10 de mar. de 2013

Novo Fusca encontra o original na pista

Um passeio pelo tempo, entre duas gerações de besouros

Por Juliano Barata - Fotos: Leo Sposito 


Quem não tem uma boa história para contar sobre o Volkswagen Fusca? Quando esse nome surge, sou transportado imediatamente para três lembranças: o perfume característico do VW, que sentia toda vez que entrava no antigo Fusca 1986 do meu pai; uma capotagem monstruosa com um Fusquinha que testemunhei há 15 anos ao lado do Estádio do Pacaembu (SP); e o ronco da Kombi saia-e-blusa, vinho e branca, do seu Luís, que me levava todos os dias para o colégio.

A fragrância vinha da cola usada na tapeçaria, combinada ao envelhecimento dos revestimentos de vinil e curtida com os gases de gasolina e combustão que invadiam a cabine. A capotagem aconteceu porque a suspensão traseira do antigo Fusca não gostava de curvas radicais: com a rolagem da carroceria, o sistema de semieixos oscilava – se o seu sobrenome não for Fittipaldi ou Piquet, é provável que você veja o mundo de cabeça para baixo caso se meta a entrar forte em curvas. E a mágica do ronco se dá por uma soma de ingredientes: a configuração boxer (cilindros contrapostos) de quatro cilindros, o sistema de arrefecimento a ar (a grande ventoinha e o bloco sem camisas d’água transmitiam mais ruído) e o curto sistema de escapes do motor traseiro.

Fusca x Fusca

Jusca, Fetta

Sim, o nome voltou. A silhueta, formada por três arcos (para-lamas dianteiro, traseiro e teto curvo), está ali. Mas tudo mudou – mecanicamente, o Fusca não tem mais nada de Fusca: motor e tração inverteram de lado e estão lá na frente, o sistema de arrefecimento é à água, os quatro cilindros entraram em linha e ganharam um turbo (o 2.0 TSi, de 200 cv) e o câmbio, manual ou automatizado, tem seis marchas. Na verdade, o Fusca, o vermelho, está muito mais para Jetta: do sedã, o besouro hipster usa a plataforma, o excelente sistema de suspensão e o trem de força.
Mas sabemos que você está intrigado com o outro Fusca, o prata. Talvez fique ainda mais ao descobrir que este é o primeiro Fusca Itamar fabricado, o chassi # 1. E mais ainda se contarmos que ele pertence ao acervo da Volkswagen do Brasil e é virtualmente zero-quilômetro.
Fusca x Fusca
O Itamar é tão novo que nem sequer teve quilometragem para compor o perfume característico na cabine. Abro a porta, muito mais leve do que a de qualquer carro atual, e dou de cara com uma mistura de estilos, de formas e texturas. A arquitetura é idêntica à do Fusca dos anos 1980, mas as forrações dos bancos e painéis de porta são do Gol CL. Lá dentro, além dos bancos colados um ao outro, o painel e o para-brisa ficam a apenas alguns palmos da sua cara. A sensação é de que alguém colocou a TV da sala a meio metro do sofá.
Fusca x Fusca

Popular pop

O Fusca havia deixado de ser produzido em 1986. Mas, quase sete anos depois, atendendo ao pedido do então presidente Itamar Franco, a VW retomou a produção do sedã rechonchudo por mais três anos. A marca já havia vendido parte do ferramental para fabricantes de autopeças – por isso, fez deles os seus fornecedores, caso das estamparias da lataria.

VW fusca 1994

História

Quem se importa com isso?

Primeiro e único
A intenção era que o besouro renascido brigasse com a nova categoria de carros populares, como o Uno Mille, o Gol CL, o Chevette Junior e o Escort Hobby, que gozavam de IPI de 0,1% (na boa, não aguentamos mais ser reféns desta sigla). E isso explica por que ele abandonou os cromados em volta das janelas, na borda do estribo, nas laterais e nos para-choques. Um dos seus únicos opcionais era o ar quente, que usava uma câmara em volta do cano de escape para aquecer o ar enviado à cabine.
Fusca x Fusca
Para se adequar à legislação e tentar brigar com seus rivais mais modernos, o Fusca Itamar adotou catalisador e relação de diferencial mais longa, deixando-o mais econômico e confortável em viagens longas – injeção eletrônica? Nada: dupla carburação Solex 35.
Fusca x FuscaDou a partida e, sem insistência, o motor de arranque chorão acorda o boxer 1.6 e seu ronco tricotado. A rotação da marcha lenta é alta. “Dê uma bombadinha no acelerador que ela cai para o giro normal – ele tem um afogador embutido no sistema de alimentação”, avisa Guilherme Sabino, engenheiro, piloto de testes, treinador, responsável pelo acervo da VW e conselheiro do Papa nas horas vagas.
Com a marcha lenta normalizada, Sabino continua a aula: “Cuidado com os freios. As respostas não são nada do que estamos acostumados hoje.” De fato, o pedal (aliás, tanto o do antigo quanto o do novo são articulados no assoalho) do meio tem curso e pegada dignos de uma pista de boliche.
Todo o resto me surpreendeu positivamente: volante e alavanca de câmbio não têm jogo (ainda). E o peso do bichinho? Com algo em torno de 800 kg – o atual pesa quase 1,5 tonelada –, a sensação é de gravidade menor neste planeta. É por isso que tanta gente fuçava a mecânica do Fusca: além de ser robusto e leve, ele tem malícia. Dá vontade de pisar fundo. Como não queria correr o risco de destruir o Itamar 1 dentro da própria maternidade, e como ainda não quero tomar aulas de pilotagem com José Carlos Pace, fiquei só na vontade de radicalizar.
Estacioná-lo é fácil, apesar da ré de engate tinhoso. A direção é leve, o entre-eixos é curto e a visibilidade é boa. Difícil é sair dele: o arco do teto deixa sua marca nos ombros dos mais apressados. E apesar daquele belo modelo vermelho estar me esperando, com seu turbo, ar-condicionado e bancos de couro, não tinha pressa nenhuma em deixar o antigo.
Fusca x Fusca

