Com as importações proibidas pelo governo federal desde o final da década de 1950, o “jeitinho brasileiro” na época foi criar, a partir da fibra de vidro, plataforma e mecânica Volkswagen, um segmento quase que exclusivamente nacional: o dos fora-de-série. Seguindo essa receita, os sócios gaúchos Aldo Besson e Itelmar Gobbi, proprietários da Aldo Auto Capas (que produzia bancos e acessórios para automóveis) decidiram expandir os negócios.
A ideia era produzir um esportivo nacional nunca antes visto, com desenho revolucionário e acabamento refinado. Assim, em maio de 1977, nascia o Miura Sport.
O modelo chamava atenção pela frente longa em formato de cunha, com destaque para os faróis escamoteáveis acionados por uma tecla no painel. O para brisa bastante inclinado dá continuidade ao design sem que a visão do motorista seja diminuída ou prejudicada. Os limpadores ficavam alojados em um compartimento entre o capô e o para-brisa, e só apareciam quando acionados – assim como os faróis.
Ao contrário de outros fora-de-série, muitas das peças utilizadas na fabricação do Miura foram projetados exclusivamente para ele. Como, por exemplo, as lanternas traseiras desenvolvidas para acompanhar o desenho do para-choque fabricado em plástico injetado. Mais impressionante do que o design, o acabamento interno surpreendeu as revistas especializadas na ocasião do lançamento. O interior era revestido de náilon, incluindo o painel, laterais e o teto estofado. O assoalho acarpetado completava o acabamento chique. O quadro de instrumentos tradicional, com velocímetro e conta-giros, era complementado por outro módulo com termômetro de óleo, pressão do óleo, amperímetro e marcador de combustível.
O Sport vinha de série com regulagem elétrica de altura do volante, um item não disponível nem no automóvel de luxo mais caro produzido no Brasil daquela época, o Ford Landau. Os pedais também possuíam regulagem: por meio de extensões ajustáveis manualmente, era possível modificar a posição de cada pedal, facilitando assim encontrar a posição ideal para dirigir. Os bancos individuais com desenho único e formato retangular foram desenvolvidos para receber o motorista e passageiro de forma esportiva. Eram anatômicos, com apoios de cabeça reclináveis e revestidos do mesmo material da cabine.
Mecanicamente, pouca coisa foi alterada em relação ao propulsor Volkswagen 1.600 que equipava a linha da fabricante alemã, a fim de facilitar a manutenção do esportivo. Logo, o desempenho não agradava tanto quanto a sofisticação, tendo como velocidade máxima 135 km/h e aceleração de 0 a 100 km/h em 23 segundos. Os freios receberam disco na frente e tambor atrás, além da coluna de direção retrátil que era requisito exigido pelo Contran na época.
Assim como o motor, a suspensão também foi mantida. Já o tanque de combustível foi instalado na traseira, entre o compartimento interno e o motor, o que garantiu amplo espaço interno e boa acomodação para a bagagem no porta-malas dianteiro. Mas a segurança em uma colisão traseira ficava comprometida pela proximidade com o propulsor.
Como opcional a Miura oferecia rádio com toca-fitas, vidros com acionamento elétrico e ar-condicionado. Com bom número de vendas do modelo Sport, a marca vinha ganhando espaço entre os fora-de-série. Das cerca de 250 unidades vendidas em 1979, algumas foram exportadas e fizeram sucesso no mercado internacional.
Para 1980 o Sport ganhava uma pequena reestilização, concentrada principalmente na traseira. O carro perdeu a terceira porta e o vidro traseiro passou a ser fixo com abas nas colunas. Para acompanhar essas mudanças, o esportivo ganhou novas lanternas e faróis, assim como para-choques de desenho inédito.
O ano de 1981 chegou com uma forte recessão econômica que abalou o mercado automobilístico. E a Miura foi uma das marcas que mais sofreu nesse período, entrando em uma crise sem precedentes. Com vendas de menos de 20 unidades no ano, os proprietários já pensavam em fechar a fábrica. Mas, passada a tormenta, a Miura voltou forte e apresentou uma nova opção de motor para o esportivo. Além do VW 1.600 a ar, na linha 1979 havia também o propulsor 1.6 refrigerado a água oriundo do Passat TS. Com 88 cv de potencia a 5.800 rpm e torque máximo de 13,3 kgfm, garantia um desempenho à altura do visual.
Em 1982 o portfólio da marca ganhava um novo integrante. A versão Targa aliava a proposta agressiva da versão Sport com o atrativo das partes removíveis da capota. Para lançar essa nova carroceria, a Miura desenvolveu um chassi tubular de aço construído especificamente para essa versão. O Targa era equipado com o mesmo motor 1.6 do Passat, mas a suspensão recebia uma nova configuração, com dianteira McPherson e traseira por eixo rígido, além da direção por pinhão e cremalheira mais firme e precisa.
