Já virou clichê dizer que o automobilismo dos velhos tempos era muito mais emocionante, perigoso e romântico que o atual. Mas como dizem por aí, se clichês não tivessem uma ponta de verdade, eles não se tornariam clichês. Estes incríveis monopostos movidos a turbina usados pela Lotus final da década de 60, mostram essa ponta de verdade na comparação com o automobilismo moderno.
Vamos primeiro lembrar da ousadia daqueles tempos. Colin Chapman era “o” cara. Tinha ideias, colocava elas em prática, ganhava corridas e influenciava o resto do grid. E fazia isso tanto na Fórmula 1 europeia quanto em Indianápolis. O Lotus 38 venceu no oval em 1965 com Jim Clark ao volante, mas Chapman seria assombrado em 1967 pelo protótipo movido por uma turbina Pratt &Whitney pilotado pela lenda americana Parnelli Jones, que só não ganhou a corrida com sobras porque uma peça da transmissão quebrou faltando três voltas para o final (veja esse documentário sensacional sobre o episódio).
Antes que você imagine um carro movido a jato, vale explicar: a turbina a gás para uso automobilístico é semelhante às utilizadas em helicópteros e aviões de pequeno porte. Ela movimenta engrenagens ligadas às rodas. São compactas e muito potentes, mas possuem lacunas de torque em amplas faixas de rotação.
Na hora de fazer seu próprio carro turbina, Chapman aumentou ainda mais o grau de inovação do Lotus 56 ao definir que seria preciso um sistema de tração nas quatro rodas para despejar 500 cv no asfalto. O formato era o de uma cunha, antecipando o perfil eternizado pelo Lotus 72. Veja Jim Clark aí embaixo, meses antes da edição de 1968 das 500 Milhas de Indianápolis.
Infelizmente, Clark morreu correndo de F2 pouco antes dos treinos de classificação. Na corrida, o 56 chegou a liderar, mas quebrou o motor. Depois que as turbinas foram banidas do regulamento da Indy, Chapman e o projetista Maurice Philipe esperaram a Pratt & Whitney disponibilizar um propulsor em acordo com o regulamento da Fórmula 1. Isso ocorreu em 1971, quando o Lotus 56B chegou às mãos de Emerson Fittipaldi e Dave Walker para a disputa da temporada.
A turbina produzia cerca de 600 cv em uma época em que os motores a pistão geravam uns 450 cv — caso do clássico Cosworth DFV. Era compacta e não necessitava de radiadores, mas demandava grandes depósitos laterais de querosene e um bocal de escape logo atrás da cabeça do piloto.
A exemplo do seu antecessor, o Lotus 56B não possuía freio-motor. Na hora de parar, ele confiava em freios convencionais do tipo inboard — que são montados no chassi, em vez de na ponta dos eixos. Como o conjunto motriz também não possuía marchas, o piloto poderia acelerar com o pé direito e frear com o esquerdo — hábito que só iria se popularizar na geração atual de pilotos, criada à base de câmbio sequêncial.
O carro era muito rápido em retas, mas deficiente nas curvas, frágil e pouco confiável. Apesar do sucesso em Indianápolis, na Fórmula 1 ele disputou apenas três corridas e terminou somente uma: em Monza, Emerson Fittipaldi chegou em oitavo lugar, após largar em 18º. Desapontado, Chapman abriu mão do uso de turbinas e da tração nas quatro rodas, e investiu tudo em seu próximo bólido, o Lotus 72 — modelo que causaria mais uma revolução no automobilismo, e que seria campeão nas mãos do mesmo Emerson, em 1972.
Este é o painel do 56B pilotado pelo brasileiro em 1971. O exemplar marcou presença no último Goodwood Festival of Speed, no final de semana passado. Tacômetros com indicador de porcentagem = 100 % de audácia.
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