13 de jun. de 2013

Vale a pena comprar um carro antigo para restaurar?

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Vira e mexe ouço esta conversa – e ela tem aparecido com frequência cada vez maior: ”tá muito caro! Por esta grana compro um usado, restauro inteiro e ainda sobra um trocado”. O assunto, obviamente, é o preço de um carro antigo – seja ele um Maverick, Puma, Passat ou Fusca. Mas é tudo tão fácil assim mesmo? Vale a pena? É este o atalho para a felicidade antigomobilista livre da especulação?


A síntese da resposta é tão útil quanto diagnóstico de virose dado pelo médico: depende. Mas, se você quer algo mais direto ao ponto, tome essa: não, não vale a pena em 99% dos casos – mesmo aqueles bem baratinhos. É péssimo jogar a água no seu chope logo de saída, muitos aqui (incluindo eu) não possuem condição para comprar um antigo em ótimo estado e partir para o carrinho “mais ou menos” e levantá-lo aos poucos é a única saída. Mas, independentemente disso, uma noção precisa ficar muito clara: carro antigo é dor de cabeça das extremas.

Roubada que nós amamos

É importante você ter 200% de certeza de que sabe mesmo o que é dirigir e possuir um carro antigo. Muita gente ficou empolgada em ter um muscle car após sair da sessão de “60 Segundos” ou de “Velozes e Furiosos”, por exemplo. Gente que está acostumada com automóveis atuais, que são incríveis e confortáveis – mesmo um Celtinha pé-de-boi. Virar o volante é moleza e não há folga, os pedais estão no lugar certo e possuem curso adequado, o câmbio é preciso, você consegue ler o painel, o medidor de combustível realmente mede o nível de combustível, mas, acima de tudo, ele funciona quando você precisa, seu interior não é a reprodução do caldeirão de Lúcifer e você não vai sair defumado de combustão a cada passeio.
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Porque é assim que carros antigos são. Ao adotar um, você está deixando de usar um laptop da Apple para voltar a datilografar em uma Olivetti. Eles são desconfortáveis, exigem força, esquentam. Falham. Quebram. E como quebram. O conserto é caro, a durabilidade dos componentes tende a ser menor e as oficinas especializadas costumam ser bem lentas – isso sem mencionar o prazo para a chegada de peças que não existem em nosso mercado. Ah, e não há seguro nenhum: contra roubo, contra acidentes, nada – no máximo há cobertura para terceiros.
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Este parágrafo acima é a parte que não aparece quando você vê aquele cara passando com um Opala SS numa tarde de domingo e fica devaneando em estar lá, no banco do motorista. There’s no free lunch – e, no caso dos antigos, o rango é bem salgado. O tal do parágrafo vale especialmente para você, que não está nadando em dinheiro e que não pode comprar aquele carro de restauração digna de concurso. Quanto pior o estado do carro, quanto mais raro ele for, maior é a roubada: isso soa óbvio, mas o impulso de ter um antigo cega muita gente. Por isso, guarde isso em sua cabeça, independentemente de sua condição financeira. Carros antigos são um saco sem fundo: você gosta deles o suficiente para encarar a empreitada?