Tempero de Stuttgart

Talvez porque, por mais estiloso que seja o novo Fusca, ele não é o Fusca. É como você pegar um artista que faz releituras das pinturas de latas de sopa Campbell de Andy Warhol ou um cover dos Beatles: tecnicamente, podem ser melhores que os originais. E daí?
A birra passa logo. A nova geração do Beetle... ok, Fusca, ficou mais esportiva e flerta bastante com o filho de três dígitos de Ferdinand Alexander Porsche. Tem como achar isso ruim? Repare no desenho interno dos faróis. No aerofólio do tipo rabo de pato dos 911 dos anos 1970. Nas rodas aro 18 com desenho similar às Fuchs (sonho de consumo de qualquer fusqueiro). Nas saídas de ventilação do painel, quase idênticas às dos Porsche atuais. Historicamente, eles são da mesma família. E, hoje em dia, corporativamente também têm o mesmo sangue.
Fusca x Fusca

A Coca da VW

Se este toque de Stuttgart não se traduz em ignição à esquerda, tração traseira e dinâmica de carro de pista, por outro lado não seja ingênuo: o Fuscão não tem nada de bobo. A aceleração de 0 a 100 km/h em 7,3 s logo de cara deixa aquele seu amigo de Civic Si a ver escaravelhos. E o consumo médio de 11,3 km/l (a gasolina) poderia ser melhor se ele usasse o câmbio DSG de sete marchas – esta geração da plataforma PQ35 usa o de seis. Imagino que você conheça as trocas desta transmissão (opcional de R$ 4.390): são estalos sem trancos quando você está de pé cravado e afagos de seda entre as nuvens quando se dirige tranquilamente. Sempre tenho a sensação de que a Coca-Cola do Grupo VW é o câmbio: todo mundo quer saber a receita.

VW Fusca 2012

Motor/Câmbio

Nome

É tudo, menos Fusca
Pode tacar este besouro nas curvas como quiser: garanto que ele não vai terminar de casco para o chão, como seria com o pai. Se você já acha a dinâmica do Jetta TSI bacana, saiba que este cara tem entre-eixos 12 cm mais curto. Na prática, ele muda de direção mais rapidamente – some isso às respostas afiadas da caixa de direção (de relação 14,96:1, bem ágil) e você tem um brinquedão pra lá de divertido. Como nem tudo é perfeito, o aro da direção é um tanto  fino e não dá pra desligar os controles de estabilidade e tração – que baita mancada! Por outra, o Fusca tem um dos mapeamentos mais esportivos que experimentamos em carros abaixo de R$ 150 mil. Ele deixa o inseto destracionar e só começa a intervir quando está se perdendo tempo.
Fusca x Fusca
O ajuste de suspensão lembra o do Jetta Highline: equilibrado entre a graxa esportiva e o terno do dia-a-dia, com um pouco mais de tendência ao primeiro. Sim, o subesterço está ali e a rolagem de carroceria acusa os seus quase 1.500 kg de massa, mas não é nada em demasia. E dá pra andar em pisos maltratados sem medo: só é preciso reduzir a velocidade em relação ao que você faria com um Voyage, caso contrário, vai sentir pancadas secas.
Vale lembrar que entre Audi A1, Peugeot 308 THP e Citroën DS3, o VW é o único com suspensão do tipo multibraços atrás – todos os rivais usam eixo de torção. Depois do que vi no Pacaembu há 15 anos, confesso que chega a ser estranho associar o nome Fusca a um bom projeto de suspensão.
Fusca x Fusca
Na verdade, o que é estranho é associar o nome Fusca a este Fusca. Olho para os dois carros repousando na Ala 2 da fábrica da VW do Brasil (depósito onde algumas peças aguardam antes de serem encaminhadas à linha de montagem) e sinto que são parentes muito próximos, por mais distantes que sejam tecnicamente. Talvez porque o espírito do Fusca não esteja no emblema da marca, no motor boxer a ar, no sistema de suspensão, no cheiro de curvim com gasolina ou no topete de Itamar Franco. Talvez a essência do besouro esteja no carisma dos seus três arcos de silhueta. Isso, o besouro hipster tem de sobra. Quem sabe ele vira minha quarta lembrança?

Um Fusca, dois motores

Fusca x FuscaPoderíamos falar nesta homenagem de Herbie, do capô preto do Fuscão da Xuxa, do fusquinha Willie (do desenho Carangos e Motocas). Mas nenhum deles é tão sensacional quanto o Fusca de dois motores, criado em 1969 pelos irmãos Fittipaldi, em conjunto com os preparadores Nelson Brizzi, Ari Guilherme Leber e Ricardo Divilla. Tinha dois motores 1.300 com curso ampliado para 1.600 unidos por uma junta elástica, instalados em posição central-traseira. Com cerca de 260 cv, o penico atômico de fibra de vidro e estrutura tubular competiu nos Mil Quilômetros da Guanabara. Após a primeira hora de prova estava em 3º, atrás de um Alfa T33 e de um Ford GT40, mas a junta não resistiu (há quem diga que foi o câmbio), forçando o abandono do Fusca.
Fusca x Fusca
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Disponível no(a):http://caranddriverbrasil.uol.com.br/

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