25 de jan. de 2012

Chevrolet Camaro ZL1: impressões em circuito fechado


O motor LSA aperfeiçoado que equipa o Camaro ZL1 é um V8 de 6,2 litros supercharged que produz 76,8 kgfm e quinhentos e oitenta e sete cavalos, cerca de cento e cinquenta a mais que o Camaro SS e quatrocentos cavalos além do que a maioria dos seres humanos precisa. Mas isso é necessário para fazer dele o melhor muscle car que a Chevrolet já construiu.

Ao contrário do Corvette – o concorrente yankee diante dos supercarros alemães, italianos e japoneses – o Camaro tem uma história bagunçada de bestialidade afável. O Camaro é o carro que os adolescentes americanos usavam para fazer rachas atrás do ginásio do colégio no baile de formatura, mas nas últimas duas décadas isso vinha se tornando uma imagem cada vez mais distante à medida em que ele se tornava maior, mais pesado e menos potente.
O interesse no Camaro reduziu a um nível tão baixo que em 2002 a General Motors matou a linha (incluindo o Pontiac Firebird, seu primo de plataforma) e concentrou-se em outros meios de atrair o interesse de um mercado jovem cada vez mais apaixonado pelos ágeis japoneses de quatro cilindros e tração dianteira ou integral. A geração Velozes e Furiosos havia encontrado seu grande amor aspiracional.
Foi outro filme terrível que ajudou a trazer o Camaro de volta à vida: Transformers, de Michael Bay – uma lembrança de infância desta geração. No filme, um adolescente irritante (interpretado por Shia LaBeouf) faz amizade com um robô do espaço chamado Bumblebee, que por acaso (e não pela adoração do diretor à marca que lhe encheu de grana) tem as formas do até então inédito Chevrolet Camaro.
Embora o filme seja ruim, ele é muito popular. E fez do carro um herói, ou ao menos um robô herói em forma de Camaro. Você poderia comprar Bumblebees de brinquedo, obviamente. Máscaras de Bumblebee. Jogos do Bumblebee. E quando a GM começou a vender o Camaro em 2009, você podia comprar o carro Bumblebee.

Isso foi, acima de tudo, uma ofensiva de marketing brilhantemente aplicada. Só a ideia de reviver o Camaro já agrada qualquer fã de carro nascido depois de 1945; além disso os adolescentes que estavam migrando para os esportivos estrangeiros estavam assistindo a um muscle americano detonando os vilões nos cinemas. Para as pessoas da minha geração (anos 80) que assistiam Transformers todos os dias de manhã, bem, ao menos descobrimos que a GM estava preparando um novo Camaro, ainda que a chance de esses jovens comprarem muscle car fossem as mesmas de que eles comprassem um robô de brinquedo.
O Camaro foi um hit instantâneo. A General Motors vendeu tanto quanto podia fabricar, mesmo quando as vendas do Mustang, seu principal concorrente, começaram a deslizar [no Brasil, desde o lançamento no final de 2010, já foram vendidas 2.155 unidades do Camaro SS, acima de todas as expectativas].
Mas o melhor de tudo é que o Mustang tinha um concorrente de peso novamente. E o topo-de-linha Shelby GT500 continuou a espancar o Camaro SS na briga interna. Então a GM pegou o motor LSA do Cadillac CTS-V, ressuscitou a sigla ZL1 e criou o novo “Camaro ZL1″, e começou a bater no peito dizendo que o ZL1 iria ridicularizar o GT500 tanto na reta de arrancada como em circuito fechado.
E é por isso que estou em um autódromo no Arizona diante de quatro Camaros ZL1 tão novos que sequer podem ser guiados na rua (ainda não fizeram os crash tests da NSHTA) .

“Parece estranho, mas você só precisa pisar fundo”, explicou Alex MacDonald, engenheiro da Chevrolet. Ele é o cara que ajudou a desenvolver o sistema de “Gerenciamento de Tração e Desempenho” (Performance Traction Management, na sigla inglesa) do Camaro antes de deixar o projeto para trabalhar na próxima geração do Corvette.
Esse sistema se relaciona intimamente com a grande novidade do ZL1: os amortecedores Magnetic Ride, outro feature vindo do Cadillac CTV-S e do Corvette ZR1. Sua mágica é trabalhar com partículas de metal dentro dos fluídos dos amortecedores. Estas partículas permitem que computadores controlem a rigidez da suspensão da forma mais rápida possível. Trata-se de um sistema inventado pela Cadillac e que seria adotado por um fabricante italiano que vocês devem conhecer, uma tal de Ferrari.