Evite roubadas. E o carro é seu

Aos marinheiros de primeira viagem, segue minha lista de conselhos: primeiro, evite carros muito raros que necessitem de restauração ou de manutenção mais pesada. Eu sei, o Opel Manta é um carro maravilhoso. Ah, irresistível aquele Datsun S30. Este é o maior atalho para a frustração completa: você não vai encontrar peças no Brasil, dificilmente vai encontrar alguém que possa te ajudar por aqui e as chances de você não encontrar uma oficina especializada e ir parar nas mãos de um mecânico que vai precisar aprender a mexer no seu próprio carro são gigantescas. E quando quebrar alguma coisinha, meu amigo… senta e chora.
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Segundo ponto: estilo. Esqueça os carros extremamente originais e os de preparação pesada. São os dois grandes torradores de grana: carros muito fuçados exigem peças caríssimas, mão de obra especializada (sobram falsos preparadores no mercado) e correm o risco constante de quebra. E o meio antigomobilista clássico é patologicamente exigente com detalhes insanamente caros que são pífios para quem vê de fora. Se você restaurar um carro inteiro, mas errar na padronagem da textura do vinil do teto ou do banco, seu querido antiguinho vai ser humilhado publicamente e pelas costas.
Terceiro toque: o caminho mais saudável é esquecer a opinião dos outros. Não faça o seu carro para agradar panelinhas de encontros, fóruns e clubes – o automóvel é seu! Se você é um mortal, vai precisar abrir mão de algumas coisas. Não vai dar pra comprar aquele vinil idêntico ao original. Talvez o jeito seja restaurar aquele par de lanternas, pois as originais de estoque antigo estão custando alguns milhares de reais. Se você quer transformar o seu Gol num GT, faça. Se quer pintar o seu Charger de vermelho apesar de ele ser branco na plaqueta de fábrica, vai em frente. Ah, não é Charger, é Dart? Problema nenhum. Porque é seu.
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Brasileiro adora dar apito e fofocar sobre o que é dos outros – a confusão entre o privado e o público é um traço cultural nosso. Mas o sonho é seu e quem está pagando as contas é você. Até porque os idealistas mais chatos de fóruns e encontros geralmente não possuem nada na garagem que represente ideologia tão intolerante. São como os ativistas da FFLCH/USP (falo com conhecimento de causa – me formei em História por lá): os mais fervorosos são os menos relevantes intelectualmente dentro do departamento. Mas isso não quer dizer que os gurus não vão se manifestar frente à sua possível heresia. Eles vão opinar e normalmente vão te advertir sobre as consequências (perda de valor de mercado, desperdício de um modelo raro), mas em última instância, tendem a respeitar o fato de o carro ser seu.
Quarta dica: Google, Amazon e estude muito antes de teclar. Procure por problemas típicos do carro que você quer, guias de inspeção, leia toneladas de páginas virtuais em fóruns, compre livros específicos na Amazon – não aqueles com a história, mas livros de mecânica e de restauração. Faça tudo isso incansavelmente por meses antes de sair como um idiota perguntando em fóruns.
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Acredite, essa dica é de ouro: donos de carros antigos odeiam gente preguiçosa, que cruza os bracinhos esperando a resposta cair do céu – especialmente hoje em dia, em que o antigomobilismo virou moda e trouxe uma enxurrada de leigos apaixonados por um verão. E cada groselha que você fala mancha a sua reputação. Pense neste meio como uma espécie de aldeia indígena: você tem mais chances de ser bem recebido se falar pouco, observar e estudar muito, ser humilde e tentar caçar, mesmo que de forma esdrúxula. A chance de receber ajuda é maior assim do que pentelhando gente que você não conhece.
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Agora, releia o parágrafo acima na ótica de você, leigo e que acabou de comprar um carro todo f#dido, que precisa de uma restauração digna do Overhaulin’. Cara, a chance de você virar um mendigo de informações, que irá pingar de um mecânico para outro, sofrendo com eletricistas, funileiros e tapeceiros (isso se chegar a este estágio), comprando um monte de peças erradas, entrando em uma furada atrás da outra, é mais que gigantesca. Diria que é certeza.

