16 de fev. de 2011

A Fórmula 1 quer ser verde

Texto: Lívio Oricchio / foto: Photo-4
Pilotos, técnicos e dirigentes da FIA já tinham anunciado que haveria uma revisão conceitual da Fórmula 1 a partir de 2013. Faltava definir com o grupo de trabalho que discutiu as mudanças em detalhes do projeto. E o resultado a que chegaram os representantes da FIA, dos fabricantes de motores e chefes de equipe não deixa de ser surpreendente.


A Fórmula 1 decidiu ir contra a necessidade de conter seus custos - a ponto de ter proibido treinos durante o campeonato - em favor de se transformar na vanguarda tecnológica da sustentabilidade. Os atuais motores de 2,4 litros e arquitetura V8, limitados a 18 000 rpm, serão substituídos por unidades de 1,6 litro, quatro cilindros e com regime máximo de rotação de 12 000 rpm.
Esses motores deverão consumir impressionantemente 35% menos que os de hoje, quando a média de consumo é de 1,7 km/l. Haverá um desafiador controle da vazão de combustível, e a própria gasolina já a partir de 2012 vai possuir uma porcentagem de combustível de origem renovável maior que os atuais 5,75%. A F-1 quer fazer tudo isso e ainda manter a potência aproximada de 720 cv dos últimos anos.
Começar do zero - "A cada alteração da regra dos motores somos obrigados a investir mais que o necessário para disputar uma temporada inteira", costumava dizer Mario Theissen, ex-diretor da BMW. "Revisões conceituais exigem verbas altíssimas para a pesquisa de como melhor responder ao desafio", dizia Denis Chevrie, ex-engenheiro-chefe de motores da Renault.
O diretor-técnico da Red Bull, atual campeão do mundo, Adrian Newey, complementa: "Motor novo, com características bem distintas daquelas de que dispúnhamos, obriga a repensar o carro como um todo. Em geral, temos de esquecer a base em que trabalhávamos para seguir outras receitas técnicas. Pessoalmente, é o que mais me atrai na Fórmula 1. Mas reconheço o quanto isso exige de investimentos".
Nos últimos anos, a Fórmula 1 colocou em xeque até mesmo princípios de marketing que tiveram grande responsabilidade na sua notável evolução, como aquele que dizia: "Quem tem dinheiro vem para cá, quem não tem fica em casa". Até hoje, o importante era cortar custos das equipes, o que incluía principalmente redução de gastos com o desenvolvimento dos carros e motores. Mas a decisão da maioria de seus integrantes e dirigentes de se comprometer com a obrigação de maior aproveitamento energético, de origem limpa e menor emissão de poluentes, acaba redirecionando a categoria para aquela que também foi sua principal função durante décadas: desenvolver tecnologia que será aproveitada nos carros de série.
Motor 1.6 com 720 cv - Se já na temporada de 2011 o sistema de recuperação de energia (Kers) vai estar de volta, a partir de 2013 haverá nos monopostos mais de um sistema dessa natureza. O objetivo da FIA é fazer com que os monopostos equipados com motor de 1,6 litro desenvolvam a potência de 720 cv com a ajuda desses sistemas. Eles representarão a segunda geração dos Kers introduzidos em 2009. Vale lembrar que a entidade anunciou no dia da apresentação do pacote técnico, 10 de dezembro, em Mônaco, que os motores novos serão alimentados com combustível a alta pressão, 500 bar, equivalente a 500 kg/cm2.
O turbo está de volta à Fórmula 1. E faz todo sentido: um motor bem menor que os usados hoje, retroalimentado pela energia cinética dos gases do próprio escapamento, permite-lhe desenvolver potência bem mais elevada. E essa energia, preciosa no mundo moderno, está sendo literalmente desprezada atualmente.
A diferença para o que se fez na Fórmula 1 de 1977 a 1988, auge dos motores turbo na competição, é que não haverá restrição de pressão do ar, como se fez em parte desse período, mas limitação da vazão e da pressão de combustível injetado na câmara de combustão.
Os novos carros terão de ser um modelo de eficiência, pois com menos combustível e 12 000 giros de regime de rotação máxima eles vão ter de entregar os mesmos 720 cv de potência média desenvolvidos nos V8 de hoje, mais liberais quanto a consumo e limitados a 18 000 rpm. Mais: cada piloto vai dispor de apenas cinco motores por temporada, não oito como agora, e, a partir de 2014, de apenas quatro. Em outras palavras, os engenheiros têm de acertar o projeto de cara - e ainda vão ensinar à indústria automobilística como se produzem motores mais duráveis. Mais: os sistemas de transmissão terão também de ser mais resistentes, pois cada caixa de marchas deve agora ser utilizada em cinco GPs, não mais quatro.
"Muda, sim, a forma de pilotarmos. Diria que muda muito", disse Ayrton Senna em 1993, quando começou a pilotar a McLaren equipada com motor Ford V8 aspirado. "Sinto falta do tempo em que dispunha de uns 1000 cv e tinha de ser bem preciso no acelerador. Agora você acelera e fica esperando, esperando a potência chegar, ao menos em relação ao que fazíamos." Em 1985 e 1986, Senna pilotou a Lotus equipada com motor turbo, ainda sem restrição de pressão do ar, que na versão de classificação desenvolvia mais de 1000 cv.
Parece oportuno resgatar sua declaração para mostrar que não apenas o fôlego financeiro e a capacidade técnica das equipes e fabricantes de motores estarão ainda mais em jogo, a partir de 2013, mas também os próprios pilotos. As solicitações da pilotagem serão distintas. Vale lembrar que a volta do motor turbo encontrará a Fórmula 1 sem o controle de tração, proibido pelo regulamento desde a temporada de 2008.
A linha básica de como será a Fórmula 1 a partir de 2013 é agora conhecida, embora haja ainda alguns pontos a serem definidos entre a FIA e as equipes. Mas, para o ano que vem, a última reunião do Conselho Mundial homologou o que mais ou menos já se esperava. A alteração mais polêmica foi o banimento do artigo que falava de ordens de equipe. A FIA deixou claro, no entanto, que decisões que contrariem o interesse do esporte serão punidas.
Mas uma eventual troca de posições entre os pilotos do mesmo time, pelo que a decisão do Conselho deu a entender, não será considerada ilegal. Assim, manobras como a de Felipe Massa, no GP da Alemanha - dar passagem para Fernando Alonso ultrapassá-lo a pedido da equipe -, não deverão mais ser julgadas pela FIA, como ocorreu. Com certeza deverá gerar, em algumas situações, indignação em parte da torcida.
Fórmula original - Agora, conduções como a de Lewis Hamilton, da McLaren, no GP da Malásia, em que fez ziguezague para se defender do ataque de Vitaly Petrov, da Renault, não mais serão aceitas. Como já não eram. O anúncio quer dizer que os comissários serão mais rigorosos com o comportamento dos pilotos na pista.
Com tudo isso, a Fórmula 1 trabalha há bom tempo já visando não apenas a abertura do campeonato de 2011 - dia 13 de março, no circuito de Sakhir, em Bahrein, e a temporada mais longa da história, 20 etapas -, mas principalmente seu futuro, muito diferente do atual. E mais parecido com o de sua origem. Assim, é bem provável que o conhecimento adquirido com o maior enfoque à sustentabilidade não demore a ser transferido aos carros de série.

Fonte: quatrorodas
Disponível no(a):http://quatrorodas.abril.com.br

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