23 de fev. de 2011

Qual o seu monstro preferido do Grupo B?



Se você acompanha o Jalopnik sabe que ainda não temos um carro do Grupo B em nossa Garagem dos Sonhos. E por que não ter? Criado pela FIA em 1982, o Grupo B deu aos fabricantes a chance de exibir toda a sua capacidade de engenharia, obter vitórias no automobilismo e colher os frutos da publicidade gerada pelas corridas sem o custo de produzir um modelo em série.


O baixo número de homologação (200 carros de rua, nesse caso), significava que um investimento modesto de uma empresa poderia ter uma enorme recompensa. O Grupo A também teve restrições mais rigorosas em termos de potência, peso, materiais e orçamento, isso sem mencionar a regra que exige quatro lugares, que teoricamente proibiu carros com motor central. Já o Grupo B era praticamente ilimitado – especialmente em termos de potência.

E estamos falando em ilimitado mesmo. Embora o deslocamento do motor fosse regulamentado, as regras do Grupo B não previam qualquer limite em termos de sobrealimentação (inclua níveis maníacos aqui). Isso acabou se tornando uma lacuna que os engenheiros exploraram com resultados perplexamente espantosos. Os números reais de potência são obscuros, na melhor hipótese. Os valores citados para o Ford RS200 de 2,1 litros, por exemplo, vão dos 550 cv a mais de 800 cv. Os motivos para esse sigilo são vários.
O motivo mais citado é que os primeiros dinamômetros para carros com tração integral não eram suficientes para o trabalho. E como não havia limitação de potência, os fabricantes não deram muita bola.
Preferimos acreditar que os times não queriam que os concorrentes soubessem quão furiosos eram os outros carros. E é aqui que o bicho pega: os carros do Grupo B aceleravam mais rápido que os carros de F1. Tempos de zero a cem abaixo dos três segundos eram normais – na terra! Infelizmente, numa época anterior ao controle de tração computadorizado, tanta potência sem controle acabou derrubando o Grupo B.
No começo da temporada de 1986, as grandes marcas (Audi, Ford, Lancia e Peugeot) estavam simplesmente (e literalmente) cuspindo fogo. Perto de Sintra, em Portugal, o piloto Joaquim Santos perdeu o controle do carro e acertou dezenas de espectadores, matando dois e ferindo mais 33.
Todas as equipes retiraram-se da corrida imediatamente. Pouco depois o Lancia de Henri Toivonen inexplicavelmente perdeu uma curva e voou para o precipício. Os tanques do Delta S4 se romperam e o carro se incendiou, matando ele e o navegador Sergio Cresto. Poucas corridas foram realizadas naquele ano. A temporada de 1987 foi cancelada e logo depois a FIA extinguiu o Grupo B. Não obstante as tragédias, foi um dos dias mais tristes da história do esporte.

A exuberância do Grupo B



No melhor livro de Jeremy Clarkson, “I Know You Got Soul” (inédito no Brasil), ele fala sobre o Concorde, seu acidente em Paris e sua subsequente aposentadoria. Ele ironiza: “pela primeira vez desde o Titanic estamos lamentando a perda de uma máquina”. Jeremy viajou no último voo do Concorde. Enquanto saía do avião em Londres, pensava consigo: “este é um pequeno passo para um homem, mas um enorme salto para trás.”. Isso também vale para o Grupo B. A categoria era a instituição da loucura sobre rodas. Sobrealimentação ilimitada, as primeiras aplicações maduras de sistemas de tração integral no automobilismo e materiais exóticos e ultra-leves constituem os nossos sonhos.
Para citar Clarkson uma última vez, “Veja só, ao contrário de qualquer outra máquina que foi desativada ou doada a um museu, o Concorde não foi substituído por nada melhor ou mais rápido”. Você esqueceu dos carros do Grupo B, Jeremy. Acha que estamos sendo dramáticos demais? O Bugatti Veyron com seu motor de W16 de oito litros, quatro turbos, mais de 1000 cv, controlado por microprocessadores e com preço de mais de um milhão de dólares atinge os 96 km/h em 2,5 segundos. O tempo de 0-96 km/h do Ford RS200 era de 2,1 segundos, na terra.

