24 de abr. de 2011

Suspensão a ar - amor, ódio e consciência


Sei que posso estar à beira do abismo com o corpo carregado de demônios apenas esperando o exorcista chegar para mandar minhas tormentas para o quinto dos infernos (em resumo: vocês podem querer me matar!) mas…

Após a postagem do polêmico VW Passat TS equipado com suspensão a ar, houve cometários de todos os tipos, alguns com parcimônia, outros com revolta, e em alguns deles a ignorância de falarem sobre algo que, no Brasil, foi completamente desvirtuado: a suspensão a ar.
História
Ao contrário do que se imagina, a suspensão a ar não é algo recente surgido na febre do tuning. Umas das primeiras utilizações do conjunto de suspensão a ar em automóveis data de 1925, quando o francês George Messier resolveu colocar seus veículos MS-31 nas ruas equipados com um sistema de amortecimento por distribuição de cargas e ângulo de inclinação. O sistema não contava com nenhuma intervenção, não permitia regulagens, e apresentava um cilindro preso ao chassi e um pistão preso ao eixo de suspensão. A equalização era feita por furos na cabeça dos pistões que permitiam ao ar fluir do reservatório para os pistões. Este reservatório era abastecido por um compressor de ar.
Os MS-31 foram produzidos até 1931, e serviu de base para o revolucionário modelo hidropneumático da Citröen.

A invenção deu tão certo que em 1928, em parceria com René Lucien, foi fundada a Société Française de Matériel d’Aviation  (SFMA) e a empresa passou a empregar o invento na indústria aeronáutica. Os aviões recebiam a aplicação em seus trens de pouso e se mostraram mais eficientes que as molas anteriormente empregadas. Ao ingressar na industria aeronáutica, Messier colocou em prática a construção de um avião que receberia todas as suas inveções e inovações. Ele faleceu em 23 de Janeiro de 1933 após um acidente de equitação e não pôde presenciar o vôo-teste de seu primeiro avião, que ocorreu em 1934 e que inovou também com o uso do trem de pouso retrátil, mais aerodinâmico.
Na década de 40 algumas equipes da NASCAR instalaram em seus veículos bolsas de ar para compensar a tendência natural de seus carros serem “cuspidos” para fora de autódromos ovais. Em conjunto com as molas, as bolsas de ar compensavam a inclinação das pistas quando o veículo entrava na curva em alta velocidade, transferindo a pressão sofrida apenas por um lado para o outro.

Posteriormente a indústria automotiva percebeu que a invenção poderia ser aplicada de maneira auxiliar. Assim, na década de 50, algumas montadoras passaram a oferecer o sistema de bolsas infláveis como opcional para alguns veículos com o intuito de ajustar a altura do veículo e nivelar a traseira quando carregado. Posteriormente a aplicação estendeu-se às picapes (onde obteve maior sucesso por conta da capacidade de carga), trailers e motohomes.

Ao longo do tempo, algumas empresas especializaram-se no desenvolvimento de conjuntos específicos para carros, picapes, caminhões e até motocicletas. Atualmente algumas montadoras adotam o sistema em seus veículos para garantir aos ocupantes maior conforto e ao veículo, maior estabilidade. Maybach, Rolls Royce, Bentley, Mercedes, Subaru, Lincoln… todas elas utilizam suspensões a ar em seus automóveis mais completos, oferecendo aos ocupantes e principalmente ao motorista, um rodar mais confortável e seguro. Ao contrário do que se pensa, a suspensão dos automoveis Citröen não é a ar, mas hidropneumática. Assunto para outra postagem.
O Sistema
O conjunto de suspensão a ar é composto basicamente de bolsas de borracha (algumas empresas utilizam liga de poliuretano) que substituem ou são incorporadas às molas, mangueiras para a condução do ar às bolsas, solenóides para a regulagem da quantidade de ar, cilindro de armazenamento de ar comprimido e, opcionalmente, um compressor de ar. Em alguns sistemas mais completos é admitida ainda uma câmara de expansão do ar, que tem por finalidade a equalização do ar em cada bolsa, tornando-0 mais macio e confortável. O monitoramento da pressão no sistema pode ser feito por manômetros específicos para a suspensão a ar ou, em conjuntos mais modernos, por monitores digitais capazes de memorizar alturas e pressões específicas previamente gravadas.

Os conjuntos devem ser especificos para cada veículo, não sendo admissível nenhum intercâmbio de peças por mais semelhantes que as peças possam parecer. O peso de cada veículo, o peso por eixo, o curso da suspensão e as cargas adotadas nos amortecedores são completamente diferentes, tornando o transplante completamente arriscado.