Voltando ao PTM: ele oferece cinco modos – seis se você contar o modo “desligado”, que contraditoriamente é quando os controles de tração, estabilidade e gerenciamento do motor estão mais presentes.
O Modo 1 é para pista molhada, algo que não tivemos o prazer de testar no árido clima de Bondurant. A equipe de engenharia explicou que seria melhor testar o ZL1 nos modos 2 e 4, sugerindo que tentássemos fazer as voltas no limite em ambos os modos para que sentíssemos a diferença. O Modo 5 desliga os sensores de assistência e os módulos de processamento.
Nossas primeiras voltas no ZL1 foram com o Modo 2 no traçado curto chamado Firebird, uma pista simples construída ao redor de uma longa reta que também serve como reta de arrancada. Minhas primeiras voltas são mais afetadas pelos muros e barreiras que pelo abuso do carro, afinal, ninguém quer ser o cara que bateu o lançamento da fábrica diante da imprensa de todo o país.

O ZL1 em si me deu o primeiro susto nas primeiras voltas, quando  contornei a curva de 180 graus que termina na reta. Achei que os pneus – e minha habilidade – estavam aquecidos, e pisei fundo na reta para alcançar o instrutor na ponta com um Camaro SS. Os infinitos 76,8 kgfm de torque do ZL1 fizeram o carro balançar a traseira, mas o sistema de tração e desempenho estava lendo cada movimento de seu corpo. Em menos de um segundo o tímido Modo 2 endireitou o carro e logo eu estava firme a 160 km/h.
Dosei o acelerador quando a traseira começou a ficar solta porque é isso o que qualquer um faz instintivamente quando o carro começa a destracionar. Mas de acordo com os engenheiros da GM, eu não precisava ter feito isso. Na verdade, se tivesse mantido o acelerador esmagado no chão, ele faria o necessário para evitar seu lançamento contra o muro.
O Modo 2 é o modo videogame, conforme explicaram, e foi programado para simplificar o controle do monstro de 580 cv em uma decisão binária: o pedal da direita é para andar, o do meio para frear. O gerenciamento eletrônico toma conta do resto ao reduzir a potência (interrompendo a ignição, mas mantendo a injeção para que a detonação possa voltar instantaneamente) ou freando a roda certa para equilibrar o carro. Seja em uma pista sinuosa ou em uma reta de arrancada, o Modo 2 faz o impossível para manter até mesmo o maior imbecil no traçado certo.

Eu nunca confiaria nisso. Sou um motorista tímido, prefiro cortar os tempos de volta aos poucos (e por isso sempre estou no pelotão do meio quando o dia acaba). Mas é extremamente difícil pedir ao seu pé que pare de fazer o que ele faz há muito tempo, o que inclui aliviar o acelerador quando você está em uma situação de risco. Se estivéssemos em uma pista sem barreiras, como um traçado de cones em um estacionamento, por exemplo, teria afundado o acelerador e confiado plenamente no Modo 2.
O Modo 4, que desliga o controle de estabilidade, é o que pode fazer os verdadeiros gearheads se apaixonarem pelo carro. O Camaro ZL1 é um tanque pesado – mais de duas toneladas – e embora o motor seja potente o bastante para movê-lo, driblar a inércia em algo tão maciço é essencial para se fazer curvas. Posso não ter feito tempos melhores no Modo 4 que no Modo 2, mas o carro parece incrivelmente mais suave e natural – conforme sua habilidade se desenvolve, claro.
É preciso odiar muito o cheiro de fumaça e o ronco pleno de um V8 bem alimentado para não curtir um ZL1 em uma pista. Eu poderia apontar sua relativa pouca agilidade em relação a esportivos mais leves, mas seria como dizer que cavalgar touros é menos legal que dançar balé.

