Verdadeira lenda vida entre os customizadores americanos, Dean Jeffries, apesar de pouco conhecido no Brasil, foi o criador de vários carros famosos do cinema e da televisão
Texto: Rogério Ferraresi
Fotos: Arquivo
Matéria originariamente publicada na revista Rod & Custom 17.
No número 3077 da Cahuenga Boulevard West, em Los Angeles, Califórnia, trabalha um dos maiores customizadores de todos os tempos: Edward “Dean” Jeffries. Filho de um pai mecânico, nasceu em Compton (também na Califórnia), em 1933, mas se criou em Lynwood.
Graças ao conflito Jeffries ficou durante algum tempo em Sanhoffen, Alemanha. Ali conheceu um pintor de pianos, especialista na arte de fazer filetes. Aprendeu a técnica e filetou de ponta a ponta um carro Horch, o qual havia comprado para se deslocar na Europa. Quando voltou aos EUA, em 1953, conheceu Von Dutch (o artista Kenneth Robert Howard) e passou a trabalhar com ele, ganhando o apelido "The Modern Painter". Foi Jeffries quem criou o desenho do olho voador, muito embora ele tenha se tornado uma marca registrada de Von Dutch.
Nessa época Jeffries conheceu o piloto Troy Ruttman, que encomendou, juntamente com J.C. Agajanian, a pintura de seu carro de Fórmula Indy. Ele também trabalhou, por encomenda para George Barris e fez a decoração do famoso Porsche 550 Spyder "Little Bastard" de James Dean.
Aliás, muitos são os trabalhos de Jeffries erroneamente creditados a
Barris (tipo de confusão que este último parece alimentar), o que acabou
por desgastar a relação de ambos. Jeffries também percebeu que poderia
ganhar dinheiro personalizando camisetas com aerógrafos, atividade na qual precedeu Ed “Big Daddy” Roth.
Além da pintura dos capacetes de pilotos como Jim Rathmann e Parnelli Jones, começou a fazer alterações de design em 1957, quando refez a dianteira de um Porsche 356 Carrera do ano anterior, o Kustom Karrera, dando-lhe o formato de cunha. Em 1962, colaborou com Carrol Shelby no projeto do Shelby Cobra. O texano importou um AC Ace da Inglaterra, adaptou nele o motor Ford V8 e convidou Jeffries para fazer o acabamento da carroceria de alumínio, que era muito grosseira. O customizador também pintou o esportivo para que seu dono o apresentasse a Ford. Posteriormente, para parecer que Shelby tinha mais de um veículo, Jeffries pintou carro mais quatro vezes em cores diferentes.
CINEMA E TELEVISÃO
CINEMA E TELEVISÃO
Ainda em 1962 construiu para a Ford um dream car (os “carro de sonho” eram os concept cars do tempo), denominado Cougar 406. Ele tinha portas tipo asa de gaivota, como a Mercedes Benz 300 SL, e foi utilizado em “Under the Yum Yum Tree”, filme da Columbia Pictures estrelado por Jack Lemmon e Paul Lynde. O serviço agradou a diretoria da empresa, que contratou Jeffries para fazer uma versão especial do Ford Falcon, o Phyton, mostrado na exposição Custom Car Caravan. Jeffries também criou sua própria tinta, denominada Jeffries Indy Pearl, e foi o primeiro a fazer uso pratico do Metalflake, tinta com flocos de alumínio produzida pela Metalflake Corporation of America.
O americano decidiu, então, que estava na hora de fazer algo fora do comum. Lembrou-se, então, de que seu pai tinha dois Maserati de Grand Prix (como era chamada a Fórmula 1 antes da II Guerra Mundial) abandonadas no quintal. Pediu um deles e o ganhou pois, se hoje valem milhões de dólares, ninguém queria esse tipo de carro nos anos 60. Jeffries o desmontou e deixou à mostra o chassi tubular, que ganhou um motor Ford 289 V8 e uma nova carroceria de alumínio, com teto bolha de acrílico. O veículo resultante, denominado Mantaray (em alusão a manta ray, tipo de arraia comum nos EUA), ganhou o Oakland Roadster Show de 1964.
Steve Allen, famoso produtor de cinema, levou o Mantaray para as telas através do filme “Bikini Beach” (“A Praia dos Bikinis” no Brasil), estrelado por Frankie Avalon e Annette Funicello. Frankie fazia dois papeis, o seu e o do rival inglês Potato Bug/Peter Royce Bentley (em alusão aos Beatles e aos luxuosos carros britânicos). O ator não conseguiu dirigir o Mantaray e Jeffries teve de fazê-lo, iniciando, assim, sua carreira de dublê, “estrelando” filmes como “Honky Tonk Freeway” e “The Blues Brothers” (“Os Irmãos Cara de Pau”). Atualmente o Mantaray faz parte do acervo do Petersen Automotive Museum. Dois anos depois Jeffries foi contratado pela rede de televisão ABC para produzir o Batmobile (Batmóvel) da série de TV estrelada por Adam West e Burt Ward. O customizador começou a reestilizar a frente e aumentar o tamanho dos rabos de peixe de um Cadillac 1959,
mas os produtores da série o procuraram de novo, informando que o prazo
para entrega havia sido reduzido para 10 dias. Como não seria possível
cumprir a meta, Jeffries abriu mão da encomenda, que foi repassada para
Barris. Este, por sua vez, contratou Bill Cushenberry, o qual, realizando mínimas alterações no Lincoln Futura, entregou o carro na data estipulada.
