18 de jun. de 2012

Fórmula 1-Longe das pistas, Da Matta espera oportunidade para voltar a correr

Piloto brasileiro com passagens por Cart e F1 disputou sua última prova em 2011, no endurance

Cristiano da Matta (LAT Photo USA)

Há dez anos, Cristiano da Matta era um dos principais nomes brasileiros no automobilismo internacional. O mineiro, então com 28 anos de idade, fazia uma campanha dominante na Champ Car (também chamada de Cart ou F-Mundial), onde, a bordo da tradicional equipe Newman-Haas, venceu sete provas e conquistou o título com folga.

Seu desempenho nos Estados Unidos despertou interesse internacional e lhe deu a oportunidade de se mudar à F1, o que, em um primeiro momento, causou uma reflexão no brasileiro. “Pensava que, se tudo desse certo, ficaria na Newman-Haas e não iria para a Toyota coisa nenhuma”, disse Da Matta, em entrevista exclusiva ao Tazio Autosport. No entanto, a má situação da categoria americana fez com que o piloto assinasse com a equipe japonesa para disputar o Campeonato Mundial.
Na F1, protagonizou momentos de destaque, como as 17 voltas em que liderou o GP da Inglaterra, em Silverstone, em 2003. Porém, no ano seguinte, a falta de resultados da Toyota cobrou seu preço e gerou um desgaste interno, o que culminou na dispensa do brasileiro com a temporada de 2004 em andamento.
De acordo com o piloto, a crise foi parcialmente causado devido ao trabalho do diretor técnico Mike Gascoyne. “Ele tem uma lábia que eu nunca vi igual”, disse Da Matta. “O cara não sabia fazer o carro. Ele estava claramente perdido. Nunca tive problema pessoal com ele, mas tudo o que ele fazia não funcionava. Mas ele conseguiu convencer o pessoal que o problema estava em mim e no Olivier [Panis, seu então companheiro de equipe].”
Fora da F1, coube ao piloto retornar à sua antiga casa, nos Estados Unidos. Em 2006, durante um treino em Elkhart Lake, sofreu o acidente que mudou os rumos de sua carreira: atropelou um cervo que estava no meio da pista, o que o deixou em coma, causou sérias lesões na cabeça e deixou o piloto fora de combate por mais um ano.
Assim, Da Matta retomou sua carreira anos depois, competindo esporadicamente na Grand-Am e na F-Truck, no Brasil. Sua última passagem pelo automobilismo foi em 2011, quando competiu em apenas três pela Jaguar na American Le Mans Series – o brasileiro deixou o projeto, classificando-o como “uma furada de um tamanho que nem tem como contar”.
Desde então, procura voltar a correr em categorias de turismo, já que se considera “velhinho” para competir nos monopostos. “Se aparecer alguma coisa, ótimo. Se não aparecer e eu tiver que correr atrás de patrocínio, não estou disposto.”
Confira entrevista exclusiva com Cristiano da Matta:
Seu nome anda meio sumido do noticiário do automobilismo nos últimos anos. O que você tem feito?
Depois do meu acidente, em 2006, fiquei muito tempo tentando voltar a correr quando fui liberado pelos médicos. Tive algumas chances, como na Grand-Am, mas a crise financeira nos Estados Unidos me fechou muitas portas. Em 2009, fiquei trabalhando com meus irmãos na Da Matta Design, voltada ao mundo esportivo nas bicicletas, e, no final daquele ano, me convidaram para assitir uma corrida da F-Truck.
Naquele momento, apareceu a chance de correr com a Iveco em 2010, e eu aceitei. Em 2011, comecei a fazer a American Le Mans Series pela Jaguar, só que era uma furada de um tamanho que nem tem como contar. Fiz três corridas, mas, no meio do ano, não tinha recebido nenhum salário, nem dinheiro de passagem. Aí, acabei fazendo só estas três provas, mesmo.
