12 de dez. de 2013

Talento em extinção

Toni Bianco mantém a tradição de produzir automóveis de maneira artesanal
e Fotos: Luiz Guedes Jr.

 Bianco produzindo seu esportivo cupê

Em uma garagem na capital paulista, Toni Bianco mantém a tradição dos antigos carrozziere de produzir automóveis de maneira artesanal, totalmente indiferente aos modernos métodos de produção em massa

Já imaginou ir a uma concessionária, encomendar um automóvel sob medida, para então ir buscá-lo apenas meses mais tarde?
Pois era assim que funcionava esse mercado até 1909, quando Henry Ford revolucionou o mundo ao inaugurar a primeira linha de montagem em larga escala. Antes disso, os carros eram produtos artesanais destinados a poucos e abonados bolsos, feitos manualmente por verdadeiros “alfaiates da lataria” – conhecidos pelo termo italiano carrozziere, já que boa parte desses profissionais construía carroças puxadas por cavalos antes de migrar para os veículos automotores.
Passado mais de um século, encontramos no Brasil o que talvez seja o último autêntico carrozziere do mundo. Numa garagem ao fundo de uma casa no bairro de Perdizes, na capital paulista, Ottorino Bianco espreme-se entre tubos de aço, ferramentas e chapas de alumínio, às quais dá formas na base da marretada, criando o design da carroceria de seu mais recente projeto. “Um moderno esportivo cupê, de apenas dois lugares, empurrado pela mesma mecânica do Ford Fusion, com um motor de 2,5 litros e 170 cavalos de potência”, explica Toni Bianco, como é mais conhecido esse simpático senhor de 82 anos.
Imigrante italiano, Bianco desembarcou no Brasil aos 20 anos de idade. Trabalhou em um banco e em oficinas mecânicas antes de descobrir seu talento para projetar e construir artesanalmente automóveis – numa época em que a atividade de carrozziere já estava praticamente extinta. “Ninguém me ensinou. Aprendi sozinho”, afirma Toni, numa humildade incompatível ao seu talento e vasto portfólio de sucesso. 
 
A versatilidade do Fúria permitia que ele recebesse diversas motorizações, sendo um sucesso que acabou tendo uma versão urbana
Entre suas principais criações, estão protótipos de corrida como o Bino Mark II, da saudosa Equipe Willys, e o vitorioso Fúria, além de carros de rua, como o notável Bianco GT, que chamou a atenção até mesmo no mercado dos EUA pela beleza de suas linhas aerodinâmicas.

Fúria GT

 

 Sua importância foi reconhecida pelo governo italiano, que lhe concedeu o pomposo título de Cavaliere da Ordine della Stella della Solitarietá.
 
Sem lucroIndiferente aos métodos convencionais, Toni não projeta detalhadamente, tampouco desenha seus modelos antes de iniciar a construção. Seu cérebro parece funcionar em três dimensões: “Crio na minha cabeça”, revela o artista, que elabora uma miniatura feita de arame soldado, mesmo material usado na sequência para criar a maquete em tamanho natural. “Depois é só ir montando a mecânica e ‘vestindo’ a carroceria com as peças moldadas em alumínio”, resume Toni.

... e a consagração veio com o recebimento do maior prêmio oferecido naquela época: o cobiçadíssimo Prêmio Victor, no mesmo ano.
A van familiar Futura era um carro adiante das concorrentes aqui no Brasil. Mesmo sendo mais cara, teve uma boa aceitação. 

Na década de 80, fugindo da linha dos esportivos, Toni criou a Van Futura, um projeto eficiente, moderno e acessível. Baseado na estrutura da Renault Space, mas com a mecânica da Belina, a perua da Ford. Um detalhe do projeto que foi uma das mágicas soluções criadas por ele foi a caixa de direção: feita numa madrugada na garagem de casa. 

Com capacidade para 7 pessoas, era um sucesso e não custava barato: o preço era de cerca de 30 mil dólares por unidade, mas as 15 unidades que eram produzidas por mês eram vendidas rapidamente. Foram 159 até o primeiro plano econômico do governo Collor, em 1989, inviabilizar a operação. O Collor chamava os carros produzidos no Brasil de carroças. 

Diferentemente de seus trabalhos anteriores, o atual cupê é encarado pelo artista como um projeto pessoal. “Estou fazendo esse carro para ocupar a cabeça. Não penso em vendê-lo. Faço por amor, sem visar lucro”, revela o artesão, deixando clara a diferença entre sua atividade e a da escala industrial.


O artista que é artista, nunca perde ou abandona sua ar
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