usar o smartphone para dirigir à distância, mas tenho esperanças que role alguma atualização.
Bem pensado é o indicador de LEDs no painel para que se confira o progresso da recarga pelo lado de fora do carro, sem precisar estar muito perto dele.

Bottom line

É meio complicado determinar o real valor deste carro. É óbvio que você não gasta com gasolina, e isto é algo muito importante. A autonomia do 500e é de 140 km. Comparando o potencial energético da eletricidade com o da gasolina, é como se o carro rodasse 49 km com um litro de combustível. Acontece que, com uma autonomia de 140 km, aqueles 250 kg de baterias têm essencialmente a mesma quantidade de energia de pouco menos de três litros de combustível. Estes números fazem parecer que a fasolina é a melhor fonte de energia do mundo. Na verdade, nunca estaríamos aqui se tivéssemos uma fonte de energia mais potente que a gasolina.
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Ainda assim, 140 km rodados com a energia de baterias é impressionante, e eu dirigi cerca de 85 km com o carro e o indicador disse que eu ainda tinha 64 km de autonomia, o que dá 149 km. Impressionante. No entanto é meio arriscado acreditar no que o indicador mostra, já que o sistema reajusta constantemente este número enquanto você dirige. Minha autonomia ficou entre 90 e 50 km antes de estabilizar nos 64 km quando eu parei o carro.
É uma autonomia plenamente utilizável. No entanto, ainda significa que você não pode simplesmente saltar para dentro do carro e viajar sempre que tiver vontade. Nos EUA, a Fiat fornece 12 dias gratuitos em uma locadora de automóveis para viagens mais longas. Nada mau, e embora não resolva o problema, é um gesto bacana.
Só que o Fiat 500e custa quase o dobro de um 500 Pop, o modelo básico nos EUA: são 32.500 dólares, ou pouco mais de R$ 65 mil. E só pode ser comprado na Califórnia.
Resumindo: se você viver sob um conjunto de circunstâncias bem específico (for solteiro, jovem, verde e morar em uma cidade grande na Califórnia), este pode ser o carro perfeito para você. De verdade. Mas para outras pessoas, no resto do mundo, não há uma infraestrutura suficientemente desenvolvida para dar suporte a este tipo de veículo. Ainda.

Ficha técnica

Motor: Elétrico trifásico
Potência: 111 cv
Torque: 20,3 mkgf
Transmissão: transeixo de uma relação
Zero a 100 km/h: 9,1 segundos
Velocidade máxima: limitada a 150 km/h (eu acho)
Tração: dianteira
Peso: 1.351 kg
Lugares: quatro (embora quem sente atrás fique bem apertado)
Consumo: o equivalente a cerca de 50 km/L
Autonomia: 140 km
Tempo de recarga: ~30 minutos, recarga rápida em 240V / 24 horas, recarga completa em 120V
Preço: US$ 32.500 (R$ 65.250, nos EUA)

Disponível no(a):http://www.jalopnik.com.br

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