Talento e emoção fizeram de Sid Mosca um ídolo da pintura de capacetes
Foi enterrado hoje no cemitério de Congonhas, em São Paulo, o artista Sid Mosca. Artista, sim. Afinal, é para poucos a assinar a criação de capacetes de pilotos como Emerson Fittipaldi e Ayrton Senna. Sid fazia tratamento para combater o câncer que o acometeu há alguns anos. Precisou ser internado no último sábado, mas não resistiu e faleceu na última madrugada. Autoesporte presta sua homenagem ao designer e reproduz aqui o perfil publicado em abril deste ano, na edição 551.
Sid Mosca: um artista da velocidade
De dentro da cabine de pintura, surge um senhor de passos firmes, compassados. Nesse ritmo, é fácil reconhecer o semblante sereno que os 74 anos de vida lhe deram. Também se identifica depressa o boné preto com aba contornada de branco, sob o qual escapam fios de cabelo, agora grisalhos. A camisa polo em tom azul, a calça jeans e o tênis são peças comuns do vestuário. Mas estão longe de ser sua identificação. Para saber quem ele é, é preciso olhar os capacetes dos pilotos que fizeram e fazem história no automobilismo brasileiro. Neles está o apelido “Sid”, como assina Sid Mosca, que não teve pressa para entrar e também deixar sua marca no mundo da velocidade.
Cloacyr Sidney Mosca nasceu em Jaú, no interior de São Paulo, e aos seis meses mudou-se para a capital com os pais Olga e Nelson. Filho único, o descendente de italianos começou a trabalhar em oficinas de pintura aos 14 anos. Nas próprias palavras, aprendeu “na marra”, lixando e limpando chassis de caminhões. Depressa, tomou gosto pelo ofício e quis pintar um automóvel. Preparou o veículo para receber as camadas de tinta e pediu emprestado o revolver de pintura ao dono do estabelecimento, seu Élvio. “Achei que ele ficaria orgulhoso de ver que eu já estava pintando”, lembra. Que nada. O chefe não apenas se recusou a emprestar a ferramenta de trabalho, como fez, ele mesmo, o serviço, e de graça. Tudo por medo de ganhar um concorrente.
Parece que seu Élvio previa o futuro, e não demorou muito para que o jovem trocasse de emprego. Na nova oficina, teve toda a liberdade para iniciar suas criações. Da paixão por aeronaves, especialmente os caças da Segunda Guerra Mundial, surgiram ideias para as personalizações; primeiro, os veículos, depois os capacetes. “Quando terminava de pintar o carro, eu dava um toquezinho especial ao filtro de ar, fazia um detalhe no motor, no cabeçote... Minha satisfação era imaginar a reação do cliente ao ver aquilo”, fala.
Na década de 1960, dono de sua própria funilaria, ele participou de algumas corridas, sempre na categoria estreante. Tirava o motor DKW de seu Puma e colocava em um Fusca para dar mais gás ao carro. Ainda assim, o veículo não ficava à altura dos demais. Foi por isso que decidiu: se não se diferenciava pelo desempenho, ia apelar para o visual. Antes mesmo de o filme Sem Destino ser lançado, em 1969, ele já pintava flamas em seu carro. Logo, outros pilotos passaram a pedir que a estilização fosse feita em seus possantes.
Apesar do sucesso, Mosca não tinha grande retorno financeiro e decidiu mudar de ramo: abriu uma revenda de automóveis. “Comecei a me dar bem. Eu sabia escolher os veículos e dava uma boa ‘guaribada’ antes de colocar à venda”, diz. Ele dava “um trato” nos carros em um galpão apertado, um corredor estreito, onde não podia enfileirar mais de três veículos de cada vez. À época, ele não queria mais saber de viver de pintura. Só fazia os reparos necessários para vender melhor os automóveis.
A ESTRELA BRILHOU
O destino, porém, cruzou seu caminho. Ou melhor, a rua. Vizinhos da loja estavam os preparadores dos bólidos do piloto Ingo Hoffman, que, certo dia, pediram para Sid Mosca pintar um capacete. “Não queria, mas aceitei. Supondo que o serviço custasse R$ 50, cobrei uns R$ 400. Queria que eles saíssem falando mal de mim e não voltassem mais”, lembra. No dia seguinte à retirada do capacete, “eles” não só voltaram, como trouxeram um amigo. Sid nunca mais parou de “fazer a cabeça dos pilotos”. “Surgiu muito trabalho, e bem pago, eu não podia negar...”
