29 de jan. de 2014

TOYOTA GT86: TESTAMOS O FOGUETINHO JAPONÊS

Esportivo virá oficialmente para o Brasil ainda no primeiro semestre de 2014, mas o preço do prazer ainda não foi definido

por JULIO CABRAL| FABIO ARO (FOTOS)
 
Toyota GT86 (Foto: Fabio Aro/Autoesporte)
A chave tipo chaveiro com sensor de presença. O som com iluminação verde. Ah, e também o pequeno relógio digital estilo "Casio" no console. São esses alguns dos pontos comuns visíveis entre o GT86 e outros Toyotas.
Todo o resto é diferente, da experiência sensorial ao projeto voltado a um objetivo, o prazer ao dirigir. Esse hedonismo esconde um alvo secundário, provar que a japonesa voltou a fazer carros gostosos de tocar. Resumindo: a Toyota quer tascar muito wasabi no seu tofu.
Lançado no finalzinho de 2011, o cupê resgata uma tradição milenar da japonesa e de seus pares, a de criar esportivos pequenos e bem-ajustados. Isso já foi um lance dos ingleses. Porém, desde o Mazda MX5 de 1989, os japas conseguiram fazer em larga escala algo que os britânicos não conseguiam: um esportivo que pegasse de primeira de manhã e fosse gentil no resto do dia, tudo com menos grana que os alemães da BMW e Porsche cobram pela mostarda apimentada no bratwurst. Poderia guardar o melhor para o final: o GT86 virá oficialmente até o final do primeiro semestre. Só o preço não foi definido. Quer um palpite? Algo abaixo de R$ 150 mil. Não será barato. O objetivo nem é vender horrores, e sim mostrar que a Toyota faz mais do que Corolla ou Etios. O nome 86 poderia levar a algumas analogias como “Agente 86” ou algo que o valha. Calma aí, não precisa ocidentalizar. Esse oriental tem um referencial próprio (confira o box ao final).

