Lembro com nostalgia da época em que todas as fabricantes nacionais seguiam a mesma estratégia. Um carro compacto logo dava origem a um sedã, uma perua e uma picape. Gol, Voyage, Parati, Saveiro. Palio, Siena, Palio Weekend, Strada. Corsa, Corsa Sedan, Corsa Wagon, Pick-up Corsa. Era bonito, era organizado.
Hoje as coisas mudaram. Temos mais marcas brigando por uma fatia do exótico bolo que é o mercado brasileiro, e para fazer isto elas estão segmentando cada vez mais os seus modelos. Vemos um compacto crescer para dar origem a um sedã com uma cara totalmente diferente. Picapes são frankensteins de hatches com utilitários vendidos só na Europa. Os chineses estão aí, atirando para todos os lados. Minivans, SUVs compactos e crossovers são a nova ordem para quem quer algo maior, mais espaçoso e não tão caro assim. E as peruas, coitadas, estão virando história. Como isso foi acontecer?
Em meio a boatos de que a picape Hoggar estava saindo de linha, a Peugeot resolveu botar ordem na casa e disse que não: a picape só teve sua produção interrompida. Mas houve, de fato, uma baixa na linha da fabricante francesa: a perua 207 SW, que vendia ainda menos do que a picape Hoggar, foi morta sem previsão de uma sucessora. Em seu lugar, o que a Peugeot pretende trazer? Um SUV compacto, com origem no 208. O Ecosport da Peugeot.
Na verdade, todas as marcas querem o seu Ecosport. O mini SUV é derivado da plataforma do Fiesta, e nunca escondeu sua origem humilde. Com o tempo foi melhorando o acabamento, o visual ficou mais robusto, apareceu uma versão 4×4 até que, finalmente, veio a nova geração. Tornou-se um carro mundial. Arrisco até dizer que o Ecosport é um dos maiores acertos da indústria automotiva brasileira de todos os tempos. E, apesar do ódio que os gearheads nutrem por ele, o Ecosport tem suas qualidades – tanto que criou um nicho.
E é um nicho tão valorizado que não há muito critério por parte dos fabricantes para colocar o seu próprio Ecosport na briga: a Renault deu cabo de uma perua média e de uma categoria mais elevada, o Mégane Grand Tour, e colocou em seu lugar um SUV desenvolvido na Romênia com base no Dacia/Renault Sandero. A Chevrolet, que teve na Corsa Wagon 2001, sua última perua, agora quer abocanhar um pedaço do mercado com o Chevrolet Tracker. O Palio Weekend vende bem (graças à versão Adventure), mas está jogado às traças e a Fiat pretende substituí-lo por um… SUV compacto, em no máximo dois anos, baseado no 500.
Por outro lado, já notaram como a Ford nunca mais se preocupou em ter uma perua depois que o saudoso Escort SW foi descontinuado? Na Europa existe o Focus SW, mas quando o Focus foi lançado aqui, nada de perua. Fiesta SW? O que é isto? Em compensação, em 2002 veio o Ecosport…
Isto só pode significar uma coisa, meus amigos: o Ecosport matou nossas peruas.
OK, não vou ser injusto e colocar TODA a culpa no Eco. Como já falei, ele tem seus méritos e, em algumas versões, até simpatizo com ele. No ano passado ele recebeu um extreme makeover que tem tudo para torná-lo um sucesso ainda maior. Mas também existe um outro segmento que roubou o espaço das nossas queridas peruas: as minivans e crossovers. Na Chevrolet a Spin ocupa o posto que já foi da Meriva e da Zafira. A Citroën tem seu Picasso, a Nissan tem sua Livina e a própria Peugeot colocou no lugar do 307 SW o crossover 3008.
Hoje nosso mercado de peruas se resume a Palio Weekend, Spacefox, Hyundai i30 CW e as mais caras Jetta Variant e Passat Variant, Audi A4 Avant, BMW Série 3 Touring e Mercedes-Benz Classe C e E Touring. Palio e Spacefox ainda vendem o suficiente para se manter em linha, enquanto o i30 CW deve morrer com a chegada da nova geração do hatch. A dupla grande da VW, Jetta e Passat, é um caso a parte – são mais caros e seu desempenho nas vendas é naturalmente menor. O mesmo vale para o trio de luxo alemão.
Aquelas que um dia dominaram o mercado agora são mais um nicho.
A nós resta lamentar a morte destes carros que um dia foram símbolos de juventude e esportividade – quem se lembra da época quando a Parati era “a station mais jovem do país”, ou quando você podia “levar tudo na esportiva” com a Chevrolet Caravan SS? Ou ainda, de quando uma perua criou um novo segmento – por mais que você odeie os “pseudoaventureiros”, é impossível não admirar um automóvel que cria uma nova categoria. Com o Palio Weekend Adventure foi assim, quem diria…
Mas por que não parar e se questionar: você quer levar mais coisas no porta-malas e guiar um carro de verdade ou quer só “ver tudo de cima” ainda que seja meio no aperto? Será mesmo que uma perua não tem o que você precisa? Só assim para conseguirmos “salvar as peruas”, como implora a campanha dos nossos companheiros da Car and Driver e salvem as peuras . Mas vai ser difícil.Sentiremos a falta delas.
Fonte: Jalopnik
Disponível no(a): http://www.jalopnik.com.br/
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