A essa altura, já era início dos anos 70. “Naquela época, os pilotos eram deuses. E, de repente, veio o Wilsinho Fittipaldi bater na minha porta e pedir para eu pintar o Copersucar. Em seguida, foi a vez do Emerson, que trouxe seu capacete. Ele queria mostrar ao mundo que havia bons designers no Brasil”, conta Mosca. O artista achava o azul do capacete muito escuro, e pediu para mudá-lo. Emerson relutou, mas concordou. A escolha foi minuciosa. Sid Mosca optou por um azul-marinho levemente mais claro, metálico, que foi aplicado com efeito dégradé. Deixou o capacete pronto e esperou que Emerson fosse buscá-lo. No lugar dele, apareceu um motorista.
Ansioso, Mosca foi ao autódromo descobrir se tinha agradado. Encontrou Emerson Fittipaldi em meio aos jornalistas. Quando o viu, o piloto interrompeu as entrevistas, foi ao encontro de Mosca e o abraçou, dizendo: “Só não te beijo porque você é homem!”. “Naquele momento, as cortinas se abriram e entrou luz na minha vida”, fala Mosca. A frase soaria pronta e ensaiada, não tivesse saído tão naturalmente quanto as lágrimas que correram por trás das lentes dos óculos do artista.
Emerson adotou a pintura em definitivo e sugeriu: “Põe seu nome, aí, e diz que é do Brasil”. O pedido foi uma ordem, e assim surgiu a grafia “painted by Sid – Brasil”. Supersticioso confesso, Mosca a colocou no lado esquerdo do capacete, “o lado da amizade, do coração”. Para os pilotos campeões, faz até hoje um agrado: uma estrela abre e outra fecha a assinatura.
Sid Mosca mantém seu negócio na zona sul de São Paulo e só atende competidores do automobilismo. Tem em suas mãos a responsabilidade de criar a peça que identificará o piloto por toda sua trajetória. Por isso, antes de propor um desenho, conversa bastante com o “cliente”, ouve suas sugestões e faz um raio X de sua personalidade. Entre o desenho e a conclusão, o projeto toma até 20 dias, tempo que varia de acordo com a complexidade do desenho e as cores usadas. Oito pessoas trabalham na produção dos capacetes. Mas os detalhes e o toque final são de Mosca, que cobra US$ 1,5 mil por peça.
Além da oficina, sua loja tem um amplo espaço, repleto de capacetes, alguns carros de corrida e um escritório, na parte superior. Ao chegar no topo da escada, as portas se abrem e revelam paredes repletas de quadros e fotos. Entre as imagens, está a de um Sid Mosca com cabelos compridos e castanhos e pinta de mafioso italiano, ao lado de Nelson Piquet. “Ele era fantástico! Fazia conta de tudo para chegar na melhor relação peso-potência. Corria só de cuecas, por baixo do macacão, e chegou a me pedir para substituir uma borracha por uma pintura no visor do capacete. Tudo para ficar mais leve”, recorda.
MEMÓRIA VIVA
Outras boas lembranças são de Ayrton Senna. Foi Mosca quem criou o capacete imortalizado pelo brasileiro. “Fiz o projeto em 30 minutos. Ele queria levar as cores do país na cabeça. Como detesto verde com amarelo, procurei outra saída. Já que a Ferrari é identificada pelo vermelho, uma cor quente, esportiva, achei que uma boa solução seria apostar na cor quente da nossa bandeira, o amarelo”, conta. Senna aprovou e só mudou o estilo do capacete quando o próprio Mosca achou outro amarelo, fluorescente, que deu ainda mais destaque ao piloto quando ele corria na Lotus.
O capacete amarelo, com as faixas azul e verde e os filetes brancos, virou referência no automobilismo. Lewis Hamilton se inspirou nele para criar o seu. Antes, o inglês Mark Donnelly, também amante do futebol nacional, quis um capacete amarelo e verde. Mas na hora da pintura o artesão contratado errou o tom e a peça ficou laranja.
Ao ver suas ideias correrem o mundo, desenhando a identidade de tantos pilotos, Sid Mosca se emociona. “Imagina, um piloto vence uma corrida, é campeão, levanta a bandeira do nosso país e eu faço parte disso tudo? Estou com ele, na pintura do capacete! É demais! Sou plenamente realizado, completo, pelo que faço.” Ninguém duvida.
O destino, porém, cruzou seu caminho. Ou melhor, a rua. Vizinhos da loja estavam os preparadores dos bólidos do piloto Ingo Hoffman, que, certo dia, pediram para Sid Mosca pintar um capacete. “Não queria, mas aceitei. Supondo que o serviço custasse R$ 50, cobrei uns R$ 400. Queria que eles saíssem falando mal de mim e não voltassem mais”, lembra. No dia seguinte à retirada do capacete, “eles” não só voltaram, como trouxeram um amigo. Sid nunca mais parou de “fazer a cabeça dos pilotos”. “Surgiu muito trabalho, e bem pago, eu não podia negar...”