Audi Quattro S1
O Audi Quattro é o pai do Grupo B. Como a categoria quase não tinha regras, a Audi estava livre para apresentar o sistema de tração integral (com uma pequena ajuda da Jensen) ao mundo em 1980. Os resultados marcaram a época e ainda hoje são lembrados. Contudo, no começo houve muitas dúvidas sobre a resistência de um sistema de tração integral pesado e complicado. Só que a Audi venceu seu primeiro rali com o sistema com nove minutos de vantagem. A partir daquele momento todas as dúvidas sobre a tração integral acabavam. Os outros fabricantes lutaram para ter carros assim.
O Quattro saiu-se muito bem no começo dos anos 80, incluindo uma vitória de Michèle Mouton, a primeira mulher a vencer um rali internacional. Embora o primeiro Quattro tivesse a vantagem da tração integral sobre os competidores, ele era muito pesado, complicado e difícil de manejar. Em 1983 os outros fabricantes começaram a fazer grandes avanços, e mesmo com tração traseira, o Lancia 037 venceu o campeonato de construtores.

A Audi voltou em 1984 com o Sport Quattro. A potência subiu para mais de 450 cv. O Sport manteve o chassi monocoque (ao contrário da maioria dos competidores, que usavam estruturas tubulares), mas ganhou uma carroceria de kevlar. A caixa ganhou uma marcha (de cinco para seis) e, mais importante, o entre-eixos foi encurtado em 33 cm, dando ao Sport Quattro uma dinâmica muito melhor que seu antecessor. Um dos maiores pé-de-chumbo de todos os tempos, Stig Blomqvist chegou ao pilotar o carro de lado. A Audi venceu tanto o campeonato de construtores quanto o de pilotos naquele ano.
1985 viu a introdução do Peugeot 205 TI6 (sobre o qual falaremos a seguir). Para combater este monstro francês, a Audi lançou o demoníaco Sport Quattro S1. Para resumir, é um cinco-em-linha de 2,1 litros que gerava mais de 600 cv e tinha asas por todos os lados para gerar downforce. Embora fosse pesado demais (e com motor dianteiro) para continuar competitivo no Grupo B, Michèle Mouton pilotou um S1 em Pikes Peak. Além de vencer a prova, estabeleceu um recorde no caminho. No ano seguinte Bobby Unser pilotou um S1 em Pikes Peak e também venceu com um novo recorde. No ano seguinte Walter Röhrl fez exatamente a mesma coisa. E isso não era tudo. Dizem que a fabricante trabalhou em uma versão de mais de 1000 cv que foi testada em várias subidas de montanha, mas os pilotos a consideraram insana demais para ser pilotada. Podemos imaginar.

Ford RS200


 

Sem dúvida o mais belo de todos os matadores do Grupo B, o Ford RS200 foi e ainda é totalmente maluco. E de todos esses caras do rally, achamos o RS200 de rua o melhor. Não é apenas feroz, mas também muito raro. É mais fácil tropeçar em um duende que encontrar um desses. O RS200 representou a segunda e mais séria tentativa da Ford de entrar no Grupo B. A primeira vez foi com o Escort RS 1700T. Os detalhes sobre o que deu errado são vagos, mas a maioria das referências indicam “desenvolvimento equivocado”, às vezes seguido por “desastre completo”. Contudo, mesmo sem especificações técnicas, imagino que usar um carro popular, de tração dianteira para correr contra um Audi Quattro em 1983 seria algo terrivelmente desastroso.

Com o RS200 não foi assim. Muito do desenvolvimento foi terceirizado. Tony Southgate o projetou e a Reliant construiu o chassi space-frame. A carroceria de kevlar foi estilizada pela Ghia e construida pela Reliant, que tinha experiência considerável em compósitos. O RS200 tinha tração integral com balanceamento de torque, um pioneiro do Grupo B. Sem precisar parar o carro, o piloto poderia transferir toda a potência para as rodas traseiras, ajustar uma divisão 37/63 dianteira/traseira ou dividir igualmente entre os dois eixos. O RS200 empregava três acoplamentos viscosos para tornar isso possível. Ele também tinha motor central e amortecedores duplos em cada roda. O lendário engenheiro de F1 Brian Hart preparou o motor BDT-E Cosworth de 2137 cm³ e 16 válvulas para obter ao menos 550 cv, embora alguns digam mais de 800 cv. Na realidade, é provável que os RS200 tenham competido com 650 cv.

