17 de set. de 2013

Um Dodge Challenger, um baixo Rickenbacker e as montanhas de Los Angeles

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Quais trapos, gargalhadas e cicatrizes fazem você ser o que é hoje? Antes de trabalhar como jornalista, fui fotógrafo. Antes disso, era assistente de fotografia e tratador de imagens. Muito antes disso, fui músico profissional.
 E desde sempre, vivo a cultura dos muscle cars. Este é o relato pessoal da viagem sinérgica que juntou tudo o que sou e o que já fui em uma experiência épica. Prepare-se para ver muitas fotos. Abra uma gelada neste fim de tarde, recline o encosto e pegue uma carona nesta pequena road trip.

Tudo começou no fim de agosto, com o evento da Nissan na paradisíaca região de Newport Beach, que permitiu que eu conhecesse os carros mais nervosos deles e que me deu a base e as informações para explicar alguns dos segredos do desempenho monstruoso do Nissan GT-R. De lá, parti em direção à Los Angeles para buscar o Dodge Challenger que a Chrysler havia reservado para mim – meu único pedido era que fosse um Hemi com câmbio manual de seis marchas.
Mas eis que topo com isso aí embaixo na garagem. Qual seria a sua reação ao tomar este murro cromático no meio das córneas?
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Como alguns sabem, é exatamente esta cor – Plum Crazy Purple – que estará na carroceria do meu Dodge Dart daqui a alguns meses. Ela voltou ao catálogo do Dodge Challenger neste ano, junto com a Hemi Orange – ambas exclusivas para os modelos com motor V8. Como disse na introdução do post, esta viagem serviu para costurar os trapos e bagulhos que me fazem e fechar um círculo completo. Mais que conspiração do destino, interpretei o detalhe da cor como uma coroação para o rito de passagem.

Escolhas são o que fazem você

“Juliano! (…) Juliano!!! Estamos procurando o nosso baixista desaparecido, vocês viram ele por aí?” – anunciava perto da meia-noite no microfone de palco meu amigo e guitarrista Arthur Abrami. Estamos em uma infernal madrugada de verão no começo dos anos 2000, em um dos bares de rock mais famosos de São Paulo, o Manifesto. Naquela noite em específico, não estava com o meu baixo Rickenbacker 4001 de 1974 na cor Fireglo, número de série NA003 – idêntico a este aí embaixo, mas mais gasto pelo tempo. Em shows ao vivo, preferia usar um baixo bem mais simples da Cort, emprestado do outro guitarrista, Deny Watanabe – um figuraça.
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O Pandora foi a banda mais divertida que tive na vida. Antes disso, toquei em um cover de Rush, antes daquilo, de Metallica, no meio disso tudo, um monte de coisas, como o ensaio com o Symbols. Depois viriam outros projetos, com direito a uma banda de pop com uma das finalistas do Rouge, Dani Mariuzzo.
Na época, o Manifesto não era tão almofadinha como hoje. O palco era pequeno. Fazia muito calor. E eu precisava beber. Na verdade, já estava bebendo há um bom tempo – e quem me conhece sabe que eu tenho dois defeitos: sou desmemoriado e meio surdo. E ali, no segundo andar do bar, tinha esquecido que iria tocar em instantes. E não estava ouvindo os chamados do guitarrista no palco.
Subi no palco sob vaias pelo atraso, demos risada, tocamos um punhado de covers de hard rock – Harem Scarem, Tyketto, Pink Cream 69, etc -, bebemos um monte, cheguei em casa de manhã. E assim foi por uns bons anos. Na verdade, não tivesse fracassado o projeto de banda de pop que veio depois – algo seriamente comercial -, talvez teria sido assim até hoje, trocando a noite pelo dia. E eu não estaria escrevendo sobre carros, apesar de vivê-los desde e para sempre.
Escolhas. Esta é a única razão pelo qual escrevi os parágrafos acima. Pelas escolhas, acabei vivendo duas ou três vidas antes de estar aqui na frente deste laptop com o adesivo da Holley Carburetors e escrever para estes 1,2 milhão de malucos que nos acompanham todo mês. Como vocês verão, o baixo tem tudo a ver com o protagonista desta matéria.