Na mesma época tomava forma o projeto de outro seriado, “Os Monkees”, grupo de rock criado pela NBC calcado nos Beatles. O canal de TV queria um carro diferente para a produção e a MPC teria os direitos de fabricar os kits plásticos do veículo. Assim, o presidente dessa última, George Toteff, contatou Jim Wangers, que detinha a conta da Pontiac na agencia de publicidade McManus, John & Adams. Wangers. Ele conseguiu que a GM fornecesse a dois GTO 1966, conversíveis, com motores 398 V8 e cambio automático.
Ambos seriam modificados por Jeffries em quatro semanas, sendo um usado
nas filmagens e o outro em exposições, para promover a série.
O
projeto era comum para ambos. A tampa do porta malas foi retirada e o
GTO ganhou uma terceira coluna de bancos nova, bem como uma capota ao
estilo phaeton. A dianteira perdeu os faróis quadruplos e as rodas originais deram lugar a um jogo Cragar cromado. O motor do primeiro carro recebeu um blower 6-71, mas o Pontiac ficou difícil de ser conduzido normalmente. Assim, o compressor foi substituido por um falso, como no Monkeemobile número 2. O “chefão” da Pontiac, John DeLorean,
não gostou do resultado, pois o carro ficou muito diferente do
original. A MPC, porém, vendeu mais de 7 milhões de kits do veículo.
Ainda em 1966 Jeffries foi contratado para fazer o carro do seriado de televisão “The Green Hornet” (“O Besouro Verde”). Na história o dono do jornal Sentinela Diária, o magnata Britt Reid (Van Willians), fazia uso de sua identidade secreta, o Besouro Verde, para, juntamente com seu criado e motorista Kato (Bruce Lee), livrar sua cidade do crime organizado. Apesar disso ambos eram perseguidos pela polícia, que considerava os heróis como dois criminosos.
Assim, para combater os bandidos e escapar da lei, Besouro Verde e Kato faziam uso do Beleza Negra, um Chrysler Crown Imperial com motor big block 440 V8 de 350 cv (SAE), cambio automático Torqueflite, frente e traseira modificadas por Jeffries. O veículo era equipado com faróis “infra-green” de luz verde, lança morteiros, sistema de radiofonia e cortina de fumaça. Foram construídas duas unidades do Beleza Negra e, na mesma época, Jeffries fez o modelo da nave USS Enterprise NCC-1701-A usado em “Star Trek” (“Jornada nas Estrelas”).
RARIDADE MECÂNICA
RARIDADE MECÂNICA
Quando
as séries “Besouro Verde” (1967) e “Os Monkees” (1968) foram caceladas,
os quatro carros utilizados foram oferecidos para Jeffries por US$ 1
mil cada. O customizador não se interessou, pois podia montar cópias
idênticas por um custo muito menor e, além disso, estava investindo seu
capital no projeto do dune buggy Mantaray Kyote. Por tal motivo Barris comprou um Monkeemobile e um Beleza Negra. O outro Pontiac rodou o mundo em tournées dos Monkees e foi abandonado na Austrália. Já o segundo Chrysler Crown Imperial foi adquirido por um diretor do setor de transportes da Twentieth Century Fox.
O Mantaray Kyote teve 1.100 unidades fabricadas até 1971. Nesse ano Jeffries construiu a cópia do buggy lunar usado por Sean Connery no filme “Diamonds Are Forever” (“007 Os Diamantes São Eternos”). Quatro anos depois fez os veículos do filme Dead Race 2000, estrelado por David Carradine e Sylvester Stallone e, em 1977, montou o Landmaster, utilizado em “Damnation Alley” (“Herança Nuclear”), filme com Jan-Michael Vincent e George Peppard.
Na década de 80 customizou os Ford Bronco usados em “Romancing the Stone” (“Tudo por uma Esmeralda”), estrelado por Michael Douglas, Kathleen Turner e Danny DeVito. O Monkeemobile número 1 reapareceu em Porto Rico, sendo utilizado para transportar hospedes de um hotel de luxo. Foi leiloado em 1992 por US$ 5 mil (oferta mínima) e hoje pertence a um colecionado de Nova Iorque. Barris leilou a sua unidade em 2008. O novo proprietário, de Michigan, desenbolsou US$ 360 mil para levá-lo para casa. Posteriormente Barris e Dick Dean fizeram uma cópia do Monkeemobile, intitulado-se construtores do mesmo, o que desagradou Jeffries pelo fato da dupla não ser a dona do design.
Dan Goodman
comprou a unidade principal do Beleza Negra em 1992 por US$ 10 mil e
contratou Jeffries para restaurar o carro, que tinha apenas 17 mil
milhas rodadas. Esse veículo foi posteriormente vendido para o Petersen
Automotive Museum, enquanto o outro Chrysler Crown Imperial faz hoje
parte de uma coleção privada da Carolina do Sul. Quanto a Jeffries, em
2001 seu nome foi incluído no Cruisin' Hall of Fame e, nos últimos anos, ele vem se dedicando seu tempo a uma das quatro unidades do Ford GT40
roadster que foram construídas. O clássico carro de corridas foi
totalmente restaurado pelo customizador, o qual já recusou US$ 4 milhões
por sua incrível raridade mecânica. Dean Jeffries faleceu em 5 de maio
de 2013, aos 80 anos, em Hollywood, Califórnia.
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