Prazer barato
Como em outras épocas, o desafio foi fazer um esportivo "barato", que dispensasse as traquitanas indispensáveis para outros. Aquele câmbio transeixo lá atrás que caracteriza os projetos de motor dianteiro da Ferrari desde a 275, foi dispensado em favor de motor “plano” com cárter mais baixo e caixa Aisin manual de seis marchas, tudo em posição central-dianteira. O teto em fibra de carbono do BMW M3 foi preterido por uma chapa mais fina graças aos aços de alta resistência que, por sua vez, são bem mais baratos que aluminio.
Toyota GT86 (Foto: Fabio Aro/Autoesporte)
Esses detalhes chatos de se ler são traduzidos na dinâmica afiada. A distribuição de peso é quase perfeita, 53% na dianteira e 47% na traseira. Com o carro vazio, comigo lá dentro entre-eixos, a coisa fica ainda mais equilibrada. A tração é traseira, como estava escrito no Antigo Testamento, e tem na versão GT (que será trazida para cá) o diferencial de deslizamento limitado. É para esticar a aderência dos ótimos pneus Michelin Primacy HP 215/45 R17.
A mística do nome 86 está em todo lugar, do logotipo que faz menção ao estilo boxer nos para-lamas ao curso e diâmetro dos cilindros de, exatos, 86 mm. Isso faz o quatro cilindros ter disposição a qualquer faixa, auxiliado pelo comando duplo de válvulas variável em abertura e fechamento.
Toyota GT86 (Foto: Fabio Aro/Autoesporte)
Essa busca do ponto de equilíbrio também determinou o uso de motor boxer. A solução é incomum para a Toyota. É porque não é dela mesmo, trata-se do mesmo FA 2.0 aperfeiçoado da Subaru que, na Toyota, ganha injeção eletrônica (para favorecer a queima no período de aquecimento, baixas e médias rotações) e direta combinadas (para dar uma taxa de compressão maior de 12,5:1 e também o fôlego em altas rotações). Para acabar de vez com a fama de beberrões de alguns boxers, faz 8,3 km/l de gasolina na cidade e 13 km/l na estrada. Para o que anda, tá de bom tamanho.
O compartilhamento de motorização é o tipo de arranjo que fez aficionados ficarem excitados com a notícia da compra de parte da Subaru pela Toyota e, convenhamos, operações da bolsa normalmente só deixam investidores excitados. Não é à toa que a Subaru tem sua própria versão do carro, o Subaru BRZ, daí o apelido “Toyobaru”. De quebra, divide o custo de desenvolvimento de esportivos. Na mesma linha, a Mazda vai dividir a plataforma e desenvolvimento do novo MX5 com a Alfa Romeo e seu Spider, mais uma prova que o rabo começou a balançar o cachorro no mundo dos esportivos.
Girando, Girando
O DNA do 2.0 boxer da Subaru define o seu comportamento. Com volante do motor aliviado e disposição para girar, é fácil ir além dos 7 mil giros até o corte. É nessa hora que os 200 cv chegam com força. Ao contrário do VTEC antigos da rival Honda, não é necessário dirigir o GT86 como se tivesse acabado de roubá-lo. Quando você chega aos 4.500 giros, o frenesi começa e o delírio só "piora" após os 6 mil giros, pois é entre 6.400 e 6.600 rotações que é entregue o torque máximo de 20,8 kgfm.  Não é por acaso que o conta-giros fica no centro do palco (quero dizer, quadro). Dentro dele, está um velocímetro digital e também uma shift-light para indicar mudanças. E as retomadas acontecem em tempo razoável. De 60 a 100 km/h, são apenas 7,1 segundos.
Toyota GT86 (Foto: Fabio Aro/Autoesporte)
A sonoridade rouca é amplificada pelo escapamento duplo que deixa parte do ronco “escapulir” para a cabine. Ali no gargarejo, o que se ouve é um ronco grave de quatro cilindros bem ajustado. Poderia dublar perfeitamente o som de um Porsche sem se perder na tradução. Talvez seja o 2.0 boxer aspirado quatro cilindros mais interessante que vi depois do 356 Carrera 2.0 e seu propulsor a ar com quatro (!) comandos de válvulas.
Ficha técnica
Motor Longitudinal, 4 cilindros opostos, 16 válvulas, comando duplo variável, injeção eletrônica e direta, a gasolina
Deslocamento 1.998 cm³
Potência 200 cv a 7.000 rpm
Torque 20,8 kgfm entre 6.400 e 6.800 rpm
Transmissão Manual de seis marchas, tração traseira
Direção Elétrica
Freios Discos ventilados na dianteira e sólidos na traseira
Pneus 205/55 aro 16
Dimensões Comprimento: 4,240 metros; largura: 1,775 m; altura 1,285 m; entre-eixos: 2,570 m
Capacidades Tanque 50 litros; porta-malas: 214 litros
Peso 1.257 kg
Além disso, os cilindros deitados deixam a frente ainda mais grudada no chão. É instantâneo apontar em curvas e a direção é tão direta que mudanças de faixa são feitas com uma mera carícia no volante. Hattori Hanzõ deve ter participado do projeto, uma sensação que cresceu a cada tomada de curva feita com precisão e saídas obscenas. Mérito não apenas do equilíbrio, como também do peso baixo de 1.257 kg - dá ótimos 6,3 kg por cv. A suspensão dianteira McPherson tem geometria bem calculada, enquanto a traseira duplo A aproveita um esquema de pista para não variar o contato das rodas com o asfalto. Se perder o contato, aproveite para pisar no pedal do meio com confiança, graças ao curso curto e sensibilidade na medida. Os discos ventilados na dianteira e sólidos na traseira estancam o GT86 de 80 km/h a 0 em 26,7 metros.
