20 de jun. de 2013

F-1:O melhor do julgamento foi o ataque à Ferrari


A Mercedes acusa a Ferrari de ter feito treino extra junto com o teste da Pirelli, e de ter extrapolado o limite dos 1.000 km em sessão de 2012 (AP Photo/Luca Bruno) 

A Mercedes acusa a Ferrari de ter feito treino extra junto com o teste da Pirelli, e de ter extrapolado o limite dos 1.000 km em sessão de 2012 (AP Photo/Luca Bruno)
 
O julgamento do caso Mercedes/Pirelli no tribunal Internacional da FIA, realizado nesta quinta-feira em Paris, serviu para definir muito bem quais são os pontos de vista de cada parte envolvida na ação.

De um lado, a FIA insistiu na tese de que não deu autorização nenhuma para que a Mercedes fizesse o teste de mil quilômetros com o carro de 2013 e, embora tenha ponderado que a Pirelli não chegou necessariamente a desrespeitar seu contrato, acredita que a fornecedora italiana deve ser, pelo menos, punida pela prática de uma ação prejudicial à competição.
A esquadra prateada, por sua vez, reiterou o discurso de que recebeu, sim, o aval da federação, mencionando trocas de e-mails entre do chefe, Ross Brawn, com o diretor de provas e o advogado da entidade, respectivamente Charlie Whiting e Sebastien Bernard. E, pelo que foi explicitado na oitiva, os dois realmente se posicionaram a favor da prática.
Imersa no contexto da história, mas sem saber até agora em que medida é testemunha ou ré, a Pirelli partiu para uma defesa mais incisiva: “Nós não fizemos nada de errado, ninguém está nos culpando de nada e, mesmo se tivéssemos feito, vossas mercês não têm envergadura moral para nos penalizar. Olha lá o tio Bria. Por um escândalo muito maior, vocês tentaram bani-lo desta patuscada toda, mas ele foi lá na justiça comum e mostrou uma banana a todo mundo”, foi basicamente o discurso do advogado.
Em seu discurso, o advogado da Pirelli questionou o poder legal da FIA para lhe aplicar qualquer sanção (AP Photo/Luca Bruno)
Em seu discurso, o advogado da Pirelli questionou o poder legal da FIA para lhe aplicar qualquer sanção (AP Photo/Luca Bruno)
O que se pode tirar dessa história, num primeiro momento, é que não há mocinhos ou vítimas: primeiro, fica claro que os membros da FIA estavam cientes e concordaram, sim, com o treino da Mercedes. Ok, é certo que não se pode usar uma singela troca de e-mails como documento oficial, mas se um diretor e um advogado da federação te dizem que você pode fazer algo, sendo que você não pode, é no mínimo uma falha grosseira deles. E foi essa falha que levou a equipe a cometer a sua.
Agora, tão grosseiro quanto é confiar numa autorização verbal (ou digital, se preferirem) para fazer um procedimento que continha em si tantos riscos. Se a Mercedes era cônscia da caca que esse teste podia acarretar (tanto que foi consultar o Charlie Whiting e o Sebastien Bernard), não podia cometer o erro juvenil de acreditar que uma troca de e-mails significava um “ok” oficial. Tinha que ter preenchido o formulário oficial, coletado assinaturas e rubricas em todas as páginas, lavrado em cartório (com o pagamento das devidas taxas e aguardando o prazo de cinco dias úteis, claro) e ostentado o carimbo de “Confirmo e dou fé”. Só assim estaria segura.
Tanto é verdade, que nem a própria Mercedes confia tanto assim em sua inocência. A tentativa de jogar as atenções para a Ferrari (falaremos daqui a pouco a respeito) e o discurso do advogado Paul Harris demonstram isso. No final da sessão, ele admitiu a possibilidade de a equipe ter realmente ferido o artigo 22.1 do regulamento esportivo: “Se estamos errados, aí nos desculpamos com a FIA e os outros times. Nossa intenção não era burlar o artigo 22. Agimos de boa fé. Se tiver que haver alguma sanção, que seja uma mais branda, levando isso em consideração”, comentou.