Os contrastes de Los Angeles

Berlim está para a Alemanha como Los Angeles (e quase toda a Califórnia) está para os EUA: não há muito em comum entre estas enérgicas e modernas cidades e seus respectivos países. Pela proximidade com o México e a costa com o Pacífico, LA é um fervoroso caldeirão de diferentes culturas – há dezenas de distritos étnicos espalhados por toda a cidade: Koreatown, Chinatown, Filipinotown, Little Armenia, Teerangeles, Thai Town, etc. E mesmo dentro do que os americanos consideram como parte deles, há um grau de diversidade impressionante: Venice Beach não tem nada a ver com a zona portuária, muito menos com Hollywood, Beverly Hills ou a região de Santa Monica. E em quase todos os lugares há artistas anônimos: fotógrafos, pintores, músicos.
É quase como se você tacasse Curitiba, São Paulo, Florianópolis e Rio de Janeiro num enorme liquidificador cultural – e, bem, temperasse com um pouco mais de grana e infraestrutura. Mas há uma diferença importante: segregação. Lá, não tem muito essa de mexicanos andando com negros, americanos e orientais. É cada um na sua, com uma ligeiramente tensa convivência pacífica.
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Los Angeles é uma prova orgânica de que os carros são um reflexo direto da cultura da sociedade – por isso, ali temos uma das maiores saladas automotivas que eu já vi na vida. E isso é maravilhoso. A todo instante você topa com ao menos um destes tipos de carro: low riders, híbridos e elétricos a rodo, jipes com teto de lona, muscle cars modernos (muitos conversíveis) e antigos, clássicos europeus de todo tipo e em todo estado de conservação, superesportivos e tunados, muitos tunados. Fim de semana? Que nada, plena segura-feira. É bacana ver esta convivência relativamente harmônica de perfis antagônicos.
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E quando a madrugada cai, é como se uma chave-geral na cidade fosse virada – especialmente nos bairros industriais afastados e nas zonas mais desertas do norte da cidade, como a Riverside Drive e a San Fernando Road.
Nestes lugares, começam a aparecer carros que eu não vi durante o dia, como um Camaro boca de tubarão (será 1970?) cinza fosco, com gigantescos pneus Hoosier de arrancada na traseira, um Accura NSX branco cujo espirro da válvula de alívio podia ser ouvida de San Francisco e possivelmente o Mustang GT500 (de geração atual) mais forte que eu já vi na vida, fazendo dos pneus pura fumaça a uns 170 km/h na Foothill Freeway, em Pasadena. Topei com este trio, um por vez, num intervalo de meia hora a partir das 12:50 da manhã. Estava muito óbvio o que estes caras estavam indo fazer. Sozinho na cidade e estrangeiro, decidi me contentar com os flashes que vi – até porque não haveria a menor condição de segui-los para ver onde dava. Na cena noturna de Los Angeles, os 380 cv do Challenger R/T em que eu estava não eram mais do que um petisco. Tudo é relativo. Mas eu estava feliz na minha.
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O amor de Murphy

