11 de mai. de 2012

Lancia Thema 8.32, uma Ferrari de quatro portas


O conceito de sleeper (ou Q-car, se você for britânico) já está mais do que enraizado no imaginário dos entusiastas automotivos. Trata-se daquele carro que traz um visual mundano por fora, com detalhes que só para os mais atentos podem significar que aquele modelo tem uma pimenta a mais no motor.
Os mais fascinantes são os sleepers de fábrica. De vez em quando os fabricantes preferem seguir por um caminho mais discreto e fazer um sedã de quatro portas que pode encarar veículos declaradamente esportivos sem perder a elegância e discrição. Um dos mais impressionantes foi o Lancia Thema 8.32, um sedã primo do Fiat Croma, com um V8 da Ferrari.

Se a Fiat no Brasil dos anos 80 ainda era uma fábrica de carros pequenos – situação que só foi mudar em 1991, com a chegada do Tempra -, na Europa a empresa de Turim tinha um portifólio de modelos bem maior, com opções de todos os tamanhos. Na época, o maior carro da marca era o Croma, introduzido em 1985.

Era um carro curioso. Tinha formato de sedã, porém sua tampa traseira incorporava também o vigia traseiro, fazendo dele tecnicamente um hatchback (ou mais especificamente um liftback). Imagine um dos nossos primeiros Escorts, mas com a traseira ainda mais “espichada”. O Croma era a versão da Fiat para a plataforma Tipo Quattro (que não tinha nada a ver com o quattro da Audi, pois tinha tração dianteira), um projeto em conjunto com a Saab e que deu origem a quatro modelos: o Saab 9000, o Alfa Romeo 164, o próprio Croma e o Lancia Thema.
Enquanto Saab e Fiat eram liftbacks, o Alfa e o Lancia eram sedãs de verdade, e ocupavam uma posição mais luxuosa comparados aos outros. O Thema também possuía uma versão wagon.
O Thema era bastante leve para seu tamanho. Com 4,59 metros de comprimento e um generoso entre-eixos de 2,66 metros (o mesmo dos outros três irmãos), o sedã pesava de 1.150 a 1.300 kg dependendo do motor. No começo eram quatro: um quatro-cilindros de 2,0 litros, 8v e 120 cv; esse mesmo motor, mas com turbocompressor para gerar 166 cv; o PRV (Peugeot, Renault e Volvo) V6 de 2,8L e 150cv; e um quatro-em-linha turbodiesel de 2,4L e 101 cv. Instalados em posição transversal e acoplados a uma transmissão manual de cinco marchas (ou automática de três em algums versões), o Thema e seus irmãos eram bastante modernos para a época.
Por dentro do Lancia, confortáveis e espaçosos bancos de couro e raiz de nogueira no painel e nas portas, ao melhor estilo italiano. Mas mesmo com tantas qualidades, o sedã produzido de 1985 a 1995 passou quase despercebido por seus onze anos de vida. Uma versão, porém, pode até justificar sua passagem pelo mundo: o Thema 8.32.

Em 1986 o europeu estava muito bem servido quando o assunto era supersedã: a Alemanha oferecia o BMW M5 E28 e o Mercedes 560SEL. O Bentley Mulsanne Turbo era inglês, e o Ford Sierra Sapphire Cosworth se dizia inglês, mas vinha da Bélgica. Mas o que te levaria a trocar a “ultimate driving machine” bávara ou o outro alemão por um italiano todo quadrado? A resposta é simples: nenhum deles tinha um V8 Ferrari debaixo do capô.

Está certo que o V8, similar ao da Ferrari 308, era na verdade montado pela Ducati. Mas ainda era projetado pela Ferrari, e ao abrir-se o capô notava-se a inscrição “LANCIA by Ferrari” na tampa de válvulas. O 8.32 do nome aludia ao número de cilindros e de válvulas.
O motor, de 2,9 litros era basicamente o mesmo da 308,  com algumas adaptações para tornar o seu fucionamento mais suave e gradual, como alterações no diâmetro dos cilindros e curso dos pistões, além de válvulas de maior diâmetro e ignição remapeada. E, talvez a mais importante das mudanças, um virabrequim em cruz (cross-plane) no lugar do plano (flat-plane) que equipava a Ferrari, com balancins para reduzir as vibrações. Isso deu resultado: segundo o teste feito em junho daquele ano pela Autocar britânica, mesmo ao atingir os 6.75o rpm onde aparecia a potência máxima de 215 cv (na Ferrari a potência era maior, 240 cv), o carro parecia estar a apenas 2.000 rpm. E até os 7.500 rpm, o limite de giro, o V8 mal se fazia sentir. O tempo de 0-96 km/h era de 6,8 segundos, meio segundo atrás do M5 de 1988.