No ano seguinte enfim chegava a versão conversível, que unia a proposta diferenciada do fabricante à uma carroceria que exalava elegância. Visualmente, o modelo apresentava uma distribuição de volumes que lembrava os esportivos europeus. O desenho da carroceria já incorporava a nova identidade da marca, mais retilínea, mas mantinha os característicos faróis escamoteáveis.
O ano de 1984 chegava para atribuir novos valores à Miura, com a eliminação da versão equipada com motor a ar e a estreia de um novo modelo, o Saga. Com carroceria de três volumes e uma proposta 2+2 lugares, poderia receber mais dois ocupantes de forma modesta. Era o suficiente para colocar a Miura em uma categoria de esportivos pouco explorada. Maior e mais espaçoso que a versão Sport, o Saga mantinha o acabamento luxuoso que já era tradição da marca. E, com o ganho nas medidas, o porta-malas saltava para 210 litros.
No mesmo ano a Miura apresentava uma proposta de um conversível mais acessível, com o resgate do motor VW 1.600 a ar que tinha equipado o Sport. Com nome de Kabrio, ele trazia um acabamento mais espartano, com painel de instrumentos do Ford Escort XR-3 e uma carroceria totalmente nova, com faróis redondos fixos e auxiliares no para-choque. Veio para concorrer diretamente com os modelos da Puma, mas os pedidos foram poucos e a fábrica desistiu da empreitada. Assim, foram fabricadas apenas 14 unidades do Kabrio, o modelo mais raro da marca atualmente.
Em 1986 a Miura estava comemorando 10 anos de existência, e apresentou as maiores novidades da história da marca. As novidades começavam pela abertura das portas, que abandonavam as maçanetas em favor de um controle remoto que destravava as portas do Saga. Com a chave no contato, uma voz computadorizada avisava sobre algo errado: pedia ao motorista para colocar o cinto de segurança, soltar o freio de estacionamento, travar as portas ou abastecer o tanque caso estivesse na reserva. Para completar os mimos, havia ainda uma pequena televisão acima do rádio e um bar refrigerado no banco traseiro. A Besson&Gobbi S.A havia conquistado a maior fatia do mercado de automóveis fora-de-série, produzindo cerca de 25 unidades por mês – 60% delas do Saga, 30% do Targa e os outros 10% do Spider.
Toda essa sofisticação do Saga fazia ele custar cerca de Cr$ 250 milhões, ultrapassando o preço do Alfa Romeo TI4, até então o automóvel mais caro produzido no Brasil. Equipado com motor 1.8 oriundo do Santana, desenvolvia 92 cv quando abastecido com álcool, o que não era suficiente para um desempenho esportivo. O painel de instrumentos vinha do Del Rey, mas não deixava de fora nenhum mostrador necessário para o motorista, como conta giros, marcador de pressão do óleo, amperímetro, velocímetro com marcação em milhas por hora (em km/h numa escala menor, visivelmente uma tentativa de parecer um carro importado) e marcador de combustível.
Em 1987 chegava o primeiro Miura equipado com neon de iluminação e o tradicional aerofólio mais alto, itens que se tornariam emblemáticos para a marca. E no ano seguinte estreava o X8, que introduzia uma reestilização na traseira com vidro mais amplo e envolvente, além de um aerofólio incorporado ao desenho do carro.
Com uso abundante de recursos eletrônicos, um novo modelo Top Sport chegava em 1989 com bancos dianteiros com regulagem elétrica e retrovisor fotocrômico que acrescentavam sofisticação ao modelo. O motor era emprestado do Gol GTi, com injeção eletrônica multiponto Bosch LE-Jetronic, desenvolvendo cerca de 125 cv e torque máximo de 19,5 kgfm. Os freios eram a disco nas quatro rodas ventilados na dianteira e sólidos na traseira, com ABS. O preço ficava acima do Santana Executive, o que fazia desse Miura o automóvel mais caro produzido no Brasil.
Com a abertura dos portos para os automóveis importados no começo dos anos 1990, os esportivos japoneses, europeus e americanos trouxeram uma proposta mais atraente que a do Miura, com preço bem abaixo do que era cobrado para se ter um modelo da marca gaúcha. Em 1992, então, o X-11 (substituto do X8) era o último esportivo pela marca mais avançada do cenário fora-de-serie brasileiro.
Por Junior Almeida
Agradecimento ao Miura Clube do Rio de Janeiro e ao Miura Clube do Rio Grande do Sul pelo material fotográfico
Disponível no(a):http://carplace.virgula.uol.com.br/
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