Mas a nossa história começa no dia seguinte. Já estava com a minha câmera encomendada na Calumet, uma das lojas mais famosas dos EUA, e iria pegá-la na hora do almoço. Mas antes disso, pegaria o meu baixo Rickenbacker 4003 na Truetone Music, pintado na mesma cor Fireglo do meu antigo 4001. O novo foi construído 39 primaveras depois, em maio deste ano, na pequenina fábrica da Rickenbacker em Santa Ana (CA) – número de série 13 21724.
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O elo da história em uma frase curta: no começo dos anos 2000, vendi o antigo Rickenbacker para comprar o meu primeiro Dodge, um Charger R/T 1977 branco. Foi um momento tão difícil que lembro até ter pedido licença ao comprador para tocar minha última música nele – a YYZ, do Rush.
Escolhas. Naquele momento eu não sabia, mas já estava começando a desistir da carreira de músico. A vida de qualquer profissional que trabalha com artes no Brasil é extremamente difícil, e conciliar a faculdade com a vida boêmia estava se tornando algo cada vez menos divertido e lucrativo. E então, escolhi abrir mão de um sonho para realizar outro: deixar de apenas colecionar fotos e babar em encontros para realmente viver a cultura dos muscle cars. Ou seja: nunca tive o Dodge e o Rickenbacker ao mesmo tempo – até aquele dia em que estacionei o Challenger na frente da TrueTone e descobri finalmente como que cazzo funcionava um parquímetro. São bens materiais, mas os interpreto como instrumentos da minha liberdade, por mais cafona que soe. E o terceiro instrumento eu iria buscar na Calumet, fechando o círculo.
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Deposite uma moeda de um quarto de dólar e você ganha em torno de sete minutos. Se você está de carro, ande com muitas destas moedas. O parquímetro tem dedo-duro: se você parar e não pagar, uma luz vermelha fica piscando na parte da frente do aparelho. Daí para um guarda te multar, é um-dois: policiais brotam espontaneamente nos EUA como caiçaras surgem do nada no Guarujá

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Foto do meio: o meu Rickenbacker 4003, já em seu case de viagem, sobre o balcão. Foto acima: a TrueTone é representante da Rickenbacker – o que faz deste cantinho o sonho de consumo de todo fã de Beatles, Rush, Yes, Pink Floyd e afins…

Mas entre o planejar e o fazer, você precisa da autorização divina de Murphy. E ele quase transformou esta crônica em fumaça: quando cheguei na Calumet, após o almoço, descobri que não apenas o vendedor havia se esquecido de botar a bateria da câmera para carregar (algo que havia pedido algumas vezes) como também tinha reservado a lente errada – e não havia substituta compatível com o que eu precisava. Mais ainda: a loja que tinha o que eu precisava ficava em Santa Ana, a 80 quilômetros dali. Oitenta.
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Realmente, precisaria de muita sorte. O fã de Daft Punk escolheu bem a cor para a mensagem – outra coincidência do destino…

O problema da bateria foi relativamente simples: comprei um recarregador adaptável à fonte do console do Dodge. Mas de qualquer forma teria de ir para Santa Ana.
Só para sair de Los Angeles e cair na rodovia, foram-se quase 50 minutos. Quando caí na Freeway i5, estava decidido a quebrar a lei e a fazer o Hemi urrar forte para dobrar o relógio a meu favor – mesmo que isso significasse correr o risco de ser parado pela polícia. Mas, cinco quilômetros depois, eu fui parado por outra coisa bem pior: o congestionamento de Los Angeles. A coisa estava tão feia naquele começo de semana que até o Carpool – faixa da esquerda exclusiva para quem leva ao menos um passageiro – estava travado. Murphy gargalhou sarcasticamente.
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Sim, é um Toyota Trueno! O dono era um japa de barbicha que olhou para mim com cara de “o que você faz dentro deste Challenger?”