Ao contrário do que se pensa (e comumente vemos acontecer em nossas ruas), a suspensão a ar não foi feita para ser utilizada completamente vazia e nem mesmo completamente cheia. Em ambas as situações, não há amortecimento. Com as bolsas completamente infladas a pressão interna do ar é muito alta e não permite deslocamentos em seu interior, tornando a ação de amortecimento nula. Com as bolsas vazias, ocorre o contrário. Não há ar em seu interior, o amortecedor não possui curso suficiente para trabalho e a carroceria fica apoiada sobre os batentes de suspensão.
Não existe uma “pressão indicada” para o bom funcionamento deste tipo de suspensão, pois ela é dependente do projeto desenvolvido levando-se em consideração o tamanho das bolsas, diâmetro das mangueiras, vazão dos solenóides, peso do veículo… tudo é determinante para que se encontre um ponto de equilíbrio entre a altura desejada da carroceria e conforto.
No Brasil
A utilização no aftermarket não é recente, mas somente a pouco tempo começou a ganhar força, principalmente em personalizações que visam alterar a altura de rodagem. No Brasil, inicialmente, o que se via eram sistemas projetados para veículos de grande porte sendo erroneamente adaptados para veículos de passeio em conjunto com mão de obra desqualificada, resultando em projetos mal-executados, bolsas rompidas, mangueiras vazando e um estigma que já dura muitos anos.
Bolsas de caminhões e ônibus eram adaptadas em bandejas de suspensão de veículos pequenos e estas, quando vazias, enrugavam-se e raspavam na carroceria. Com o passar do tempo e a fricção com a carroceria, pneus ou mesmo os componentes internos da própria bolsa ocasionavam rasgos, vazamentos e constantes problemas.

Hoje em dia existem kits específicos para cada tipo de veículo. Algumas empresas especializaram-se na instalação destes componentes e a indústria nacional capacitou-se para a produção de bolsas específicas para os modelos do nosso mercado. A instalação não é simples e exige conhecimento específico.
Este tipo de suspensão não é “regularizável” em nosso país, mas por conta de um descuido na redação da legislação anterior, alguns proprietários de picapes à época valeram-se de seus direitos e regularizaram seus automóveis com este sistema instalado. Como a lei não retroage para prejudicar o cidadão, algumas delas ainda circulam legalmente documentadas.
No Mundo
Alguns países já aceitam  a regularização de sistemas de suspensão a ar em veículos de passageiros, mas o sistema não pode permitir o ajuste da altura do veículo com o mesmo em movimento. Para isso são utilizados alguns sensores instalados junto aos freios de estacionamento que só permitem a regulagem da suspensão com os mesmos acionados. Lá fora não é difícil encontrar projetos envolvendo este tipo de suspensão, seja para veículos leves, pesados, extra-pesados e até mesmo hot rods.

Alguns dos principais veículos que competem em provas de time-attack, auto-x e track-days utilizam conjuntos desse tipo e conseguem bons tempos pois a cada volta podem avaliar qual a melhor pressão para a calibragem do sistema e afinar ainda mais o conjunto para cada etapa da prova. Nestes casos é comum a utilização de camber-plates para facilitar o acerto da geometria da suspensão.

O vídeo mostra a completa instalação de um kit de suspensão a ar com monitoramento digital e seu funcionamento:

Inovações
O sistema de suspensão a ar ganhou variações e aprimoramentos ao longo do tempo. Uma das inovações nacionais foi a utilização de pistões no lugar das bolsas. Neste método a grande vantagem fica por conta da ausência de expansão das borrachas que compõe as bolsas, diminuindo a rolagem lateral em curvas fechadas feitas em velocidades mais altas e reduzindo também seu custo de reparação.
Outra inovação dá-se no uso de bolsas com compostos de borrachas específicos para a utilização em suspensões. Por se tratar de um ítem constantemente solicitado para as mais diversas aplicações, algumas empresas desenvolvem materiais mistos que conferem às bolsas maciez, elasticidade e durabilidade.


A intenção desse post não é obrigar nenhum crítico a engolir a seco o sistema de suspensão a ar, mas mostrar que um sistema de qualidade, confiança e principalmente seguro pode ser instalado em qualquer carro e que boa parte do nosso (acreditem, aprendi muito escrevendo este artigo) preconceito pode ser sanado (ou mesmo amenizado) com um pouco de pesquisa e leitura.
Certo que boa parte dos que optam por este tipo de suspensão não estão pensando em vários dos beneficios aqui apresentados, mas hei, não me culpem por isso! A consciência de cada um como deve ou não utilizar o sistema não está no manual de instruções do kit.

Fonte: jalopnik
Disponível no(a):http://www.jalopnik.com.br

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