Neste ano, vi algumas coisinhas para todos os lados, mas não me apareceu nada. Estou trabalhando aqui com meus irmãos – é diferente, mas ainda é ligado a esportes e eu já tinha feito isso antes.
O que você chegou a ver para correr em 2012?
Conversei um pouco aqui pelo Brasil, mesmo, como no Línea [atual Copa Fiat] ou GT3. Mas tudo por aqui precisa de patrocínio, o que é meio complicado. Procurar patrocínio é algo que não faço não me lembro nem desde quando. Pensei em continuar trabalhando por aqui, mesmo, e, se aparecer alguma coisa, ótimo. Se não aparecer e eu tiver que correr atrás de patrocínio, não estou disposto. Lógico que fiquei acostumado com equipes querendo me contratar, mas voltar à vida de ter que procurar patrocínio não me deixa disposto, não.
A sua carreira seguiu um rumo que era bastante tradicional nos anos 1990, correndo de monoposto no Brasil e, em seguida, indo à Europa. Mas você saiu de lá e foi aos Estados Unidos. Como foi a mudança para você naquela época?
Foi uma mudança provocada por questões de mercado, com base no que acontecia no automobilismo na Europa. Eu já tinha corrido na F3 Inglesa e na F3000, e a chance de entrar na F1 dependia de dinheiro – tinha que levar muita grana, patrocínio, para sentar lá. Por outro lado, nos Estados Unidos, muitos pilotos brasileiros que estavam lá correndo na Indy Lights conseguiram subir para a categoria principal – na época, chamada F-Mundial. Meu objetivo principal era a F1, mas, sendo pé no chão, a F-Mundial estava em um ótimo momento.
Antes desta mudança, você chegou a ter qualquer tipo de negociação com alguma equipe da F1?
Não, porque eu fiz uma temporada de F3000 muito fraca – acho que foi a pior temporada da minha carreira inteira. Consegui um patrocínio no último minuto do segundo tempo, então a equipe que consegui tinha um carro muito ruim, o pior entre aqueles que havia vagas disponíveis. Como foi tudo de última hora, também não tive tempo de treinar, o que era algo necessário para quem vinha da F3. Tudo era muito novo para mim, então o campeonato inteiro foi muito ruim. A equipe não era muito boa, eu não tinha experiência com o carro... Conseguimos juntar todos os ingredientes que podia fazer tudo dar errado. E deu [risos].
Quando você chegou aos Estados Unidos, sentiu um choque de realidade nos aspectos financeiro e esportivo?
É muito diferente. No aspecto financeiro, era muito mais viável do que na Europa. Pelo lado do esporte, o carro da Indy Lights era parecido com o F3000 – era um monoposto de aproximadamente 450 cv, com mesmo tamanho [do F3000], também. Mas, na Indy Lights, de 14 etapas, eram cinco corridas de rua, mais quatro em oval e o resto em pista mista permanente. Eu tinha muita coisa para aprender. Até aquele momento, eu só tinha corrido em pista de rua de F-Ford, em Vitória, e de F3000 em Pau, na França. E só. Consegui um carro legal, um engenheiro legal, o que facilitou essa adaptação.
E quando você se sentiu totalmente à vontade nos Estados Unidos?
O mais difícil de tudo foi me acostumar com circuito oval. Em circuito de rua, por mais difícil que fosse, era mais ou menos parecido com o misto. Mas, em oval, tem a história do vácuo, do carro não anda reto em linha reta... É muito diferente. Mas a equipe, desde do começo da temporada, acumulou muito teste em circuito oval, o que me ajudou.
A primeira corrida do campeonato era em oval e não fui bem – esbarrei na largada e perdi a asa dianteira. Mas, na corrida seguinte neste tipo de pista, que era a terceira do campeonato, ganhei. A equipe ajudou com que eu passasse por este processo de aprendizado mais rapidamente. E, logicamente, a equipe era boa. Se não fosse assim, não adiantaria nada que eu acumulasse quilometragem em treinos.