Nem tudo é perfeito. A assistência elétrica poderia passar mais sensibilidade. Não mata o conjunto por duas razões. Por ser elétrica, a assistência muda de forma bem mais variável em todas situações. Fica diretinha em velocidade e macia em manobras. De qualquer forma, esse é o tipo de carro que informa o que está se passando pelos quadris, apoiados em poltronas envolventes de espaldar alto. Antes mesmo de sair ele começa a avisar. Não para você evitar, por favor.
Toyota GT86 (Foto: Fabio Aro/Autoesporte)
Os controles eletrônicos de estabilidade e de tração podem ser desligados individualmente por botões no console. O próprio processo entrega que esse é um carro diferente. Nada de ficar apertando os botões durante alguns segundos, o Toyota não dá tempo de hesitar e os coloca para dormir com um toque rápido. É a senha para a diversão. No mundo sensorial do GT86, pouco importam os números de desempenho. Na pista, o cupê vermelho arrancou aos 100 km/h em 8 segundos cravados e vai pouco além dos 230 km/h . Um Audi A3 Sportback 1.8 TFSI faz o mesmo em 7,5 s. Deixe quieto, nem sempre a sorte está nos números.
Faca Ginsu
Com seis marchas, o câmbio Aisin vai além das metáforas comuns estilo "faca quente na manteiga" ou "pá-pum". Reprojetado, tanto o curso quanto a alavanca são curtos e entabular uma marcha atrás da outra e fazer reduções se tornam parte de você. Isso dá uma mão na hora de retomar, o GT86 não é do tipo que vai dobrar esquinas em terceira marcha. A embreagem alta não chega a ser pesada para o uso urbano, porém exige mais força que o normal.
Toyota GT86 (Foto: Fabio Aro/Autoesporte)
Roncando alto em segunda, penso "estou indo rápido demais", mas quando olho para o velocímetro digital vejo que o limite de 60 km/h da via não foi alcançado ainda. Ele é assim, capaz de divertir em qualquer situação. A maioria dos terrenos que passaria despercebida sob os pneus de outros carros se torna providencial. Até mesmo bucólicos calçamentos de pedras com relva crescendo entre as lajotas viram playground. Falando em calçamento, pisos ruins não chegam a deslocar vértebras. Claro que o GT86 é durinho e, embora seja rock and roll, não precisava investir na percussão ao rodar sobre o nosso péssimo asfalto.
Chega logo
Para cá, serão trazidos os modelos manual e automático sequencial, também de seis velocidades. Há airbags frontais, laterais, de cortina e para os joelhos do motorista, além de ar condicionado automático e todas as bossas de um carro caro. Embora o acabamento do painel seja macio, o rádio destoa no tom retrô e na iluminação verde. Será trocado por uma central multimidia com GPS. O banco traseiro com espaço para dois está ali mais para fazer gênero e ampliar os 218 litros do porta-malas (raso e com o estepe normal exposto). Aqueles interessados em usar o cupêzinho como 2 +2 (dois adultos e duas crianças) tem como aliado o sistema Isofix de fixação de cadeirinhas. Talvez seja melhor tratá-lo mais como esportivo afinado do que grã turismo nessas horas. Afinal, não é para ficar dando Dramin para os pequenos toda hora...
Hachi-Roku
Initial D (Foto: Reprodução)
Quem precisa de Pikachu ou robôs gigantes quando pode ter um personagem de animê bem mais excitante? Pois é, o Toyota é conhecido lá no Japão como Hachi-Roku ou (alguém aí adivinhou?) 86. É uma referência mais do que direta ao Truenno AE 86 (também conhecido como Corolla Levin ou Sprinter Truenno). O último Corolla de tração traseira, o elo perdido entre as primeiras gerações e os médios comportados que vieram depois. Ele é famoso pelo equilíbrio e por ser o queridinho dos pilotos de drift. E é a estrela do animê Initial D, iniciado em 1995. Passado no fictício Monte Akina, o desenho conta a história de Takume Fujiwara, garoto que aprendeu por osmose a “dirigir” melhor que ninguém o AE86 do pai. Como? Entregando tofu de madrugada para os clientes da loja do velho. O motor 1.6 16V de alta rotação entregava 130 cv apenas, esticados pelo talento de Takume. Fez (e faz) tanto sucesso que alguns chegarão a pintar seus GT86 com a mesma padronagem preto e branca do carro do personagem. Depois de dirigir o novo Hachi-Roku nas montanhas, ficou apenas uma certeza: para que fazer mais tofu diante de tanto wasabi?

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