Quando achamos que o Jaguar F-Type (leia nossa avaliação aqui) não poderia ficar mais bonito, os caras nos surpreenderam ao exibir no Festival de Goodwood um dos conceitos mais sensacionais que já vimos: o Project 7. Por aqui, você já viu a sua apresentação e até o elegeu como o vencedor no Duelo do Dia. Agora, é hora de conhecer mais detalhes de seu nascimento com o seu próprio criador: o brasileiro César Pieri, em uma entrevista exclusiva para o Jalopnik Brasil!
Pieri, nascido em Ribeirão Preto (SP), se junta ao grupo de brasileiros que estão mandando ver nos escritórios das fabricantes americanas e europeias. A lista engorda a cada ano: temos, por exemplo, os designers irmãos Pavone, da Volkswagen, Marco Diniz, engenheiro de dinâmica veicular da SRT, que acertou o chassis do Cherokee SRT8 e participou do desenvolvimento do novo Viper, o designer Raul Pires, que projetou o Bentley Continental GT e o engenheiro Marcos Lameirão, que foi um dos grandes responsáveis pelo carro de corrida Ginetta G50.
Formado em Design de Produto pela Unesp, Pieri (acima, com Nelson Piquet e seu Brabham BT52 no Festival de Goodwood deste ano) fez cursos de extensão em Harvard e mestrado na Universidade Politécnica de Milão. Antes de chegar à Jaguar, trabalhou em diversos escritórios de design nos EUA e na Europa – com direito a uma passagem no Centro Stile da Fiat, em Turim.
Ficamos muito felizes ao saber que César não apenas é gearhead de primeira (em sua mesa há um pôster do D-Type Ecurie Ecosse, a grande inspiração do Project 7 – e veja o sketch que ele fez de uma Ferrari 275 GTB abaixo!) como ele é leitor do Jalopnik Brasil – nós recebemos um contato dele semana passada e pudemos bater um rápido papo entre seus compromissos.
O quebrador de protocolos
Quando nós vimos o Project 7 pela primeira vez, tudo rapidamente fez sentido: uma homenagem histórica no Festival de Goodwood, algo muito bem pensado e executado, não? Aí é que está. A coisa não foi exatamente arquitetada – ele nasceu de um ensaio feito por Pieri, um sketch despretensioso que foi visto acidentalmente por Ian Callum (diretor de design da Jaguar) e que cravou: aquilo precisava virar realidade. Veja como tudo aconteceu:Sobre o nascimento - ”Não fosse por uma coincidência do destino, o P7 seria para sempre um sketch feito só por prazer próprio. Ele estava na minha cabeça por alguns meses, e numa sexta-feira, após ter entregado tudo que precisava, decidi rabiscá-lo em meu tempo livre e o arquivei. Isso foi no fim de 2012. Em fevereiro deste ano, estava em mais uma das reuniões gerais de quinta-feira com os chefes de design, mostrando alguns estudos e propostas que estavam salvos em uma pasta no meu computador.
Em uma destas pastas estava arquivado o Project 7, mas sequer cheguei a abri-la. Contudo, Ian Callum (diretor de design da Jaguar) rapidamente viu o thumbnail e ficou curioso: “volta, volta, deixa eu ver o que era aquilo ali”. Pronto. Naquele momento a reunião de quinta-feira acabou e só falamos daquele sketch, para a minha alegria e para o ciúme de alguns colegas.
Ian me pediu para desenvolver a ideia e fazer alguns novos sketches e renderizações dentro de duas ou três semanas. Neste meio tempo, vendo que havia a possibilidade de o Project 7 virar realidade, já fiz um levantamento estimativo de custos de produção, de eventos, tudo pra deixar a coisa mais mastigada possível e empolgar mais a equipe.
Sobre a quebra de protocolo – “Geralmente as demandas e temas de projetos vêm dos altos escalões para serem desenvolvidos por nós, que precisamos atender aos critérios de marketing, design, tendências de mercado e necessidade dos nossos consumidores. É um grande cabo de guerra. Mas neste caso conseguimos realizar uma inversão: um produto nascido puramente do design, sem interferências externas ou qualquer outro “input” de fora do nosso estúdio. E o mais incrível foi o que a Jaguar fez para mim: os caras mostraram o meu nome. Normalmente as marcas escondem os nomes e apenas os chefes dos departamentos ficam evidenciados, mas a Jag quis me creditar pelo Project 7.
O detalhe é que eu nem sabia disso. Descobri quando alguns colegas e desconhecidos começaram a falar e a brincar comigo no Festival de Goodwood – foi quando vi o prospecto que estava circulando por lá. Foi incrível.”
