Que fique bem claro: não sou contra nenhuma categoria de automobilismo. Todos - promotores, clubes, federações, CBA e fábricas - têm todo o direito de promover o que quiserem, mas o mínimo que se espera é que haja decência no que fazem. É justamente o que falta a este novíssimo certame, a Copa Petrobrás de Marcas.A Copa Petrobrás de Marcas foi criada, bem como a receita dos carros participantes, na base do Ctrl+C, Ctrl+V da categoria Turismo de Competición 2000 argentina em formato adotado em 2010 A ideia é envolver marcas na disputa - algo em princípio bastante salutar, o que permite que donos de carros torçam pelas suas marcas, se envolvam emocionalmente também na questão do carro.
Já tivemos bastante isso nas décadas de 1960/70/80, sempre com envolvimento das fábricas. Eram corridas espetaculares, briga de marcas sempre foi e sempre será atraente.
Estive ontem no autódromo de Interlagos, a convite da Honda, para conhecer o "carro" da fabricante japonesa. Até então me baseava no que lia. Agora foi diferente.
A primeira constatação: há a ideia de se organizar corridas sul-americanas com participação de brasileiros e argentinos, que acho ótimo e que explica os carros daqui serem feitos à luz e semelhança dos de lá.
Mas na Argentina eles foram honestos por um lado, nada de "Campeonato de Marcas", mas "TC 2000". Porém os vizinhos, por quem tenho a maior admiração, foram desonestos ao instituir título para marcas nesse carro de turismo que de marca não tem nada. Ou seja, é o "Efeito Orloff" aí de novo, "Eu sou você, amanhã".
Da estrutura do carro original restaram a parte central do monobloco, a que compreende o habitáculo, e as superfícies da carroceria, a "lataria". A essa parte central são fixadas estruturas tubulares onde, na frente, vão grupo motopropulsor e suspensão/direção, e, atrás, suspensão traseira. Esta, curiosamente, é por eixo rígido, mas que não é motriz, pois a tração é dianteira - pelo menos não é a mentira da Stock Car V8, cujos carros têm "cara" de modelos de tração dianteira porém a tração é traseira. E os faróis são de verdade, não os adesivos imitando farol da Stock. Pelo menos isso.
Para registrar, o Honda Civic e o Ford Focus, cujos fabricantes aderiram a essa categoria da mentira - pagando para poderam partcipar, sem envolvimento técnico - deixaram de ter a suspensão traseira independente original. Boa para o Jack Palance e seu "Acredite...se quiser"...De novo, nada contra eixo rígido com tração dianteira, inclusive rasgo elogios à picape Ford Courier em recente post. E os DKW-Vemag e GT Malzoni brilharam na década de 1960 mesmo com eixo traseiro desse tipo.
Não foi surpresa porque eu já esperava: o piloto se senta "lá atrás", à Stock Car V8. Pelo jeito, é coisa de argentino. "Efeito Orloff"...
O motor da categoria é um Nissan 2-litros na parte de baixo (bloco e virabrequim) com cabeçote produzido pelo preparador argentino Oreste Berta (um gênio, é bom saber). Os motores, completos e montados, são fornecidos pelo Berta. O transeixo é XTrac, inglês, de seis marchas e sequencial.
O motor desenvolve 285 cv a 6.800 rpm, com troca a 7.200 rpm, mas atualmente tem um restritor na admissão. Segundo uma equipe "Honda" com quem conversei, pode chegar 330~330 cv.
É muito triste ver uma empresa como a Petrobrás pactuar com a mentira, com a CBA endossando-a devidamente. A honestidade, e nisso estaria a beleza da categoria, teria sido dar-lhe um nome que não induzisse o espectador e o telespectador a erro, como, por exemplo, Copa Brasileira de Superturismo, da qual se segraria campeão apenas o piloto, jamais uma marca.
Como eu disse, toda categoria tem seu valor e promotores são livres na sua atividade. Mas onde a CBA comete pecado capital é fugir ao seu dever de promover automobilismo envolvendo a indústria automobilística. Nunca, em toda a história do automobilismo brasileiro, tivemos tantas condições para ter um campeonato de turismo com disputa de verdade de marcas, como falei recentemente aqui neste AE.
Seria aberto um campo de trabalho fantástico para preparadores de motor e de chassi, cujo trabalho, como está hoje na Copa Petrobrás de Marcas, se resume basicamente a operações de alinhamento e dar os cliques de ajuste dos amortecedores.
Acabei de assistir a corrida pele Rede TV e fiquei abismado com que vi. Até o estacionamento no autódromo é por marca - Chevrolet, Honda, Ford e Toyota. A que ponto do ridículo chegamos!
O grande jornalista e meu amigo Celso Miranda - dentro do seu papel, de narrador da transmissão, é um profissional - enfatizava a questão de "marcas" ao ponto de narrar que um Astra que tomou uma batida por trás terá que ir a uma concessionária Chevrolet para o conserto...
Tudo isso sem contar "receitas" de equilíbrio esdrúxulas como o grid invertido, as posições na segunda corrida são invertidas em relação à chegada na primeira - isso mesmo que o leitor leu, não é corrida em duas baterias, são duas corridas no domingo, com atribuição de pontos para campeonato. Se são duas corridas independentes jamais poderia haver a figura do grid invertido!
Como se não bastasse essa aberração, quem vence é premiado - com mais peso, mais lastro no carro. Afinal, as "marcas" precisam andar juntas! Insanidade.
Eu soube também que o carro custa aproximadamente R$ 200.000, mas ninguém compra, aluga - de quem não perguntei, para não ser indiscreto - mas provalvelmente da promotora Vicar, por R$ 15.000 por fim de semana. Que belo campeonato de Marcas!
Por último, um detalhe increditável nos carros: a saída do escapamento. Pelo Artigo 252 - Prescrições Gerais, da FIA, para os Grupos N, A, B, a saída do escapamento tem de ser atrás de um plano vertical que passa no meio do entre-eixos. Isso para eliminar qualquer possibilidade de entrada de gases de escapamento no habitáculo. A saída nos carros do "Marcas" é bem antes.
Saída do escapamento onde não pode (foto do autor) |
De tudo isso, um só sentimento: que pena.
BS
Fonte: autoentusiastas
Disponível no(a):http://autoentusiastas.blogspot.com
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