Eu olhava para o GPS e via o horário projetado de chegada ficando mais distante. A loja fechava às 17:30. Dado momento, o GPS estimava que, naquela velocidade média, eu chegaria às 17:35 – e estava a dezenas de quilômetros do destino, ou seja, a tendência era de piorar a cada minuto. O desespero começou a arranhar minha consciência: sem fotos decentes, não tinha matéria.
Sete ou oito quilômetros depois, surge o presente divino: o trânsito se desfez no ar como Moisés dividiu o mar – sem mais nem menos, a rota estava livre. A razão do congestionamento era um acidente na saída para um distrito (confesso que não lembro qual). O horário estimado de chegada começou a baixar junto com os meus batimentos cardíacos.
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E aí meu amigo, eu acelerei. Me desculpem os americanos, me desculpem vocês, mas eu acelerei muito. E o Hemi foi meu cúmplice: pra mim, não tem coisa mais legal que esticar um V8 até quase ao corte de giro e passar a marcha seguinte sem dó, tomando aquela pancada no encosto com o torque de 56,6 mkgf a 4.300 rpm – e o muro à esquerda rebatendo o ronco ríspido como em uma prova da Nascar. Por isso, não posso dizer que não tirei proveito da situação – contudo, não invadi o Carpool.
Cheguei à Calumet às 17:20 – havia mais um congestionamento na entrada de Santa Ana, mas por sorte, a loja ficava em um pequeno centro comercial quase colado à rodovia. Em três minutos, tudo estava resolvido. Enquanto esperava o atendente trazer a minha preciosa lente, me dei conta de que o manobrista da garagem onde o Challenger estava teve algumas dificuldades para descrevê-lo.
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Com câmera, lente e a chave do Challenger na mão, estava pronto para mandar brasa. Coloco a bateria na câmera e… o medidor de energia pisca de forma intermitente, como se tivesse nas últimas. Na verdade, ele não esteve nem nas primeiras: a primeira carga de bateria de uma câmera profissional costuma levar quase doze horas. E ela tinha sido carregada por duas. Aquela queimação de estômago que senti quando o trânsito parou na saída de Los Angeles voltou com tudo. Só deu tempo de fazer esta foto abaixo – ao menos, esta seria a última vez em que Murphy interviria na história.
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Escolhas. Comecei a minha carreira de fotógrafo por um acaso: há uns oito anos, Marco de Bari, fotógrafo da Quatro Rodas, precisava de um assistente – o cara que monta todo o equipamento, prepara a luz, limpa os carros e os dirige na hora da foto. Pouco depois de desistir da minha carreira de músico, estava beliscando alguns frilas no site da QR – quando descobri que o Bari precisava de um ajudante, fui lá correndo. E consegui a vaga, o que não só permitiu que eu dirigisse uma montanha de carros (o que me daria uma base de referência bem vasta) como também me ensinou como lidar em situações extremamente difíceis. Trabalhando com ele, já lavei dez carros sob sol de 40ºC em Limeira, montei a luz em todos eles, ajudei a selecionar as fotos, levei o cartão de memória para a redação em São Paulo e voltei para Limeira – resultando em quase 600 km de direção como bônus. No dia seguinte, estávamos fotografando às seis da manhã – ao menos, era um Audi R8 V10.
Perto destas experiências, as dificuldades que estavam aparecendo eram fichinha. Estar calejado com cenários críticos foi fundamental. E foi uma escolha que eu fiz.
Na volta para Los Angeles, peguei um trânsito de mais de duas horas. Mas não poderia sair de Santa Ana sem ao menos dar uma passadinha na fábrica da Rickenbacker – mesmo sabendo que os caras não aceitam visitantes. Falo sobre isso mais tarde.