Quando você foi aos Estados Unidos, pensava que seria algo permanente ou ainda tinha a F1 como objetivo?
A F1 é o topo, mas minha mentalidade era ser profissional no automobilismo. Se eu continuasse na Europa, não teria patrocínio em 1997, então eu teria que voltar para a faculdade. Não pensava em caminho para a F1, não. Para ser profissional, o caminho mais perto do ideal era os Estados Unidos, onde eu tinha uma chance mais real.
Você pegou a Cart em um de seus melhores momentos, entre o final dos anos 1990 e o começo dos anos 2000. Na época, havia certa concorrência entre ela e a F1?
Na parte esportiva, de pilotagem, [a Cart] era até mais acirrado, porque a diferença de carro para carro é muito mais próxima do que era na F1 na época. Não era que nem hoje em dia, onde os carros da F1 brigam por centésimos de segundo. Na Cart, todos tinham que comprar chassi – Reynard, Lola ou Swift, além dos motores – Toyota, Honda, Mercedes, Chevrolet... Todos tinham direito às mesmas coisas, então os carros eram mais parecidos.
Na década seguinte, a concorrência entre a IRL e a Champ Car começou a enfraquecer as duas categorias. Vocês viam na época que a divisão seria prejudicial?
A gente meio que via isso. Era uma guerra muito grande entre as duas categorias, mas não escutávamos tudo o que estava acontecendo. No mundo inteiro, a F-Mundial ainda era uma categoria legal, com pilotos e equipes melhores. Por outro lado, dentro dos Estados Unidos, isso fez com que as duas categorias ficassem menores em termos de público, de telespectadores. Sentíamos como se estívessemos sido divididos em dez. Então, os patrocinadores começaram a “sair fora”, também. Quem começou a ganhar com isso foi a Nascar, que já era grande, mas cresceu ainda mais nesta época.
E como estava o momento da categoria em 2002, quando você foi o campeão? A Penske já tinha deixado, rumo à IRL, mas algumas ainda estavam, como a Ganassi e a própria Newman-Haas. Qual era a fase da categoria?
Eu acho que o ano de 2002 foi o último em que aconteceu alguma coisa lá. Até então, tinha as empresas apoiando – Toyota, Honda, Ford, então a categoria era forte. E, pelo fato de ter fábricas grandes envolvidas, havia pilotos e equipes boas. A Penske tinha acabado de sair, o que foi uma perda grande, mas muitas outras se mantiveram lá. A saída deles não nos fez sentir tanto, mas foi o começo da bola de neve – ela ainda estava pequena em 2002, mas, no ano seguinte, todas as montadoras saíram. Assim, somando todos os problemas – falta de montadoras, de patrocinadores e baixa audiência, as equipes começaram a sair também. Assim, a categoria foi piorando de um ano para outro, indo ladeira abaixo.
Mesmo que em 2002 houvesse equipes e pilotos fortes, você conseguiu dominar aquele campeonato. A que você atribui uma campanha tão dominante?
Ah, é difícil falar um fator só. Foram muitos, muitos. Em 2001, já tínhamos vencido três corridas e nosso chassi tinha uma desvantagem em relação aos Reynard, que era nosso adversário principal. Em 2002, a Lola, que era nossa fornecedora, trouxe um chassi muito melhorado. Sentimos a diferença logo de cara. Além do que, era meu segundo com a equipe, e o entrosamento, de um jeito ou outro, era muito melhor. Eles sabiam o que eu queria do carro e eu também sabia com quem falar para melhorar alguns aspectos.
É um monte de coisinha – eu poderia ficar falando uma hora sobre isso! A Newman-Haas contratou um engenheiro [Guillaume Rocquelin] para aquele ano que eu não conhecia, que veio da PacWest. O meu antigo engenheiro tinha sido promovido como diretor técnico geral da equipe e recomendou este outro. E eu me dei bem demais com ele – tudo ficava muito claro e simples na hora de acertar o carro. Não é à toa que hoje em dia ele é engenheiro do [Sebastian] Vettel, que é bicampeão da F1. O cara não era nada mau, também!