O caminho das pedras

Acabamos com o seu sonho? Calma. Vamos falar agora sobre um bom caminho, o mais livre de dores de cabeça. Siga este guia e as chances de você não se ferrar crescem exponencialmente:
1) Só vá atrás de um antigo depois que você tiver estudado seriamente todos os seus detalhes e defeitos. Se apresente num fórum e acompanhe-o por algumas semanas sem falar muito. Você vai descobrir quem são os gurus, quem são os intolerantes, os piadistas, etc. Muitos deles você irá conhecer pessoalmente no futuro – alguns podem virar inclusive amigos pessoais. Por isso, pense bem antes de escrever, especialmente em discussões
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2) Paralelo a isso, acompanhe os sites de anúncios: Mercado Livre e Webmotors são os principais. Se você encontrar um carro que você se apaixonou, encaminhe o anúncio para um ou outro guru do fórum e peça a opinião dele – 90% dos carros anunciados são carros conhecidos pelo meio. Talvez o cara não responda – não se ofenda com isso. É importante ter o aval de um funileiro e de um mecânico de confiança – se você não possui ninguém, procure referências publicamente
3) Além de ver carros, pesquise a fundo preços de peças e de mão de obra. Aos poucos, você vai descobrir outros lugares além do Mercado Livre. Vai descobrir que comprar peças em encontros quase nunca compensa e que algumas peças de acabamento novas e  importadas são mais baratas que as usadas no Brasil. E também vai descobrir que um par de lanternas pode custar a metade da retífica de um motor. Por isso, não subestime nenhum detalhe
4) Não compre um carro antigo que precise ser desmontado – deixe esse emaranhado de nós sem fim para os (bem) experientes. Você vai precisar restaurar frisos, comprar borrachas novas, pagar a mão de obra do desmonte e do remonte, podres novos serão descobertos, parafusos podem ser perdidos, peças podem ser quebradas – e, com tudo isso, é bem fácil passar dos R$ 10-20 mil de despesas em detalhes. Ao frigir dos ovos, compensa mais ter um carro bom de lataria e pintura com motor rajando que outro com motor perfeito e lataria podre. Afinal, na pior das hipóteses você troca de motor – e não dá pra fazer isso com um monobloco estragado. Compre um carro cuja lataria e pintura esteja num estado e cor que você goste
5) Faça contas de detalhes: não despreze grades quebradas, lanternas danificadas, bancos estragados, painel destruído por um rádio moderno, rodas ruins e pneus gastos. Lembre-se de que não foram só os carros que sofreram com a especulação: as peças e a mão de obra também subiram no telhado. Por outro lado, estes detalhes podem ser resolvidos ao longo dos meses e anos – e o mais importante: com o carro rodando. Não tem coisa que desanima mais do que um peso de papel de uma tonelada
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6) Grana e paciência. Carros antigos quebram. Junte o dinheiro para comprar o carro e fazer a manutenção básica, mas tenha uma reserva e um plano (telefones de guinchos, garagem segura onde ele pode ser encostado) para imprevistos. Eles sempre acontecem – mesmo com carros dignos de exposição. Por isso, não se frustre nem desista do sonho tão facilmente – o antigomobilismo exige determinação e paciência
7) Quando é bom e rápido, não é barato. Quando é barato e rápido, não é bom. Quando é bom e barato, não é rápido
8) Quando você tem tesão e tempo, não tem grana. Quando você tem grana e tesão, não tem tempo. Quando você tem tempo e grana, não tem tesão
9) Carros americanos são os mais fáceis (não necessariamente os mais baratos) de serem mantidos, porque a indústria de peças aftermarket é monstruosa e os motores tendem a ser robustos
10) Carros brasileiros da década de 1980 são dos mais em conta de serem comprados, mantidos e restaurados, ao menos por enquanto. Mas algumas peças de acabamento são quase impossíveis de serem encontradas. Não subestime nada: um carro nascido em 1983 tem 30 anos nas costas! Importados da década de 1980 e 1990 também são boas apostas, principalmente trazendo peças dos EUA – mas o motor e o câmbio precisam estar em bom estado. E não deixe de conferir o valor das centrais eletrônicas (ECU). Algumas custam mais do que o próprio carro!
11) Seu mecânico vai virar um cara mais importante que o seu chefe: se você conseguir achar um cara de confiança, competente e com boa reputação no meio, sua vida está resolvida

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Um comentário:

Anônimo disse...

Eu tenho muuuita vontade de comprar carro americano que seja da década de 50 (para mim a melhor década com relação a carros) mas muita gente me desestimula dizendo que não conseguirei sustentar um carro dessa época por exigir manutenção cara, o q vc acha, carros dessa época são tão difíceis assim de manter na garagem?