A essa altura, já era início dos anos 70. “Naquela época, os pilotos eram deuses. E, de repente, veio o Wilsinho Fittipaldi bater na minha porta e pedir para eu pintar o Copersucar. Em seguida, foi a vez do Emerson, que trouxe seu capacete. Ele queria mostrar ao mundo que havia bons designers no Brasil”, conta Mosca. O artista achava o azul do capacete muito escuro, e pediu para mudá-lo. Emerson relutou, mas concordou. A escolha foi minuciosa. Sid Mosca optou por um azul-marinho levemente mais claro, metálico, que foi aplicado com efeito dégradé. Deixou o capacete pronto e esperou que Emerson fosse buscá-lo. No lugar dele, apareceu um motorista.
Ansioso, Mosca foi ao autódromo descobrir se tinha agradado. Encontrou Emerson Fittipaldi em meio aos jornalistas. Quando o viu, o piloto interrompeu as entrevistas, foi ao encontro de Mosca e o abraçou, dizendo: “Só não te beijo porque você é homem!”. “Naquele momento, as cortinas se abriram e entrou luz na minha vida”, fala Mosca. A frase soaria pronta e ensaiada, não tivesse saído tão naturalmente quanto as lágrimas que correram por trás das lentes dos óculos do artista.
Emerson adotou a pintura em definitivo e sugeriu: “Põe seu nome, aí, e diz que é do Brasil”. O pedido foi uma ordem, e assim surgiu a grafia “painted by Sid – Brasil”. Supersticioso confesso, Mosca a colocou no lado esquerdo do capacete, “o lado da amizade, do coração”. Para os pilotos campeões, faz até hoje um agrado: uma estrela abre e outra fecha a assinatura.
Sid Mosca mantém seu negócio na zona sul de São Paulo e só atende competidores do automobilismo. Tem em suas mãos a responsabilidade de criar a peça que identificará o piloto por toda sua trajetória. Por isso, antes de propor um desenho, conversa bastante com o “cliente”, ouve suas sugestões e faz um raio X de sua personalidade. Entre o desenho e a conclusão, o projeto toma até 20 dias, tempo que varia de acordo com a complexidade do desenho e as cores usadas. Oito pessoas trabalham na produção dos capacetes. Mas os detalhes e o toque final são de Mosca, que cobra US$ 1,5 mil por peça.
Além da oficina, sua loja tem um amplo espaço, repleto de capacetes, alguns carros de corrida e um escritório, na parte superior. Ao chegar no topo da escada, as portas se abrem e revelam paredes repletas de quadros e fotos. Entre as imagens, está a de um Sid Mosca com cabelos compridos e castanhos e pinta de mafioso italiano, ao lado de Nelson Piquet. “Ele era fantástico! Fazia conta de tudo para chegar na melhor relação peso-potência. Corria só de cuecas, por baixo do macacão, e chegou a me pedir para substituir uma borracha por uma pintura no visor do capacete. Tudo para ficar mais leve”, recorda.
MEMÓRIA VIVA
Outras boas lembranças são de Ayrton Senna. Foi Mosca quem criou o capacete imortalizado pelo brasileiro. “Fiz o projeto em 30 minutos. Ele queria levar as cores do país na cabeça. Como detesto verde com amarelo, procurei outra saída. Já que a Ferrari é identificada pelo vermelho, uma cor quente, esportiva, achei que uma boa solução seria apostar na cor quente da nossa bandeira, o amarelo”, conta. Senna aprovou e só mudou o estilo do capacete quando o próprio Mosca achou outro amarelo, fluorescente, que deu ainda mais destaque ao piloto quando ele corria na Lotus.
O capacete amarelo, com as faixas azul e verde e os filetes brancos, virou referência no automobilismo. Lewis Hamilton se inspirou nele para criar o seu. Antes, o inglês Mark Donnelly, também amante do futebol nacional, quis um capacete amarelo e verde. Mas na hora da pintura o artesão contratado errou o tom e a peça ficou laranja.
Ao ver suas ideias correrem o mundo, desenhando a identidade de tantos pilotos, Sid Mosca se emociona. “Imagina, um piloto vence uma corrida, é campeão, levanta a bandeira do nosso país e eu faço parte disso tudo? Estou com ele, na pintura do capacete! É demais! Sou plenamente realizado, completo, pelo que faço.” Ninguém duvida.
Fonte: Revista Auto Esporte
Disponível no(a): http://revistaautoesporte.globo.com/
Repostado por: Ícaro Nunes, Editor Júnior.
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