As coisas eram tão equilibradas [na categoria] que o Gil de Ferran conquistou o título de 2001 só com duas vitórias. Quem ganhava três, quatro vezes, já era muito. Em 2002, ganhei sete vezes, o que era algo totalmente fora do normal. Era muita coisa positiva no mesmo pacote.
Você pegou uma grande fase da Newman-Haas, mas, hoje em dia, ela sequer disputa corridas na Indy. Por que você acha que isso aconteceu?
Foram várias coisas. Fazia quase dez anos desde meu título que eles não eram campeões, já que o último havia sido o Nigel Mansell, em 1993. Depois disso, a categoria decaiu, então eles começaram a usar demais o nome do Paul Newman para correr atrás de patrocínio. Chegou um ponto em que o Paul Newman não estava mais aqui com a gente, então isso acabou enfraquecendo. O Carl Haas já viu que a equipe não tinha o mesmo sucesso dos outros anos e começou a questionar se valeria a pena continuar. Deve ter sido algo como isso.
O seu triunfo na Champ Car veio quando você usava motores Toyota. Assim, a mudança para a F1 pode ser considerada algo natural?
No meio do campeonato de 2002, não me lembro exatamente quando, eles me procuraram. Talvez, vendo os resultados que eu estava obtendo, me perguntaram “você não quer ir fazer um teste com a gente lá em Paul Ricard?”. Eu respondi “claro, sem problema nenhum. Vou correndo, até nadando se precisar!” [risos] Lógico, foi totalmente relacionado. Eu já tinha uma relação boa com o pessoal da Toyota e isso ficou ainda mais forte com o trabalho que fiz com eles nos Estados Unidos.
E como foi a primeira experiência com o carro de F1? Quais foram as principais diferenças que você sentiu em relação aos da Champ Car?
É difícil demais de resumir. De um jeito ou de outro, o carro que eu estava acostumado a guiar tinha “900 e não-sei-quantos” cavalos, quase mil. Era muito cavalo! A F1 na época usava motor V10 e também tinha “900 e lá vai”, com muito cavalo, também. Mas o F1 pesava muito menos.
O que me chamou atenção é o F1 tinha muito mais pressão aerodinâmica que o Champ Car. Quando saí do box pela primeira vez, senti que o carro “embalava” muito, muito rápido, especialmente nas primeiras marchas. Era um negócio rápido demais. Só que, com a pressão aerodinâmica e o arrasto, na quarta, quinta e sexta marchas, o carro ficava mais devagar. Enquanto o Champ Car continuava acelerando, o da F1 estacionava. Mas me chocava a hora de frear o carro. Não sei os valores de hoje, mas, naquela época, havia uma força maior de 5G na aceleração e na freada, enquanto na Champ Car era em torno de 4G.
Outra coisa que me chamou demais a atenção foi nas curvas de baixa. Com os pneus frisados, o F1 não era nada de mais em relação ao Champ Car. Tinha uma diferença aqui e ali, mas era mais ou menos a mesma coisa. Na F1, a aerodinâmica não contava tanto e a aderência mecânica não era nada de mais. Em compensação, nas curvas de quarta, quinta e sexta marchas, quando a aerodinâmica fazia mais diferença, aí o negócio grudava no chão. Era uma diferença grande.
E este primeiro contato era referente a somente um teste ou já se falava em uma transferência definitiva?