Still of the night

Em resumo, tinha em mãos uma bomba-relógio de limão que teria de virar uma bomba da Chocolat Du Jour em pouco tempo. O relógio marcava quase dez, não tinha jantado, dormi três horas no dia anterior, era a minha última noite com o Challenger, minha última noite nos EUA e, embora tivesse vivido muita coisa legal na noite anterior, não tinha nada registrado para contar – simplesmente porque não havia câmera. E agora que tinha, sua bateria me dava um único e precioso palito – cerca de 15% de carga, com a qual teria de me virar para aprender a usá-la e já sair matando os cliques.
Neste momento, fiz uma escolha. Precisava mostrar o carro para vocês – afinal, o Jalopnik é um site de cultura automotiva. O custo disso foi não ter registrado nada da cidade, das pessoas ou das ruas, e digo que isso era tão ou mais especial que o Challenger. Mas havia uma razão especial: Los Angeles é um dos melhores lugares para quem gosta de dirigir em estradas montanhosas. Já chegaremos lá. Antes, um pequeno registro feito entre as 22:30 e 01:30.
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Esta é uma foto curiosa. Temos um local para estacionar bikes, um muscle car, um SUV no fundo e um ônibus – cuja frequência do letreiro de LEDs marcou o disparo longo da câmera como uma trama de Matrix. Em Los Angeles, com exceção da região litorânea e de alguns pontos do centro, não se vê pessoas circulando a pé – o que explica porque fui abordado por uma viatura de passagem. Na hora, pensei “ferrou, encontraram o cara do Challenger acelerando na i5!”.
Mas o resultado é que ficamos uns dez minutos falando sobre Detroit, muscle cars e sobre o que os pais de um dos oficiais fazia na fábrica de motores da Ford em Windsor – no meio da rua, no meio da madrugada. O outro policial era fã de Yes e ficou enlouquecido com o Rickenbacker que estava no porta-malas – apesar da típica desconfiança norte-americana na hora em que abri o compartimento. Mesmo com os contratempos, a conspiração a favor continuava imperando…
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Duas da manhã. Ligeiramente entorpecido pelo cansaço e pelo espírito de Carpe Diem – afinal, estava em Los Angeles com um Dodge Challenger -, decidi desligar o GPS e guiar de forma aleatória pela cidade. Como nos velhos tempos. Como quando você tira a carta de motorista e faz de tudo um pretexto para dirigir por aí – bem, não sei se isso representa mais a geração de hoje. Mas representa a minha.
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Dado momento, me senti em um filme B de Van Damme. Letreiros em japonês, depois em chinês, depois em coreano. Estava passando pelos distritos orientais de Los Angeles! Quando estava quase desistindo de fome para encostar em qualquer Seven-Eleven da vida, topei com um micro restaurante coreano em Koreatown (no mapa acima, destacado em amarelo) especializado em frango frito. Dentro, o único cliente era um idoso policial, quase uma versão oriental do carteiro Jaiminho. Pedi uma porção agridoce apimentada e sem ossos. Como a fome é o melhor dos temperos, este foi um dos frangos mais deliciosos da história. Mas estava bom de verdade.
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Eu já sabia onde faria as fotos da manhã seguinte. Na noite anterior, após topar com os street racers de Los Angeles, dirigi de madrugada nas três principais regiões para quem gosta de dobrar os ombros dos pneus e é chegado em algo com um leve tempero de Touge. A famosa Mulholand Drive (considerada uma das estradas mais perigosas dos EUA), as montanhas ao norte de Los Angeles e os belíssimos desfiladeiros de Santa Monica e Malibu. Pense sobre isso: não seria sensacional se a sua cidade, além de ter umas praias bacanas, fosse toda cercada por estradas de montanha com asfalto perfeito?
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Qualquer uma das três é garantia de diversão. Contudo, vale a pena ficar atento com a Mulholand Drive, porque há um fluxo razoavelmente grande de carros (muitos de turistas), motociclistas com sangue nos olhos e algumas viaturas policiais. A vista é maravilhosa, especialmente à noite – diria até que vale mais a pena dirigir com calma, curtindo a paisagem da cidade iluminada. Já a Los Angeles Crest Highway é composta de mais de 100 km de estrada sinuosa – de madrugada, você topa com um ou outro carro nervoso se divertindo por ali. A diversão é tão garantida que boa parte dos eventos automotivos feitos em LA incluem um test drive nesta rota.