Outras qualidades, porém, cativavam no 8.32, mesmo possuindo apenas tração dianteira. Sua estabilidade era irrepreensível, e a suspensão com amortecedores eletrônicos fornecia dois modos: “comfort” e “sport”. O Thema 8.32 não era um carro de curvas lentas, onde a carroceria rolava um pouco mais do que o desejável, pois o rodar ainda era macio demais. Em trajetos mais rápidos, no entanto, ele se saía melhor, e graças ao chassi bem firme e aos pneus originais Goodyear Eagle 205/55 R15 (inimagináveis em um sedã de alto desempenho nos dias de hoje, mas ideais para a época), não era fácil fazê-lo desgarrar do seu trajeto.
De qualquer forma, a casa preferida do Lancia era mesmo o asfalto livre para longas viagens. Como grand tourer o 8.32 brilhava, o V8 suave rosnava grave e uniforme e você realmente se sentia em uma Ferrari de quatro portas.

Por dentro, couro da melhor qualidade da grife Poltrona Frau em profusão e madeira nobre no painel, além de instrumentação mais do que completa. Era um carro bastante espaçoso e, diferente da Ferrari que lhe cedeu o motor, levava cinco pessoas. Podia se passar por um Thema comum, não fossem a grade e para-choque dianteiro levemente redesenhados, um discreto aerofólio retrátil atrás, que podia ser escondido ao toque de um botão, e o pequeno emblema “8.32″ amarelo ao lado do nome Thema. Os 29 kgfm de torque a 4500 rpm confirmavam sua vocação para pegar a estrada, onde era mais fácil atingir a velocidade máxima de 240 km/h.

Logo no ano seguinte, todas as versões do Lancia Thema receberam catalisadores, causando uma queda geral na potência. O 8.32 agora passava a produzir 205 cv, acompanhou a reestilização da linha em 1989 e assim permaneceu até 1992, quando deixou de ser produzido. Em seu lugar, no que talvez possamos considerar um exemplo de downsizing, entrou a versão de quatro cilindros, 2,0 litros e 16V com turbocompressor, que também entregava 205 cv, mas era mais econômico e até mais rápido em linha reta.

Na época de seu lançamento, o Lancia Thema 8.32 custava em média 40 mil libras (algo em torno de 140 mil libras em valores atuais). Não foi um sucesso de vendas, com apenas 9 unidades vendidas oficialmente no Reino Unido. Em sua terra natal, sua produção limitada de 2370 unidades entre 1986 e 1988 e mais 1989 e 1992 faz dele um carro bastante raro. Destes, existiram 64 carros numerados (32 antes e 32 depois do facelift), todos na cor Rosso Corsa, o famoso “vermelho Ferrari”. Reza a lenda que foi feito um 8.32 perua para o então presidente da Fiat Gianni Agnelli.

Caso quisesse um de verdade, você era convidado a ir até a fábrica em San Paolo, conversar com os engenheiros, ver o carro ser montado e ainda acompanhar o piloto de testes na primeira volta antes da entrega. Não está escrito em lugar algum que os alemães ou ingleses não faziam o mesmo, mas esse conceito caiu como uma luva aos italianos. Talvez quem comprasse um Thema V8 tivesse opções mais racionais, baratas e provavelmente mais rápidas na concorrência. O BMW M5 tinha um seis-em-linha de 286 cv, tração traseira e ainda era mais barato. Talvez fosse um carro melhor, mas hoje certamente gera menos surpresa.

No ano passado foi anunciada a volta do Lancia Thema. Trata-se, no entanto, de um Chrysler 300C com emblemas Lancia. É um sedã de tração traseira baseado na plataforma LX da Chrysler – a mesma do Dodge Charger – com um V8 HEMI debaixo do capô. Não é um carro ruim, mas está longe de ter a alma de um italiano de verdade.

Ferrari e Lancia, quase sempre uma parceria de sucesso

É curioso pensar que a existência desse carro só foi possível graças a um acontecimento bastante triste. Em 1955, o piloto principal da equipe de automobilismo da Lancia, Alberto Ascari, sofreu um acidente fatal enquanto testava a Ferrari 750 Monza no circuito de Monaco. Na então chamada Curva di Valoni, Ascari perdeu o controle do carro, que capotou várias vezes. O piloto foi jogado para fora do carro e, protegido apenas por um capacete, sofreu vários ferimentos e morreu no local.
Comovido com o acontecimento, o então presidente da companhia Gianne Lancia doou todos os carros de competição e seus motores de oito cilindros à Scuderia Ferrari, dando início a uma das parcerias mais interessantes da história do automóvel.

Em 1956 Juan Manuel Fangio vencia seu quarto campeonato de Fórmula 1 pilotando um D50 fornecido pela Lancia. Nos anos 70, a Lancia venceu o WRC três vezes graças a um Stratos com motor 2,4 emprestado da Ferrari Dino. A terceira parceria foi o Lancia Thema 8.32.
Fonte: jalopnik
Disponível no(a): http://www.jalopnik.com.br
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