28 de jan. de 2013

Você não precisa de um carro novo

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Na semana passada fiz a primeira revisão do meu carro após os 100.000 km. Fiquei curioso para saber o que acontece com o motor de um carro quando o hodômetro muda de 99.999 para 100.000. Imaginava que fosse algo muito ruim, afinal, os seis dígitos parecem exercer alguma força maligna sobre as pessoas que compram e/ou vendem carros. Para minha surpresa, não aconteceu nada especial.

Na verdade não fiquei surpreso, pois fui eu quem deu toda essa quilometragem ao carro e já sabia que, tal como a data de validade do sorvete de creme, não acontece nada mágico no exato momento da virada que apodrece o negócio e o torna imprestável. A marca dos 100.000 km é como o ano novo: ela vem, impressiona e no outro dia tudo continua como sempre esteve.
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Já rasguei seda ao meu hatchback Mercedes Classe A  por aqui, e gostei de saber a embreagem original ainda está em boas condições, e que a correia de acessórios e suas polias duram tanto – foram aposentadas preventivamente depois de sete anos de serviço, com 105.000 km rodados. Os amortecedores também são originais, e ainda vão longe. Talvez mais 50.000 km. Quem sabe?
A revisão custou exatos R$ 588, incluindo a mão de obra e deixou meu carro pronto para mais outro punhado de milhares de quilômetros.
Desde que o número do hodômetro ganhou o sexto dígito, passei a usar apenas o hodômetro parcial. Uma forma de driblar a barreira psicológica dos 100.000 km. Meu carro agora tem apenas a quilometragem rodada desde a última completada de tanque: 484 km.
Não tenho motivos para duvidar do que o painel me mostra: os amortecedores amortecem bem, o câmbio cambia bem, a direção direciona bem, o acelerador (eletrônico) abre e fecha a borboleta quando eu mando, as borrachas das portas vedam muito bem, os bancos de couro ainda têm o cheiro do material e o volante (aquele comprado no eBay) deu um ar de carro novo. O que mais eu poderia querer?
Bem, o visual dele é um pouco datado – mais por termos nos acostumado a ele (e ao modelo atual) do que pela obsolescência das linhas – mas por ora este é o único argumento para alguém me convencer a comprar um carro zero. Porque eu não preciso de um carro zero.
E você também não.
A última revisão mostrou que os cem mil quilômetros não causam nada de mau ao carro. Não é um carro especial, é apenas um carro moderno. Hoje em dia a correia de sincronização do Gol 1.0, por exemplo, tem a troca recomendada pela fábrica aos 130.000 km – mais que o dobro da vida útil das correias de 15 anos atrás. Se uma peça de desgaste natural é capaz de funcionar perfeitamente por toda essa quilometragem, qual seria a vida útil do motor?
A alta quilometragem é fator agravante em carros mal cuidados ou de projeto antigo, embora nunca tenha visto alguém preocupado com os números do hodômetro de um Fusca. Se o argumento for o custo de retífica do motor, saiba que a Chevrolet, por exemplo, vende o motor 1.4 VHC com garantia por menos de R$ 3.000. Valor menor do que os juros que você pagaria em um financiamento qualquer.
Um argumento em favor de um carro novo que me causou ataques de riso é que você deve trocar de carro antes da primeira troca de pneus, que demanda um “investimento” alto e, somado à depreciação do veículo, faz você perder muito dinheiro.
Quer dizer que entregar um carro de dois anos e com 40.000 km à concessionária por 60% do valor de compra e pagar a diferença para um modelo mais novo e idêntico (quando não inferior) é mais vantajoso do que ficar com o carro e desembolsar R$ 2.000 em uma simples troca de pneus?
São argumentos criados por funcionários de financeiras e vendedores de carros. Você não precisa de um carro novo só por que ele tem muitos números no hodômetro ou por que o preço indicado nas tabelas está despencando.
A euforia do mercado por carros novos é a maior culpada dos preços altos no Brasil. Para não perder dinheiro com a depreciação ou com manutenção, as pessoas se sujeitam a pagar qualquer preço por um carro zero, desde que a parcela caiba na conta do mês. Assim elas pagam um preço maior do que os carros realmente valem e comprometem uma grande fatia do seu orçamento familiar – algo que poderia ser usado para viajar, empreender ou simplesmente poupar para o futuro, além de bancar a manutenção rotineira do carro que já está na garagem.
Você não precisa de um carro novo.
Aquele carro que você comprou zero só precisa dos cuidados adequados para durar muitos anos. Talvez sua vida inteira. Não se preocupe com a manutenção: ela não custará mais caro que os juros e a desvalorização do carro zero que você não precisa.
É claro que nada disso é a verdade absoluta. Há exceções e às vezes um carro novo é simplesmente a melhor opção. Mas em um tempo que se fala tanto em sustentabilidade, é um tanto incoerente trocar de carro por motivos banais, sem aproveitar ao máximo tudo o que ele tem para te oferecer. Da mesma forma que é estranho ver os recordes de vendas quebrados mês após mês enquanto tanta gente reclama dos preços na internet.
Se você quer mudar algo, por que não começar por você mesmo?
[Foto: Jaime Batista da Silva]

Fonte: Jalopnik
Disponível no(a): http://www.jalopnik.com.br
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