Já as montanhas de Santa Monica e Malibu são um pequeno tesouro escondido. Você segue pela estrada East Pacific Coast até a saída para o Malibu Canyon Road – e, de lá, você monta praticamente a rota que quiser, pois há umas sete ou oito estradas de montanha que formam uma malha insanamente divertida e vazia de madrugada. A pista é mais apertada e sinuosa que as montanhas do norte de LA, o que faz desta região algo mais propício a hot hatches. Mas nós gostamos de desafiar a física.
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O Dodge Challenger desafia as montanhas

As seis da manhã eu já tinha rodado quase 30 km e estava na entrada da Canyon Road de Malibu. Acumulei o sono de duas noites, mas foi por uma boa causa. Veja este mapa e discorde de mim.
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…mas o mais bacana mesmo é ver em três dimensões. Preste atenção: aquilo sinuoso lá embaixo não é um rio. É tudo de asfalto liso.
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Isso explica o meu bom humor mesmo dormindo três horas por duas noites. Uma das coisas mais sensacionais do Challenger é que ele não é uma caricatura do modelo original: muito da experiência a bordo do Dodge remete sensorialmente ao antigo. A posição da alavanca de câmbio, o clique mecânico da transmissão Tremec TR-6060 de seis marchas (similar à T56 Magnum que vou usar no Dart Games), a posição de dirigir, tudo é muito parecido. E, claro, a resposta torcuda, seca e sonora do V8 Hemi de 5,7 litros. Ele pode não ser estúpido como o antigo 426 Hemi (para isso existe o modelo SRT392), mas o diferencial curto da versão R/T Classic (3,92:1) garante 5,6 s no 0 a 96 km/h.
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Eu nem me incomodo tanto com a monotonia de plástico preto de mesma textura na carcaça do painel – muscle cars sempre foram meio secos neste sentido, e uma cabine muito refinada tiraria algo da rusticidade que adiciona à experiência. Mas a Chrysler pisou na bola com este volante, igual ao de qualquer carro do grupo: não dá pra ter a mesma direção de um Dodge Journey em um muscle. Ao contrário do Challenger, o Rickenbacker é exatamente o mesmo nos últimos 52 anos: corpo e braço inteiriço de maple (sim, aquela madeira que fornece uma deliciosa calda para panquecas – super densa, ela tem sonoridade cristalina), escala de rosewood africano, contorno no corpo e no braço, e um timbre único entre os contrabaixos elétricos. Se você conhece Rush, Yes, Pink Floyd, Death From Above 1979, Motorhead ou Transatlantic, conhece o seu timbre.
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O Rickenbacker e o Challenger possuem algumas coisas em comum: dentro de seus meios, eles fornecem experiências únicas, mas possuem algumas excentricidades. O Ric 4003 é o clássico instrumento de mão pesada, ou seja, não é muito balanceado: quando você tira a mão esquerda da escala, o braço (que, apesar de parecer fino, possui uma bela curvatura atrás – mais ou menos como a guitarra Gibson Les Paul) desce e fica todo horizontal. Ergonomicamente, os instrumentos da Fender são mais como os carros alemães.
O Challenger tem o lado sensorial intenso dos clássicos muscles, mas também tem um ou outro vício deles: o câmbio, apesar de preciso, leva um tempo para se acostumar. A embreagem possui curso bastante longo e acopla com muita força – para trocar uma marcha sem judiar do conjunto, a pisada deve ser como um jab: curta e rápida. Só que para isso funcionar, você vai precisar trocar as marchas como homem. O trambulador é curto – dá pra fazer num movimento de pulso – mas não espere a moleza que você tem no seu carro quatro cilindros. Precisa de torque muscular.
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O novo Challenger já não é tão novo: tem cinco anos nas costas – o que já está alimentando o burburinho de uma nova geração a caminho, equipada com um Hemi 6.2 com compressor mecânico, o Hellcat, que nem nasceu direito e já é famoso. Fala-se em números em torno de 650 cv e 80 mkgf de torque, o que o colocaria em posição de enfrentar os monstruosos Mustang GT500 e Camaro ZL1.