Mesmo com um peso horripilante para qualquer entusiasta que admire coisas como a Lotus, o Camaro ZL1 faz o que você mandar imediatamente, de uma maneira quase chocante para algo cujo capô serviria de mesa de jantar para vinte pessoas. Alternando os modos eletrônicos, a suspensão torna-se uma extensão da superfície, a relação do volante cada vez mais direta, os pneus de medida 285 da frente e 305 atrás não desperdiçam o excesso de borracha e os freios – pinças Brembo de seis pistões – parecem capazes de imobilizar um porta-aviões sem sustos.
Em termos aerodinâmicos, o ganho foi radical. Enquanto a força do ar faz o Camaro SS “flutuar” em altas velocidades, no ZL1 um downforce de 30 kg extras é produzido a 240 km/h. E sim, você sente isso no banco do motorista – que poderia ter melhor apoio, diga-se de passagem. Em curvas de alta, ele aguenta até 1,0 g  de aceleração lateral, algo que só as versões mais quentes do Viper e do Corvette foram capazes de experimentar em território americano.
Outro aspecto resultante dos novos scoops, tomadas de ar e defletores é a excelência dos sistemas de refrigeração. Volta rápida após volta mais rápida, nem sinal de superaquecimento no motor, nos freios ou na transmissão. Pode jogá-lo na pista à vontade que ele não reclama.

Por transmissão, entenda-se câmbio manual: uma bela caixa Tremec de seis velocidades com embreagem de disco duplo, nova manopla (mais anatômica e menos ordinária que a do SS), engates limpos e rápidos. Foi com ela que um dos primeiros exemplares cravou 7min41s em Nürburgring, nada menos que 40 segundos mais rápido que o agora molenga Camaro SS. Já a opção automática é correta, ágil e com paddle shifts – ou seja, um tédio.
No final das contas, o que importa é que o ZL1 é muito rápido, preparado e seguro, com reações previsíveis e de fácil correção. Isso não é um insulto. Você ainda pode se machucar seriamente nele, mas ele tem um temperamento que se adapta a qualquer estilo de pilotagem, dos amadores aos profissionais, o que é mais impressionante quando você lembra que o ZL1 é o Camaro mais estupidamente potente já construído.
E por acaso ele também tem cara de mau, como um rinoceronte de origami, com uma postura agachada, capô de fibra de carbono com um scoop enorme e rodas aro 20 prontas para atacar.

Não mencionei o Modo 5 por um motivo – e não foi por não ter colhões para pilotar o carro sem auxílios. Tem a ver com o controle de largada, a função assistida por computador que te ajuda a arrancar de modo mais simples e consistente o possível. O Modo 5, além de remover quase toda a assistência eletrônica para fazer curvas e tal, é configurado pela Chevrolet para ser usado em arrancadas, onde os compostos no piso providenciam mais aderência e tração que o asfalto limpo.
Um dos engenheiros esclareceu que eles desenvolveram o controle de largada no Modo 5 para “ñao embaraçar” os proprietários do ZL1, o que demonstra que a Chevrolet no fundo sabe bem como o ZL1 será usado: em corridas amadoras para impressionar os amigos. Duas ou três vezes por ano a pessoa que pode bancar um Camaro de 55.000 dólares se inscreve em um evento de fim de semana para exibi-lo, e a Chevrolet se encarregou de garantir que o Sr. Piloto de Fim de Semana não faça papel de bobo.

O Camaro ZL1 não é um clássico, apesar do material promocional da Chevrolet compará-lo ambiciosamente a supercarros da Maserati e Mercedes-Benz – uma grande besteira, já que todos nós sabemos que o único lugar onde ele realmente será levado a sério é dentro de casa, na briga doméstica com o Mustang. Ele até é (bem) barato comparado aos supercarros, mas não é o tipo de máquina comprada por quarentões que sabem de cor a história da Ferrari 250. Ele fala para pessoas que querem a melhor versão de um muscle cotidiano em vez de pagar mais por um superesportivo de alta estirpe.
Mas eu suspeito que para a geração que pode gastar os tubos em um muscle car, o Camaro tenha tanto pedigree quanto um Corvette. E o ZL1 é o melhor Camaro já feito. Fiquei um pouco chateado por não poder rodar com ele pela cidade, porque queria me apoiar na janela e sorrir para os adolescentes quando eles me fizessem um sinal de aprovação.

Uma das armadilhas da idade é o maior acesso à experiência – mais grana (se tiver sorte) para comprar as coisas que você desejava na juventude. Mas é perigoso viver nostalgicamente, lembrando dos vinte e poucos anos, enquanto o mundo ao seu redor vai eliminando alegremente os pilares dos seus antigos desejos. Você tem a possibilidade de fingir ser um fora-da-lei em segurança, com direito a jaqueta de couro.
Você jamais poderá consertar as decepções da juventude, mas pode deixá-las para trás. E com carros loucos como o Camaro ZL1, você pode assegurar uma vida adulta digna de ser lembrada. Principalmente pelos outros que serão deixados para trás.
Fonte: jalopnik
Disponível no(a):www.jalopnik.com.br
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