7 de jun. de 2011

Como um homem saiu do sofá para disputar o Baja 1000 em um Fusca



Para quem ainda não viu, “Dust to Glory” é um filme épico sobre o que é preciso para competir no Baja 1000, um dos ralis mais desafiadores do mundo, disputado no México. É bem improvável que haja algum fanático por carros que assistiu ao filme e não tenha pensado, “PQP. Eu preciso fazer isso.” Jim Graham, cofundador da Desert Dingo Racing, é um desses fanáticos, e PQP. Ele realmente fez isso. Aqui está sua história.

O que o fisgou em Baja?
Em dezembro de 2006 eu aluguei “Dust to Glory”, um documentário sobre o Baja 1000 de 2003, em uma locadora da vizinhança. Depois de 10 minutos, me virei para minha esposa e disse “eu preciso fazer isso”. Ela respondeu “você não entende nada de carros”. Eu disse “não me importo”. Convenci um amigo (o cofundador da equipe), Mike Aquino, a ver o documentário. Ele disse “acho que podemos fazer isso”.
Conte-nos sobre o seu carro. Você o comprou ou o construiu?
Começamos com um chassi de US$ 300 que Mike conseguiu de um cara que estava prestes a levá-lo ao ferro velho. Ele o estava restaurando, mas ficou sem dinheiro. Nós não tivemos a coragem de contar a ele o que iríamos fazer com aquilo.
Em março de 2007, já tínhamos uma equipe completa, com mecânicos e tudo mais. Praticamente todos tinham alguma experiência com automobilismo – motocicletas, motocross, ovais de terra, etc. Mas ninguém tinha experiência em competições off road.

Liguei para Eric Solorzano, que aparece em ”Dust to Glory” e venceu o Baja 1000 nove vezes. Eu disse “você não me conhece, mas eu quero correr a prova, você já venceu nove vezes e quero conhecê-lo”. Quatro de nós voaram para San Diego e fomos até a sua oficina – que é praticamente um espaço para um carro – em Tijuana. Nós passamos seis horas debruçados sobre seus dois carros com trenas, paquímetros, câmeras fotográficas e de vídeo. Quase não conseguimos voltar pela fronteira para pegar o voo de volta.
Construímos o carro do zero em cerca de oito meses e fomos para a linha de largada em Ensenada em novembro de 2007. Uns 231 quilômetros depois nós estávamos fora da prova, depois de perpetuar praticamente todos os erros que novatos poderiam cometer.
Por que escolheram esta categoria?
Eu tinha a impressão que a Classe 11 (também conhecida como stock bug, stock fusca) era mais barata para participar. Desde então caí na real. Construir um carro competitivo para a categoria vai exigir entre oito e quinze mil dólares. E só no carro. Depois disso você precisa obter peças sobressalentes suficientes para montar outro carro. Depois você precisa de combustível para competir, combustível para os carros de apoio, dinheiro para inscrição, alimentação e hospedagem da equipe.
Construir o carro é só a ponta do iceberg. Logo que você começa a competir, aprende a mentir para si mesmo sobre o quanto isso custa.