Este Dodge usa uma plataforma chamada LC, que é uma versão de entre-eixos curto da LX que forma os atuais Charger, Magnum e Chrysler 300. A LX é uma evolução da LH, desenvolvida em parceria com a Mercedes-Benz – o que explica a presença de alguns componentes como as bandejas superiores do Classe S (geração W220) e o diferencial e a suspensão traseira multibraços do classe E (geração W210) . Isso também explica parte do refino de acerto do conjunto: esperava um carro mais duro e de transições mais desajeitadas. Tomei um choque ao descobrir que ele pesava 1.832 kg – pela dinâmica e a forma como apoiava nas estradas de montanha, esperava algo mais próximo a 1.600 kg.
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O câmbio manual Tremec TR-6060 e seu estranho trambulador tombado para a esquerda, como nos antigos Mopar. Não faça a cagada de dispensar esta transmissão em nome do conforto da automática. Você vai perder 1/3 da experiência de um muscle car. Até o ronco fica diferente, pois as trocas manuais deixam a coisa mais seca e violenta.
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Como vocês sabem, todos os carros do grupo Chrysler com motor V8 não são importados já há alguns anos por um entrave de homologação de emissões. Alguns Chrysler 300C com motor V8 foram flagrados em testes na fábrica de Betim no início deste ano, o que nos leva a pensar que a Fiat está colaborando para acelerar este processo de homologação – quem sabe não veremos os SRT de volta ao Brasil no futuro próximo?
Se você está curioso em relação ao preço deste Challenger, anote aí: o preço básico é US$ 29.995, mas esta unidade estava com praticamente todos os opcionais possíveis – como a suspensão esportiva, rodas exclusivas, sistema multimídia com som mais caprichado da Boston Acoustics, teto solar e bancos aquecíveis -, o que eleva o seu preço para US$ 39.565.
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Escolhas e hábitos fazem o que somos. Voltar a ser fotógrafo e músico neste momento, condensar todas as histórias que já me fizeram em um único dia, me fez pensar em algumas realidades paralelas. Em Los Angeles, com um Dodge Challenger, trabalhando como fotógrafo e uma banda de rock dos anos 1970 para relaxar – quem não gostaria de viver uma vida assim? Bem, o mundo não é tão fácil.
Mas então me dei conta. Estou há anos a fio trabalhando duro para terminar o projeto de meu Dodge Dart – que está entrando na volta final. Posso montar uma banda a hora que eu quiser – e já estou trabalhando como fotógrafo neste exato post que vocês estão lendo! Nessa hora, confesso que senti vergonha por resmungar de barriga cheia. O círculo está fechado.
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Sinto algo especial quando chego em casa e vejo este baixo repousando delicadamente. Porque ele não é mais um instrumento musical: é parte de minha história. É o símbolo do reencontro com o meu passado, o souvenir com voz própria desta aventura – e que voz. E que aventura. Aproveite para pensar em todas as coisas legais que você fazia e que deixou de fazer. Por causa da faculdade. Por causa do trabalho. Por causa do casamento ou dos filhos. Porque você cresceu e ficou sério e cínico e cético. Nunca e nada é tarde ou longe demais para se reencontrar com o seu velho amigo – o você de ontem. Eu encontrei e foi o maior barato.

Os sons do Hemi e do Ric

Legal, legal, mas… e o ronco do Challenger? E o som desse baixo que você tanto falou? E a fábrica da Rickenbacker?” Pessoal, eu tentei preparar o vídeo com o ronco do Challenger para hoje, mas não deu tempo. Não esperem um épico – fiz com a GoPro, que ficou meio zureta depois da experiência cheia de poeira com o carro de Klever Kolberg, do rali dos Sertões. Mas tá divertido.
Por isso, vou juntar no mesmo vídeo o ronco do Challenger, uma pequena time-lapse de alguns momentos onboard e também vou arranhar algumas notas – com direito a um pequeno quiz para vocês acertarem as músicas! Mas não vou soltar o vídeo no site – somente em nosso canal do YouTube. É uma forma de não criar um post só para este assunto e, ao mesmo tempo, convidar vocês para assinarem o nosso novo canal. Precisamos desta força!
 
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