Sobre a execução e a empolgação - “Da aprovação de Callum ao Festival de Goodwood, foram quatro meses verdadeiramente intensos. É pouquíssimo tempo para entregar um conceito funcional, que deve correr a velocidades acima de 300 km/h. Toda a equipe se envolveu e o processo foi incrível. Os engenheiros que trabalharam no P7 tiveram a chance de executar idéias que estavam guardadas para um momento especial como esse. Coisas que não podem ser feitas no dia a dia (veja detalhes da preparação a seguir). Foi um projeto que realmente cativou e integrou a todos na Jaguar.”
Sobre as mudanças em relação ao sketch original: “O primeiro sketch resume quase totalmente o produto final. Foram feitas pouquíssimas modificações no design original durante o desenvolvimento, mais por questões aerodinâmicas. O para-brisa era ainda mais baixo, quase um defletor. As entradas de ar do para-choque dianteiro tiveram de ser sutilmente readequadas para beneficiar o fluxo de ar – o mesmo caso do splitter e do aerofólio traseiro, que era menor e mais alto. A pedido da engenharia, também redimensionei o difusor, para afastá-lo mais das saídas de escapes, cuja temperatura é muito alta.”
Preparação: idealizado como uma versão purista e mais hardcore do F-Type, o Project 7 teve todas as assistências eletrônicas desligadas, exceto os freios ABS. Sua suspensão é 10 mm mais baixa e tem carga mais rígida de amortecedores e molas. Além disso, ele incorporou uma série de elementos aerodinâmicos de fibra de carbono: splitter dianteiro, saias laterais, difusor traseiro maior e um aerofólio fixo, ao contrário da peça móvel e menor do F-Type. Suas rodas aro 20 também são exclusivas, com pneus customizados com o clássico acabamento RWL (raised white letters).
Além da cor, o santo-antônio aerodinâmico é o traço que mais lembra o antigo D-Type (foto abaixo). Em conjunto com o capacete do próprio piloto, ele forma uma gota, o que reduz o arrasto aerodinâmico – algo importante em um carro com para-brisa rebaixado. Por sinal, a equipe de design queria um para-brisa mais baixo no próprio F-Type – mas a turma de produto estava preocupada com a visualização de semáforos nos EUA, de acordo com o chefe de design avançado Julian Thomson.
Seu motor é o mesmo V8 5.0 de alumínio do F-Type, mas o compressor foi recalibrado e os coletores de escape receberam tratamento cerâmico para render 55 cv extras em relação ao carro de produção, totalizando 550 cv. O câmbio automático de oito marchas foi reprogramado de forma mais esportiva e redimensionado para a força extra.
Sobre a porta do passageiro – “O Project 7 foi idealizado para apenas um ocupante, mas a porta continua ali porque o suporte para o capacete pode ser substituído por um banco de passageiro. A razão? Isso facilita o processo de filmagem e de fotos onboard e também vai ser importante nos próximos eventos, quando poderão ocorrer passeios com convidados – há apenas duas pessoas que podem pilotar o conceito: o chefe de engenharia Mike Cross e um outro engenheiro que trabalha com o acerto dinâmico.”
O carro favorito - “Como descendente de italianos sou suspeito para falar, mas sou um grande fã de carros italianos: Lamborghini, Maserati, Ferrari… são todos muito emotivos. Pessoalmente, gosto mais desta intensidade do que o design alemão, que é mais clínico – e acho que a Jaguar mistura um pouco do passional italiano com a técnica alemã, o que acho algo muito bacana. Um carro que eu sonharia ter? Um Lamborghini Miura (foto abaixo)… ou uma Ferrari 250. Sou louco por carros antigos.” (nota do editor: ganhou pontos na escala gearhead)
Conselhos aos futuros designers automotivos – “Uma das coisas que o Ian Callum gosta em mim é o fato de eu ter trabalhado em vários países, em vários escritórios de diferentes perfis, com vários tipos de produtos completamente diferentes. A multiculturalidade é um diferencial importante hoje em dia.
Outra coisa é que você precisa estar pronto para o ambiente. Quase sempre é insanamente competitivo. Na Fiat italiana, por exemplo, o pessoal desliga o monitor, vira o papel, tudo pra esconder as ideias dos colegas. Há muita vaidade, muita arrogância e aí é que chego em outro ponto importante: seja humilde e saiba o que está fazendo. Muitos designers recém-formados, muitos ainda sem mestrado, acham que são os fodões do pedaço porque sabem fazer um bom sketch, mas isso é o básico – até porque o Photoshop deu uma nivelada por baixo na galera.
Em nível internacional a coisa é extremamente puxada e este tipo de cara tende a ser atropelado – imagine que ao projetar uma peça há dezenas de limitações de engenharia, custo, normas europeias, americanas, chinesas, brasileiras, o prazo apertado, o seu colega concorrendo com você, tudo em uma solução com variação de milímetros! Por fim, é preciso respeitar prazos e saber interpretar as demandas: cada marca tem a sua filosofia de estilo que você precisa respeitar e saber trabalhar, ninguém quer que você reinvente a roda.”
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