Sob o capô de kevlar do RS200.


Independente disso, os 100 km/h chegavam pouco depois dos dois segundos. Na verdade, dois RS200 Evolution diferentes atingiram 100 km/h em 2,1 segundos. Isso é ridículo. Mais importante (para os pilotos), o RS200 era extremamente forte e se saiu muito bem em testes de impacto. O único inconveniente é que tudo isso fazia o Ford mais pesado que seus concorrentes.

Lancia Delta S4



Assim como o resto dos concorrentes, a Lancia foi pega com as calças na mão quando a Audi apareceu com seu agressivo Sport Quattro. Em 1983 o Lancia 037 de tração traseira, antecessor do S4, conseguiu segurar a Audi (a Lancia tinha Walter Röhrl e de alguma forma o carro italiano era muito mais confiável que o alemão). Mas em 1984 a concorrência estava forte demais para o 037. A Lancia precisava fazer alguma coisa. E, cara… eles fizeram.
O Delta S4 é o carro de rali que Vincent van Gogh teria pilotado. Motor central, tração integral, ultra leve e tudo mais. Mas o que faz o S4 diferente e sempre nos faz sorrir é sua sobrealimentação composta. Para combater os efeitos colaterais do turbo lag em trajetos sinuosos e cheios de hairpins, o motor de 1759 cm³ do Delta S4 tinha compressor mecânico e turbocompressor. Juntos. Desenvolvido pela Abarth o motor livre de lag gerava pelo menos 550 cv de seus quatro cilindros. E como em todos aqueles carros, a potência real para as corridas era maior, quando não muito maior.

A baixa cilindrada afetou o torque, e isso significa que o Delta S4 “só” conseguia acelerar de 0 a 100 km/h em 2,5 segundos. Na terra. Estou rindo enquanto digito. Este foi o primeiro carro com sobrealimentação composta a correr, e um dos bólidos de corrida mais avançados já feitos.
A Lancia e o Delta S4 terminaram nas duas primeiras posições do RAC Rally de 1985. Em 1986 a campanha parecia ser mais do mesmo, mas Henri Toivonen tragicamente bateu seu Delta S4 e os tanques de combustível explodiram, matando-o e praticamente acabando com o Grupo B para sempre. Ainda assim, um carro insano e brilhante.

Peugeot 205 TI6




Como não adorar um carro apelidado de L’enfant terrible (a criança terrível, em francês)? Difícil mesmo. Da mesma forma que os outro carros citados, o concorrente da Peugeot no Grupo B seguiu a fórmula vencedora. Motor central, carroceria feita em compósito de baixo peso, tração integral, chassi space-frame e turbo. E mesmo quando encarou os concorrentes mais poderosos, o 205 T16 constantemente venceu corridas.

Ao contrário do R200 e do Delta S4, o 205 T16 era baseado no popular 205. Eles apenas jogaram o motor no porta-malas (tchau banco traseiro) e trocaram cada componente. Visualmente ele manteve o estilo hatchback, e os fãs adoraram o 205 porque ele parecia um pequeno Davi pronto para apedrejar o gigante Golias.

Durante a temporada de 1986 o pequeno pugilista da Peugeot tirou vantagem de seu peso e bateu todos os concorrentes. O 205 T16 depois dominaria Pikes Peak e venceria o Paris-Dakar. Para sermos sinceros, deveríamos admitir que o Peugeot 206 T6 é provavelmente o maior carro de corridas do século passado. Uma pena que tenha um visual tão desajeitado.

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Estes são o concorrentes e sua façanhas. Agora é a sua vez. Se você fosse transportado para o grid de largada do Grupo B em 1986, qual deles escolheria pilotar?
Fonte: jalopnik
Disponível no(a):http://www.jalopnik.com.br

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