A palavra inicial era para que eu fizesse alguns dias de testes em Paul Ricard para ver se eu gostava. Não me falaram nada, mas eu sabia que não estavam me levando para lá de graça. Pensei em ir para lá com os pés no chão, mas queria “mandar o sapato” o máximo que conseguisse para mostrar o que poderia oferecer. No fim das contas, eles me escolheram e eu não fiquei nada chateado, não. [risos]
Lembro que houve outros pilotos que testaram por lá, também. Eu não estava olhando para ninguém, mas depois soubemos que todos disputavam com todos para ver quem sentava lá no fim das contas. Os testes não foram todos no mesmo dia, mas eles testaram com vários pilotos para fazer a escolha.
Quando foi que eles mostraram interesse oficialmente em você?
Lembro exatamente deste momento – foi mais ou menos em setembro, durante a corrida de Denver. Me ligaram e falaram que assim que eu chegasse em casa, em Miami, queriam me encontrar para conversar sobre o ano seguinte. Desci do avião e fui direto até o hotel para ver o pessoal. Ali eles me falaram que o teste que eu havia feito visava uma vaga na Toyota, que eles gostaram do meu resultado e queriam saber se eu tinha interesse de correr por lá.
Para falar a verdade, tive dúvida. Eu estava naquela situação mágica com a Newman-Haas – uma equipe de ponta, em uma categoria de ponta, dominando o negócio. Tudo estava encaixado, funcionando muito bem.
Na minha cabeça, pensava que, se tudo desse certo, ficaria na Newman-Haas e não iria para a Toyota coisa nenhuma. Mas, pouco tempo depois disso, as montadoras anunciaram que deixariam a Champ Car – quando isso aconteceu, mudei a cabeça. Por mais que tudo estivesse legal demais, que poderia continuar assim por mais alguns anos, quando não há montadora envolvida, o negócio não cheira bem. Entre o certo e o duvidoso, preferi ir para a Toyota na F1, que era uma categoria que existia há muitos anos. Naquela época, não sabíamos nem se haveria campeonato da Champ Car em 2003. Quando as montadoras saíram, ficou fácil decidir.
Mas o que, exatamente, eles te propuseram?
Eu estava só em meu quarto ano na categoria. Em termos financeiros, não ganhava a mesma maravilha que o pessoal das antigas, mas a situação estava muito boa para mim. A Toyota me ofereceu um pouco a mais do que eu ganhava, mas nada de muito exagerado.
Quanto ao plano, me disseram o seguinte: “O programa aqui é de longo prazo, porque a F1, você sabe como é. Não é de um ano para outro que começaremos a andar mais rápido que todo mundo. A situação que você vivia na Newman-Haas não vai se repetir neste ano [2003], nem nos outros dois, três. Provavelmente vai demorar um pouco mais, mas, em longo prazo, chegaremos lá.”
Gostei disso. Quando comecei a correr pela Toyota, na Champ Car, o motor deles era fraco, quebrava muito, então eu já tinha passado por um processo de evolução com eles e colhi os resultados. Passar novamente por este processo ao lado de uma montadora como a Toyota na F1 soava bem demais.
E como era o ambiente da F1? Muito diferente daquilo que você estava acostumado?
É um pouco diferente, porque, na verdade, por tudo o que estava envolvido, o piloto não tinha muito tempo. Na Champ Car, durante o fim de semana de corrida, a gente frequentemente precisava jantar com o cara da Toyota, ou da Texaco, da Firestone, o que fosse. Mas era uma vez ou outra. Na F1, a gente recebia a tabela de horários do fim de semana inteiro. Então, era algo assim: 8h na pista. 8h00-8h30: café da manhã. 8h30-9h00: preparação para o treino. 9h00-11h00: reunião com o engenheiro... era tudo assim. Havia programação para tudo. Tinha trabalho o dia inteiro, tanto dentro do carro quanto fora, na parte promocional, de patrocinadores. Eu não tinha tempo para jantar com o Rubinho [Barrichello], ou com o Felipe [Massa], e nem eles tinham. Era um pouco diferente neste ponto.
Neste início de carreira na F1, sua adaptação aconteceu da maneira que você esperava?