A audiência no Tribunal Internacional da FIA (AP Photo/Michel Euler, Pool)
A audiência no Tribunal Internacional da FIA (AP Photo/Michel Euler, Pool)
Minha visão particular sobre o tema é que a Mercedes buscou, sim, encontrar uma brecha no regulamento para fazer um treininho extra com o W04. Eu acredito, de veradade, quando eles dizem que não teriam consumado o ato sem o parecer de Whiting. Mas daí a achar que tudo foi feito na mais pura ingenuidade desde o princípio? Na F1? Não, não dá.
Só para ilustrar, veja como Ross Brawn, ainda nesta quinta, descreveu a situação. “Eu não vejo como [poderíamos ter nos beneficiado com os testes]. Não sabíamos quais eram os pneus, nem os detalhes do que a Pirelli estava fazendo”. Hum, é mesmo? Há alguns dias, questionado sobre o mesmo assunto, Nico Rosberg respondeu que tinha ciência de quais compostos estava usando cada vez que ia à pista. “Tínhamos que saber, para explicar como cada jogo estava funcionando na pista”. Ou seja: ainda há coisas bem mal explicadas nessa operação toda.
De qualquer forma, o erro de Whiting e Bernard também conta e, por isso, eu aplicaria uma penalidade no meio termo, nem tão mansa, nem tão severa. Uma das sugestões, partida da própria equipe, seria não participar dos testes para jovens pilotos, no mês de julho. Resta saber como o Tribunal Internacional vai interpretar os fatos, e como a FIA está disposta a se indispor com uma das mais importantes montadoras do automobilismo. Lembrando que a estrela de três pontas já não vinha sinalizando tanto ânimo para seguir na F1 nesses últimos tempos.
A Mercedes chegou a sugerir que a punição seja não participar dos testes para jovens pilotos de 2013 (AP Photo/Luca Bruno)
A Mercedes chegou a sugerir que a punição seja não participar dos testes para jovens pilotos de 2013 (AP Photo/Luca Bruno)
Mas o que fugiu das expectativas – e surgiu como uma faísca para potenciais polêmicas futuras – foram as declarações de Harris sobre a Ferrari. Dizer que a equipe italiana também teria transgredido as regras em seu teste, feito poucas semanas antes, não é algo inesperado. O que surpreende foram as novas revelações (típica reação de quem sabe que vai se ferrar e resolve jogar o estrume no ventilador): segundo o advogado da Mercedes, a equipe italiana aproveitou a presença em Barcelona e fez mais um treininho extra, por conta própria. Oras, se o carro era de 2011 e não tinha nada a ver com o atual, por que desperdiçar gasolina andando mais com aquele modelo na pista?
E, segundo Harris, a Ferrari já teria realizado outro teste antes do GP da Espanha do ano passado, na mesma pista catalã, tendo Felipe Massa como piloto. Nessa bateria, diz ele, nem o tal limite de mil quilômetros foi respeitado. São denúncias sérias, que colocam em xeque todo o esforço para controlar os testes privados e conter os custos da categoria, colocam Maranello novamente sob suspeitas de um possível favorecimento (a fabricante é tão italiana quanto, aí já viu) e, naturalmente, precisam ser averiguadas. Assim como será preciso observar qual será a postura da Ferrari em relação a isso.
Acima de tudo, o julgamento desta quinta mostra como, aqui de fora, nós realmente só conseguimos enxergar a ponta do iceberg. Se tudo o que Harris falou for verdade, sabe-se lá que outras traquinagens as grandes equipes (que têm dinheiro para tal) aprontam por debaixo dos panos e ninguém fica sabendo. Ou até fica, mas não faz nada para impedir até que a água bata em seu pescoço.
O chefe da Red Bull, Christian Horner, acompanhou a audiência de perto, ao lado do diretor esportivo da Pirelli, Paul Hembery (AP Photo/Michel Euler, Pool)
O chefe da Red Bull, Christian Horner, acompanhou a audiência de perto, ao lado do diretor esportivo da Pirelli, Paul Hembery (AP Photo/Michel Euler, Pool)

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