Conte-nos como você evitou por pouco uma desclassificação. Como você fez para continuar?
Se você não considerar as vezes que nós realmente não terminamos as provas (todas as três tentativas no Baja 1000, algumas provas curtas em Prairie City e no Mint 400), nossa maior quase desclassificação foi em Hawthorne 225, no ano passado. Nós tivemos um problema com o acelerador emperrado e improvisamos um pedaço de fio que eu (o co-piloto) puxava todas as vezes que o piloto gritava “PUXE!” sempre que ele sentia o pedal emperrar. Eu demorei em uma vez que chegávamos a 70 km/h em uma curva fechada à esquerda e fui parar de frente para o piloto, pendurado em meu cinto de cinco pontos, isso quando o carro parou de capotar e a poeira baixou.
Depois de ver que não estávamos pegando fogo, vazando combustível e o piloto estava consciente, subi pela janela do passageiro e anunciei para um colega da categoria 9 que vinha logo atrás “ISSO FOI INCRÍVEL!”
Conseguimos colocar o carro no lugar. Parecia que ele tinha sido atingido por um trem de carga, mas terminamos em segundo na categoria.
O que o mantém envolvido em Baja?
Nós participamos de uma temporada completa de provas na Califórnia e no deserto de Nevada antes de partir para o México para o Baja 1000, que eu considero a olimpíada das provas off road. Eu digo a Eric (Solorzano) que o único motivo pelo qual continuamos é derrotá-lo. Ele ri. O grande barato de competir na Categoria 11 é que as equipes se ajudam. Você não vê muito disso nos níveis mais altos do automobilismo.
O México é lindo e todos que encontramos são tremendamente prestativos. Perdi a conta das vezes em que os fãs nos ajudaram a sair de um atoleiro ou a mexer no carro.
O que o impede de se envolver mais?
Fácil. Dinheiro e tempo. A coisa que está acabando com a gente nesse momento é o preço do combustível. É a nossa maior despesa. Em 2009 nós paramos de competir no campeonato SNORE para só ficar no VORRA em 2010 porque estávamos viajando mais de 1.500 km nos finais de semana só para participar de uma prova. Os eventos da VORRA acontecem mais perto e tem uma variedade maior de pistas. Os organizadores são ótimos e o clima é mais relaxado.
Você participou de quantas provas no ano passado? Neste ano serão mais ou menos provas? Por quê?
Nós participamos de todo o campeonato da VORRA em 2010 – quatro provas curtas em Prairie City e quatro corridas no deserto de Nevada – e terminamos em segundo na categoria, com a decisão do campeonato na última prova da temporada. Depois do fim da temporada, nós começamos uma reforma no carro. Depois de três anos de provas e três capotagens, ele estava acabado. Nós ganhamos um carro novo (ok, um 1970 bem conservado) de outra equipe e começamos a prepará-lo para correr no deserto.
Os competidores já sabem disso, mas costuma surpreender as pessoas – carros de rua foram projetados para operar dentro de parâmetros estabelecidos no dia-a-dia. Se você vai pegar um carro de rua e transformá-lo em um bólido para o deserto, basicamente precisa desmontá-lo, analisar cada peça e parafuso, cada solda, cada peça móvel e torná-las melhores / mais fortes / mais rápidas. “The Unfair Advantage” de Mark Donohue se tornou a minha bíblia, junto com “Tune to Win” e “Engineer to Win” de Carroll Smith.

Espectadores: o que você pensa deles?
Os fãs são os melhores. Eles adoram os fuscas e dizem que: ou somos heróis ou doidos por correr com eles pelo deserto. Nós distribuímos milhares de fotos autografadas todos os anos – a maioria deles durante o Baja. Cinco caras me ajudaram a levantar a traseira do carro de um atoleiro logo depois de Ensenada em um ano, e quando quebrei minha perna durante a prova de 2009, três caras ajudaram o piloto, Bob Russell, a desatolar o carro e colocá-lo de volta na estrada.
Minha esposa surgiu com a ideia de aproveitar as provas para promover uma boa causa. Consultamos o pessoal da equipe e dois integrantes vivem com diabetes tipo 2. Eu entrei em contato com a Federação Internacional de Diabetes e disse que nós queríamos fazer uma maratona para levantar fundos em prol de seus programas de educação (o Baja 1000 coincide com o dia mundial contra o diabetes em 14 de novembro) e a coisa engrenou. Nós distribuímos milhares de cartões, impressos em inglês e espanhol, que contém uma foto do carro na frente e avisos de sintomas de diabetes no verso. Minha esposa trabalhou com um artista local para criar um super-herói – o Blue Circle – e então montar um livro para colorir que entregamos durante a prova, além de caixas e mais caixas de crayons que a FID manda para nós.
O carro foi exibido durante o Congresso Mundial sobre Diabetes em Montreal, depois o levaram a uma escola e uma classe inteira de crianças registrou suas mãos nos para-lamas para nos acompanhar durante a prova.
Como você faz para envolver as pessoas no Baja?
Nós vamos atrás dos fãs, especialmente com ajuda das redes sociais. Mais de 25.000 pessoas copiaram os aplicativos para iPhone e Android da Desert Dingo Racing e um exército de pessoas fica ligado no que acontece durante as provas. Temos cerca de 1.000 seguidores no Twitter e cerca de 300 fãs no Facebook. Já tivemos a participação de mais de 200 pessoas em um concurso organizado em 2009 no Twitter. Nós pedimos que retuitassem uma mensagem nossa e todos os que fizeram isso teriam seu nome no carro durante o Baja 1000. Imprimi todos os 200 nomes e os fixei com fita adesiva no teto do carro. Parece bobo, mas o pessoal adorou.