Eu estava satisfeito com meu desempenho geral em meu primeiro ano. Em termos de classificação, eu estava um pouco atrás do que poderia estar caso tivesse experiência. Na F1, você tem apenas uma volta, que é a melhor de todas, sendo que depois o pneu fica 0s8 mais lento. Para o piloto tirar o máximo do pneu em apenas uma volta rápida, tem que estar treinado no negócio.
Em relação ao Olivier Panis, que era um cara mais experiente, ele largou mais na minha frente do que eu larguei na frente dele. Mas, em termos de corrida, foi o contrário – tive resultados melhores. Acho que fiquei devendo um pouco na classificação, mas o resto estava legal.
Um dos momentos de destaque em sua temporada de estreia foi no GP da Inglaterra, no qual você liderou 17 voltas. Qual foi a repercussão disso dentro da equipe?
Aquilo foi legal demais para mim e para a equipe, também, que liderou uma corrida assim logo em seu segundo ano. E não foi em qualquer GP – foi na Inglaterra, na casa da categoria. E foi bom até mesmo na classificação, onde fui o sexto. Naquele primeiro ano, em pista de média e alta velocidade, o carro andava melhor do que em pistas de baixa.
Tanto é que os outro resultado bom que tive no primeiro ano foi em Barcelona, onde andei legal. Na Malásia, andei bem, também, independente do resultado. O carro, em pistas de baixa velocidade, não era tão bom, não tinha boa aderência mecânica.
Considerando todos os problemas que o carro tinha e a sua divergência de opiniões, quando que a sua relação com a Toyota começou a se desgastar?
Você sabe como são as coisas na F1, onde tudo vira novela [risos]. O carro de 2003 foi projetado pelo Gustav Brunner, e, como eu disse, era legal em alta velocidade. Na minha primeira vez em Suzuka, me classifiquei em terceiro, com o Panis em quarto. Claro que não era o suprassumo, mas era bom para o meio do grid.
Entre 2003 e 2004, a Toyota tinha contratado o Mike Gascoyne por milhões e milhões. Comecei a conversar com ele e lembro que nos dávamos muito bem, conversávamos sobre tudo. Para te falar a verdade, quando você conversa com ele, começa a pensar “os caras das equipes da frente estão fodidos com a gente no próximo ano, porque a gente vai ganhar corrida”. Ele tem um papo... Ele tem um papo que te convence que vai fazer o negócio acontecer de tal forma... Ele tem uma lábia que eu nunca vi igual. Era aquela novela, aquele conto de fadas.
Alguns dias antes de testar o carro de 2004 pela primeira vez, eu tinha conversado com o Rubinho – sou muito amigo dele. Ele me falou como era legal testar o carro do ano seguinte. Porque você ralou o ano inteiro anterior em um carro, que, depois de testar um milhão de coisas, vira, por exemplo, 1min15s8. Aí você coloca o carro do ano seguinte na pista, dá três voltinhas e já vira 1min15s3. De cara, sem fazer esforço nenhum, baixa meio segundo. “É a coisa mais legal que tem, você vai ver”, o Rubinho me falou.
No primeiro treino onde comparamos o carro de 2003 com o de 2004, o Olivier foi o encarregado – o que dava para entender. Ele tinha vários anos de experiência na F1, enquanto eu era só um novato. Aí, com o carro velho, ele virou – vamos manter o exemplo – 1min15s8. Com o carro novo, virou 1min16s8. Eu lembro que ele voltou para os boxes, olhei para ele e vi uma expressão meio negativa, como quem dizia “nossa, lá vem”.
No dia seguinte, foi a minha vez de andar com o carro e aconteceu exatamente a mesma coisa: virávamos muito mais lento. Depois de trabalhar o dia inteiro no carro, o tempo era 0s7, 0s8 pior. Isso me deixou muito mais preocupado. Segundo a história que o Rubinho me falava, a grande maioria das equipes melhorou um segundo por volta. Se nós pioramos, não estamos nada bem. Este foi o pontapé inicial com o carro do Gascoyne.
Aí fomos para as primeiras corridas, que eram fora da Europa. Na Austrália e Malásia, fomos mal para caramba, sendo que havíamos terminado o ano anterior andando entre os primeiros no Japão. Lógico que a equipe viu que o negócio não estava legal.
Foi quando o Gascoyne começou com o papo. Ele falou que, na primeira corrida da Europa, que seria em Ímola, já teríamos um carro totalmente novo. Chegando lá, fui um pouco melhor na classificação – me classifiquei em décimo, se não me engano. Mas, na corrida, foi o mesmo pau que havíamos tomado na Austrália e Malásia. E assim continuou por todas as corridas europeias.
Depois disso, não teve uma exceção, nenhuma – ele dizia que teríamos uma nova suspensão, mas era pior. Uma nova asa dianteira? Pior de novo. Um amortecedor “assim, assim e assado”? Pior também. Então, na verdade, o erro era de projeto. O cara não sabia fazer o carro. Ele estava claramente perdido.
Como o contrato dele era de alguns anos e ele custava milhões e milhões, ele, claro, começou a se defender. “Ah, o problema é que o Panis está muito velho, não sabe guiar mais nada, e o Da Matta é um novato, blá blá blá.” E a gente falava que faltava um pouquinho de tudo neste carro: aerodinâmica, mecânica, etc. As coisas não funcionavam e eu, como parte do meu trabalho de piloto, tinha que ajudar o pessoal, já que sou membro da equipe.
Eu falava “gente, vamos conversar sem fofocas, só com base em fatos, em telemetria. Testamos várias coisas, mas foi tudo pior. Nada funcionou, sem exceção. Não é 99% - é 100%, nada funcionou. Acho que tem alguma coisa no design do carro que está errada.” E o Olivier falava a mesma coisa. Mas o Gascoyne, ganhando seus milhões, não podia falar isso.
Então, você acredita que foi mandado embora porque acabou entrando em conflito com o Gascoyne?
Eles me ligaram e falaram que não estavam satisfeitos com o meu trabalho. Não houve briga, nada cara-a-cara com o Mike. Eu conversava com o pessoal da equipe e apontava que nenhuma novidade melhorou o carro. Acontecia de não melhorar em nada, de ficar “empatado”, mas, no geral, era tudo pior. Mas eu falava com ele numa boa – é um cara fácil de conversar, simpático. Nunca tive problema pessoal com ele, mas tudo o que ele fazia não funcionava. Mas ele conseguiu convencer o pessoal que o problema estava em mim e no Olivier. Chegaram para mim, no meio da temporada, e falaram que não estavam satisfeitos. Falei “tudo bem. Se vocês acham isso, beleza”. Não falei nada, só “saí fora”.
Aí, o fim da novela: voltei para os Estados Unidos, pela Champ Car. Em 2006, eu fazia a corrida de Long Beach, e a sede da Toyota nos Estados Unidos é na Califórnia. Eu estava no paddock, e, durante os treinos, vi que tinha um cara com camisa da Toyota, da presidência. Era estranho, porque, naquele ano, a montadora não estava mais na categoria, já que usávamos só motor Cosworth.
Depois, ele veio andando em minha direção. Eu pensava “o que esse cara quer comigo?” Ele me disse “Da Matta-San? Vim aqui só para te falar uma coisa. Sabe o Mike Gascoyne? Vim aqui só para te falar que nós demitimos ele. Você estava certo.” Respondi que estava feliz por eles, mas, para mim, estava tarde demais. Mas fiquei orgulhoso disso.
Você e o Panis saíram da equipe. Depois, o Ralf Schumacher fez três temporadas pela Toyota, mas acabou saindo também. A própria equipe deixou a F1 sem obter o sucesso que gostaria. Por que você acha que o projeto da Toyota não deu certo?
Eu acho que era questão de pessoa errada no lugar errado. Aquilo é um trabalho em equipe, então são muitas pessoas que fazem o negócio funcionar. Para juntar todo mundo, é algo que demora um pouco. Não sei dizer exatamente o motivo – se a Toyota não conseguiu descobrir, quem sou eu para falar alguma coisa! Mas tínhamos problema com as pessoas-chave.
O nosso motor era sempre bom. Nosso projetista, que era o Luca Marmorini, fazia com que nosso carro sempre ficasse entre os melhores em termos de velocidade na reta. Mas, depois que o Gascoyne entrou, até isso piorou! [risos]
Depois que você saiu da Toyota, chegou a negociar dentro da F1?
Eles [Toyota] me propuseram para continuar na equipe, mas como piloto de testes. Aí disse “como piloto de testes não, obrigado. Isso para mim é um passo para trás muito grande”.
Olhando sua carreira na F1, você guarda algum arrependimento?
Olha, talvez... [pausa] Não, acho que fiz tudo do jeito que gostaria de fazer, do jeito que eu poderia fazer, mesmo. Se tivesse uma segunda chance, teria uma atitude um pouco diferente com relação à postura no geral. Nos Estados Unidos, fiquei dois anos na Newman-Haas, que era a equipe dos sonhos, mas, na F1, as coisas não estavam tão redondas. Acho que isso me incomodou um pouco. Talvez, neste aspecto, eu pensaria um pouco melhor. Mas, depois que aconteceu, é fácil falar. Na hora, acho que não conseguiria ficar calmo, não!
Fora da F1, você acabou por voltar à Champ Car. Como foi este retorno?
Foi legal. O carro não era mais igual àquele que eu guiava, especialmente no motor. Era um pouco mais lento, mas ainda era muito legal, com todos com carros iguais. Antes de guiar o carro de novo, estava preocupado, porque estava acostumado com a F1, onde você “manda o pé” no acelerador e o controle de tração faz o resto. Mas, na realidade, em três, quatro voltas, foi moleza me acostumar de novo.
No final de 2006, você sofreu aquele acidente em Elkhart Lake. Muito já foi falado sobre isso, mas, vendo hoje, o que você acha que aquilo mudou em sua vida profissional e pessoal?
A minha carreira como piloto, no nível em que eu estava acostumado, acabou ali. Não consegui voltar a competir no nível em que eu estava, e nem estive próximo disso. Para a minha vida,foi uma mudança gigantesca.
Mas você sentiu alguma mudança quando voltou a guiar o carro?
Certeza só terei se obtiver bons resultados de novo, mas acho – e muito acho – que o acidente não mudou em absolutamente nada. Logicamente, no esporte, se você pratica o negócio sempre, está mais afiado. A primeira vez que sentei em um carro de corrida depois do acidente, no começo de 2008, foi em um Grand-Am, da equipe do Bob Stalling, que havia conquistado o título no ano anterior com o Alex Gurney e o Jon Fogarty. E, no dia que andei, tive a companhia do Gurney, e virei um pouco mais rápido que ele – algo em torno de um, dois décimos.
Mas minha carreira acabou no acidente, porque não tive mais nenhuma grande oportunidade. Além disso, a crise econômica da época atrapalhou ainda mais, porque ficou difícil de arrumar emprego.
Então, voltando ao começo da conversa, você ainda pensa em voltar a correr?
Eu tenho, tenho sim. Para monopostos, acho que estou mais para o lado dos velhinhos, mesmo. Hoje em dia, vemos o [Michael] Schumacher, o Dario [Franchitti], ou o próprio Rubinho correndo. Mas, do jeito que eu estou parado, eu acho que não dá. Em monoposto, estou para o lado dos velhinhos, mas, para categorias de endurance, sou uma criancinha. Se aparecesse algo nesta linha, seria só alegria. E torço muito para que isso aconteça.

Fonte: tazio
 Disponível no(a): http://tazio.uol.com.br
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