Qual conselho você daria para quem quer participar do Baja?
Eu digo às pessoas “Qualquer um pode fazer isso”. Nós construímos nosso carro do zero, mas se tivesse que fazer tudo de novo, nós teríamos comprado um classe 11 pronto para correr e depois modificá-lo conforme nossas necessidades. É mais barato do que construir um, e você parte para a pista muito mais cedo. A comunidade da classe 11 sempre recebe bem os novatos. Nós geralmente acampamos juntos nos pits e não é incomum ver uma equipe ajudando a outra com reabastecimento e consertos. Você não vê muito disso nas categorias principais.
Nós ajudamos bastante as novas equipes porque foi isso que as outras equipes fizeram por nós quando começamos. Sempre há a dúvida entre comprar e construir, que tipos de peças sobressalentes você precisa ter, qual é o custo real para competir. Nós compartilhamos todas essas informações.
Qual o maior problema com o Baja hoje e como você resolveria?
O maior desafio para o off road hoje é que a economia está mal. Um baixo número de competidores dificulta a vida dos promotores. Isso mudará quando a economia se recuperar.
Há uma percepção entre os não competidores de que as provas off road são prejudiciais ao meio ambiente. Nós não poupamos as estradas nas quais competimos, mas nós não corremos no deserto aberto e, pelo menos no campeonato da VORRA, os organizadores se esforçam para arrumar as estradas depois da corrida.
A maior ameaça para a prova no México é a segurança. Há vários militares nas ruas de Ensenada e pontos de controle militar nas principais estradas, mas durante a maior parte da corrida você está no meio do nada. É preciso usar o bom senso. Eu só tive que ir a uma cadeia mexicana para buscar um colega de equipe.
Se você pudesse participar de qualquer evento automobilístico, em qualquer parte do mundo, qual seria e por quê?
Bom, em quatro anos nunca pilotei o carro em situações de prova. Eu copiloto (cuido da comunicação, navegação, GPS e troca de pneus), mas eu não tenho interesse em guiar o carro. Outros membros da equipe são muito melhores que eu nisso e isso é ótimo. Nosso acordo é que se você ajuda nos custos e investe tempo no carro, você pilota. Começa como copiloto e depois passa a piloto. Dito isso, eu adoraria fazer o Dakar, o Northern Forest na Rússia e o Rali da Rota da Seda.
É um desafio que assusta muita gente, mas eu digo a eles “não gosto de correr. Gosto de vencer”. Se você analisar o Baja 1000, as pessoas vão dizer que 75% da corrida é uma questão de logística. O ponto fraco de qualquer equipe (exceto as que podem bancar um helicóptero) é a comunicação. Todos têm um telefone Iridium e os satélites ficam sobrecarregados. Rádios tradicionais são inúteis assim que você está a uma montanha de distância de quem você quer contatar. E o sinal de celulares é bem ruim em um dia bom. Por isso consegui um patrocínio com uma empresa que fornece serviços de comunicação via satélite para veículos de emergência, barcos no oceano e frotas de aviões.

Minha esposa, à frente de alguns computadores na Califórnia, acompanha a localização e velocidade do carro e dos veículos de apoio em tempo real a milhares de quilômetros de distância. No vídeo acima você pode reparar que eu o utilizo, enviando uma mensagem de que detonamos a transmissão e que precisamos substituí-la.
Para mim, a diversão em competir está na logística – descobrir o que podemos fazer para ser mais rápidos que os outros em nossa categoria.
Três carros: você pode competir com um, usar outro no cotidiano e restaurar um terceiro. Valendo.
Correr? Sem dúvida, um caminhão russo Kamaz preparado para o Dakar. Para o dia-a-dia seria uma versão para as ruas do VW Dakar Touareg 3. Totalmente impraticável, naturalmente. Eu mal sei qual lado da chave segurar, mas se você me perguntar qual carro quero que outra pessoa restaure para que eu possa dirigir, seria o Bartoletti Transporter de Don Orosco.
Todos temos um herói nas pistas. Qual é o seu?
Há vários competidores que vão ao México e reformam orfanatos, levantam fundos para organizações de caridade e até mesmo divulgam agências de adoção de animais. Eles não fazem isso para aparecer. Eles fazem isso porque se importam. São eles que eu respeito e admiro.
Qual a melhor dica ou macete que você aprendeu desde que começou a competir?
Não há uma única coisa. Você pode vencer ou perder uma corrida de 10 horas em dois segundos. Se não prestar atenção em todas as coisas que faz durante o final de semana de corrida, está reduzindo suas chances de vencer. Só depende do quanto você quer vencer.
Qual a lição mais importante que você aprendeu em seu tempo em meio a comunidade Baja?
Aprenda com qualquer um que compartilhe sua experiência. Agradeça a todos. Quando puder, mostre sua admiração.
Há mais alguma coisa relacionada ao Baja que você gostaria de falar, mas não perguntamos?
Você precisa participar. A experiência vem com a prática.

Este post foi publicado originalmente na Gearbox Magazine no dia 12 de maio de 2011, e foi republicado com autorização.
Fonte: jalopnik
Disponível no(a):http://www.jalopnik.com.br

Nenhum comentário: